Ministro defende isenção de ICMS para provedor de Internet
O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Domingos Franciulli Netto, defendeu a isenção de provedores de acesso à Internet de ICMS durante a palestra “ICMS sobre operações eletrônicas (provedores de acesso à internet)”, no dia 17 de setembro. De acordo com Franciulli Netto, as operações deveriam sofrer a incidência apenas do ISS de 5% em benefício do município.
No entanto, segundo ele, os municípios preferem que vingue a tese do ICMS para que sejam “aquinhoados com percentual maior, em face do repasse do Estado”, que chega a 6,25%. A palestra do ministro fez parte do I Fórum Brasileiro de Direito Tributário, promovido pela Editora Fórum de Belo Horizonte.
Leia íntegra da palestra
I. INTRODUÇÃO
O presente trabalho cuida do tema concernente à incidência ou não de ICMS sobre a prestação de serviços de conexão à Internet. A questão central envolve a natureza jurídica do serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet.
A evolução tecnológica e a ampliação da atividade dos provedores de acesso à Internet, com o seu crescimento, provocam debates na doutrina e na jurisprudência acerca da tributação do serviço prestado pelos provedores de acesso. Nesse sentido, indaga-se se esse serviço tem a natureza de um serviço de comunicação (ou telecomunicação), de forma a incidir o ICMS, ou se trata de um serviço de natureza diversa, que sofrerá a aplicação do ISS caso esteja previsto na Lista de Serviços tributáveis pelo aludido imposto municipal.
II. DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS APLICÁVEIS AOS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E TELECOMUNICAÇÃO.
O artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, dispõe que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.”
Por outro lado, estabelece o artigo 2º da Lei Complementar n. 87/96, em seu inciso III, que o ICMS incide sobre “prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”.
Da leitura dos dispositivos legais acima transcritos, verifica-se que cabe aos Estados e ao Distrito Federal tributar a prestação onerosa de serviços de comunicação. Dessa forma, o serviço que não for prestado de forma onerosa, e que não for considerado pela legislação pertinente como serviço de comunicação, não pode sofrer a incidência de ICMS, em respeito ao princípio da estrita legalidade tributária.
A esse respeito, preleciona Ives Gandra da Silva Martins que o serviço de comunicação que pode ser tributado é “apenas a comunicação que se faz por veículo, posto à disposição com intuito econômico. Na linguagem dos fundadores do direito econômico, o espírito da economicidade é que justifica a incidência. (…) Em outras palavras, não basta a “comunicação”. É necessário haver prestação de “serviço” para que a comunicação se faça e esse serviço é que pode, conforme a hipótese, deflagrar a incidência do tributo.”(1)
Na mesma linha de raciocínio, Roque Antonio Carrazza, em parecer acostado aos autos dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 456.650/PR, da relatoria do Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, pontifica que o ICMS “não alcança a comunicação, mas a prestação (onerosa) de serviços de comunicação. Deveras, a comunicação só ganha relevância jurídica, para fins de ICMS, quando decorre de um contrato de prestação de serviços. A simples existência de comunicação não é suficiente para que o ICMS nasça. Tanto é assim que um advogado, contratado para prestar seus serviços típicos (v.g., para fazer uma sustentação oral perante um Tribunal Superior), por sem dúvida comunica-se, mas não será tributado por meio de ICMS.” Assim, assenta que “a comunicação somente determinará a incidência do ICMS se for o objeto (o fim) do negócio jurídico firmado pelas partes, e não um mero meio de alcançá-lo”.
Segundo informações da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, “a Internet é um conjunto de redes e computadores que se interligam em nível mundial, por meio de redes e serviços de telecomunicações, utilizando no seu processo de comunicação protocolos padronizados. Os usuários têm acesso ao ambiente Internet por meio de Provedores de Acesso a Serviços Internet. O acesso aos provedores pode se dar utilizando serviços de telecomunicações dedicados a esse fim ou fazendo uso de outros serviços de telecomunicações, como o Serviço Telefônico Fixo Comutado.”(2)
Conforme consta do Resultado da Consulta Pública n. 372, de 21 de março de 2002, realizada pela ANATEL, “no Brasil vários serviços de telecomunicações podem dar suporte a Provimento de Acesso a Serviço Internet, mas por condições da prestação e disponibilidade, 93% das conexões a Provedores de Acesso a Serviço Internet são feitas por meio do Serviço Telefônico Fixo Comutado – SFTC, e apenas 7% utilizam como suporte outros serviços de telecomunicações, tais como, TV a cabo e MMDS.”(3)
Compete à União, nos termos do artigo 21, inciso XI, da Carta Maior, “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações”.
A Norma n. 004/95, aprovada pela Portaria do Ministério das Comunicações n. 148/95, com o objetivo de regular o uso de meios da Rede Pública de Telecomunicações para o provimento e utilização de Serviços de Conexão à Internet, definiu o Serviço de Conexão à Internet – SCI como o “serviço de valor adicionado que possibilita o acesso à Internet a usuários e provedores de serviços de informações”, e o Provedor de Serviço de Conexão à Internet – PSCI como “a entidade que presta o serviço de conexão à Internet”. A aludida Norma já dispunha que o serviço de valor adicionado é o “serviço que acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de telecomunicações, meios ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e recuperação de informações”.
Nessa mesma direção, a Proposta de Regulamento para o Uso de Serviços e Redes de Telecomunicações no Acesso a Serviços Internet (para substituir a sobredita Norma n. 004/95 do Ministério das Comunicações), objeto da Consulta Pública n. 417, da ANATEL, define, em seu artigo 4º, como Provedor de Acesso a Serviços Internet – PASI, “o conjunto de atividades que permite, dentre outras utilidades, a autenticação ou reconhecimento de um usuário para acesso a Serviços Internet”. Em seu artigo 6º estabelece, ainda, que “o Provimento de Acesso a Serviços Internet não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor e seus clientes como usuários dos serviços de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a esta condição”.
A respeito do serviço de valor adicionado, a Lei Federal n. 9.472/97, denominada Lei Geral de Telecomunicações – LGT, no § 1º de seu artigo 61, dispõe que “não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição”. O caput do mencionado artigo define o referido serviço como “a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.”
O artigo 3º, inciso III, do Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicações da ANATEL (Resolução n. 73, de 25.11.98) também estabelece que não constituem serviços de telecomunicações os serviços de valor adicionado, nos termos do artigo 61 da Lei n. 9.472 de 1997.
III. DA NATUREZA DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELOS PROVEDORES DE ACESSO À INTERNET – ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO.
Na lição de José Eduardo Soares de Melo, “o acesso à internet implica a utilização conjugada de alguns equipamentos – computador, modem, linha telefônica, fibra ótica, TV a cabo, telefone celular ou um micro de mão (palmtop) – por meio de um programa (software – internet explorer, netscape etc.), instalado no computador de qualquer pessoa, procedendo ao roteamento da ligação por canais contratados pela Embratel, que se conecta a uma empresa estrangeira, além de oferecer diversas outras comodidades (disposição de aparelhos, equipamentos,senhas etc.). (…) Participam a operadora (entidade exploradora do STFC – Serviço Telefônico Fixo Comutado, ou SMC – Serviço Móvel Celular); o provedor (pessoa que provê o serviço através da rede pública de telecomunicações), mediante oferecimento de facilidade suplementar do STFC (recursos de códigos de acesso específico e o fornecimento do registro das chamadas destinadas aos provedores) e os usuários (tomadores dos serviços pertinentes à internet). O provedor transmite ao usuário a informação indispensável para a realização da comunicação do usuário com a internet, mediante os meios técnicos que dispõe.”(4)
Hugo de Brito Machado doutrina que “a expressão provedor de acesso pode designar o conjunto de equipamentos que viabiliza o acesso de alguém à Internet. No sentido de prestador de serviço, porém, o provedor é a pessoa, física ou jurídica, que utiliza esse conjunto de equipamentos para a prestação de serviço consistente em viabilizar o acesso à Internet.”(5)
Segundo definição de Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini, “o provedor de acesso, em linguagem simplificada, constitui o instrumental técnico para que o usuário possa acessar a navegação na Internet; é o meio hábil para possibilitar a entrada na rede internacional de comunicação.” (6)
Consoante o entendimento de Marco Aurelio Greco, “prestador do serviço de comunicação é aquele que fornece os respectivos meios para a comunicação, assim entendidos não apenas aqueles que tornam possível a instauração de uma relação comunicativa, tais como interfaces, dispositivos, equipamentos etc. Em outras palavras, presta serviço de comunicação quem fornece o “ambiente de comunicação.”(7) Sustenta o autor que “o provedor de acesso à Internet cria, tecnicamente, um ambiente especial que viabiliza um meio diferente pelo qual podem transitar mensagens, que não se confunde com o ambiente criado pela telefonia.” (8)
Marco Aurelio Greco assevera, ademais, que “a utilidade proporcionada pelo provimento de acesso é permitir a transmissão de mensagens, é permitir que as pessoas se comuniquem, viabilizando um sistema de comunicação cujas utilidades estão na flexibilidade das conexões, multiplicidade de caminhos, agilidade na obtenção de informações, facilidade de transmissão etc. Pode-se dizer que se a utilidade obtida pelo usuário em relação à operadora de telefonia é obter uma conexão com certo local, a utilidade obtida pelo provimento de acesso é a conexão com todo o mundo.”(9) Nesse eito, conclui que “o conceito de “comunicação”‘ utilizado pela CF-88 não é um conceito legal (que se extraia de uma determinada lei), mas sim um conceito de fato (que resulta da natureza do que é feito ou obtido).”(10)
Do mesmo sentir é a lição de Luciana Angeiras, para quem “o serviço de acesso prestado pelo provedor não se restringe apenas a agilizar, facilitar, maximizar a atividade comunicativa entre duas partes, mas efetivamente, promover a comunicação. O serviço de comunicação prestado pelo provedor ao seu cliente assemelha-se ao exemplo da transportadora, que continua prestando serviço de transporte ao seu cliente, ainda que não o faça pessoalmente durante todo o itinerário. É de se concluir, portanto, que se diversas pessoas compõem o iter comunicacional para transmitir a mensagem em alguma etapa definitiva do processo, tais pessoas prestam serviços de comunicação.”(11)
A doutrina majoritária, contudo, entende que os serviços prestados pelos provedores de acesso à Internet não constituem serviços de comunicação ou de telecomunicação, mas serviços de valor adicionado, de forma a afastar a incidência do ICMS.
Kiyoshi Harada, ao examinar a questão, salienta que “o provedor de acesso à internet libera espaço virtual para comunicação entre duas pessoas, porém, quem presta o serviço de comunicação é a concessionária de serviços de telecomunicações, já tributada pelo ICMS. O provedor é tomador de serviços prestados pelas concessionárias. Limita-se a executar serviço de valor adicionado, isto é, serviços de monitoramento do acesso do usuário à rede, colocando à sua disposição equipamentos e softwares com vistas à eficiente navegação.”(12)
Nessa esteira é o comentário de Francisco de Assis Alves:
“Os provedores viabilizam o acesso à internet aos usuários e a outros provedores de serviços de informações. Os provedores, portanto, utilizam a estrutura do serviço de telecomunicações existente para proporcionar o acesso, o armazenamento de informações e conectar o usuário à rede. Apenas recebem as informações da rede e as retransmitem ao usuário conectado. (…) A comunicação que ocorre entre os usuários da internet decorre de um serviço de conexão prestado pelos provedores. E estes, agora sim, utilizam-se de um serviço de comunicação, prestado pelas companhias telefônicas, para efetivarem esta conexão. Assim sendo, o serviço fornecido pelos provedores nada mais é do que um acréscimo ao serviço de telecomunicações, consistindo num serviço de valor adicionado.”(13)
A esse respeito, preleciona Hugo de Brito Machado que “o certo é que os serviços prestados pelo provedor de acesso não são viáveis sem aqueles aos quais se agregam.”(14)
Na mesma seara, Roque Antonio Carrazza sustenta que “a atividade do “provedor de acesso” não tipifica, ela própria, nenhum serviço de comunicação, mas tão-somente disponibiliza, para os usuários, os meios que o tornarão possível. Ora, se não há, no caso, prestação de serviço de comunicação, não há, ipso facto, incidência possível de ICMS. Deveras, não envolvem prestações de serviços de comunicação as meras atividades-meio, necessárias para que se concretizem. Estas providências preliminares são inalcançáveis pelo ICMS. Em linguagem mais técnica, disponibilizar os meios e modos necessários à prestação dos serviços de comunicação não é o fato imponível do ICMS em estudo.”(15)
Já Ives Gandra Martins pondera que “se o serviço estiver vinculado ao setor de telecomunicação, mas não for considerado serviço de telecomunicação por quem tem competência de definição fiscal, à evidência, não será serviço de comunicação de forma alguma. Ou são serviços de telecomunicações, por estarem vinculados a telecomunicações, ou não são meios de comunicação, por falta de pertinência com outras formas de comunicação.”(16)
Relevante, ainda, a observação de Sacha Calmon de que “o serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet é um Serviço de Valor Adicionado, não se enquadrando como serviço de comunicação, tampouco serviço de telecomunicação. Este serviço apenas oferece aos provedores de Acesso à Internet o suporte necessário para que o Serviço de Valor Adicionado seja prestado, ou seja, o primeiro é um dos componentes no processo de produção do último.”(17)
José Eduardo Soares de Melo ensina que “o provedor cria novas utilidades relacionadas ao acesso cibernético, consistentes no armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações, possibilitando os meios de perfazimento da comunicação. Entretanto, não se vislumbram típicos serviços de comunicação, mas atividades que permitem que os usuários se comuniquem com o mundo virtual. Os provedores nada comunicam porque não detêm os conhecimentos constantes da realidade virtual, mas apenas criam condições para que ocorra a ligação entre dois pontos. Tornar possível a “relação comunicativa” (serviço de monitoramento do acesso do usuário à rede) não tem a mesma natureza de participar de modo interativo desta mesma relação.”(18)
Oportunas e precisas as considerações tecidas por José Maria de Oliveira, citado por Hugo de Brito Machado:
“Entende-se que o provimento de acesso à Internet deve ser assim considerado como uma prestação de serviço que utiliza necessariamente uma base de comunicação preexistente e que viabiliza o acesso aos serviços prestados na rede mundial, por meio de sistemas específicos de tratamento de informações.
O provimento de acesso não pode ser enquadrado, assim, como um serviço de comunicação, pois não atende aos requisitos mínimos que, técnica e legalmente, são exigidos para tanto, ou seja, o serviço de conexão à Internet não pode executar as atividades necessárias e suficientes para resultarem na emissão, na transmissão, ou na recepção de sinais de telecomunicação. Nos moldes regulamentares, é um serviço de valor adicionado, pois aproveita uma rede de comunicação em funcionamento e agrega mecanismos adequados ao trato do armazenamento, movimentação e recuperação de informações.
Ao se afirmar que o provimento de acesso não é condição necessária e suficiente à realização do fenômeno comunicacional, quer-se informar que os mecanismos tecnológicos do provimento de acesso não viabilizam, por si sós, a comunicação (suficiência), bem como não são indispensáveis para que a comunicação se efetive (necessidade).”(19)
A questão foi debatida por juristas renomados no XXVI Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em São Paulo no ano de 2001 pelo Centro de Extensão Universitária – CEU. Concluiu-se, em plenário e em Comissões, por maioria, que os serviços prestados pelos provedores de acesso não sofrem a incidência do ICMS. Nesse sentido, vide trecho da conclusão das Comissões 2 e 3 do aludido Simpósio, citado por Ives Gandra da Silva Martins, Coordenador-Geral do evento:
“A expressão ‘serviço de comunicação’, no art. 155, inciso II, da Constituição Federal, significa a atividade remunerada de colocar à disposição de terceiro, meios ou instrumentos para que ocorra a comunicação, como tal entendida a ação bilateral, ou multilateral, em que informações ou dados são enviados de um sujeito a outro, ou a outros, e daquele ou daqueles a este, em verdadeira interação.
Não pode ser aplicada ao provedor de acesso a Internet, porque este não disponibiliza meios e condições necessários e suficientes a que se realize a comunicação. Para que se realize a comunicação fazem-se indispensáveis outros meios, aos quais o provedor simplesmente acrescenta instrumentos que tornam mais fácil, ou mais rápida, a comunicação.”(20)
VI. DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL ACERCA DO TEMA ENTRE AS TURMAS DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
No Superior Tribunal de Justiça, o primeiro aresto a examinar o tema foi proferido pela Primeira Turma, que, no julgamento do Recurso Especial 323.358/PR, em 21.06.2001, concluiu pela incidência do ICMS sobre o serviço prestado pelo provedor pela via da Internet. O mencionado acórdão foi ementado nos seguintes termos:
“TRIBUTÁRIO. PROVEDOR DA INTERNET. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, ESPÉCIE DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO. RELAÇÃO DE NATUREZA NEGOCIAL COM O USUÁRIO. FATO GERADOR DE ICMS DETERMINADO. INCIDÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR Nº 87/1996. LEI Nº 9.472/1997.
1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que entendeu que “o provedor de acesso à internet não presta serviço de comunicação ou de telecomunicação, não incidindo sobre a atividade por ele desempenhada o ICMS”.
2. O Provedor da Internet é um agente interveniente prestador de serviços de comunicação, definindo-o como sendo “aquele que presta, ao usuário, um serviço de natureza vária, seja franqueando o endereço na INTERNET, seja armazenando e disponibilizando o site para a rede, seja prestando e coletando informações etc. É designado, tecnicamente, de Provedor de Serviços de Conexão à INTERNET (PSC), sendo a entidade que presta o serviço de conexão à INTERNET (SCI)”. (Newton de Lucca, em artigo “Títulos e Contratos Eletrônicos”, na obra coletiva Direito e INTERNET”, pág. 60)
3. O provedor vinculado à INTERNET tem por finalidade essencial efetuar um serviço que envolve processo de comunicação exigido pelo cliente, por deter meios e técnicas que permitem o alcance dessa situação fática.
4. O serviço prestado pelos provedores está enquadrado como sendo de comunicação, espécie dos serviços de telecomunicações.
5. A Lei Complementar nº 87, de 13/09/1996, estabelece, em seu art. 2º, que incide o ICMS sobre “prestações onerosas de Serviços de Comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”, círculo que abrange os serviços prestados por provedores ligados à INTERNET, quando os comercializam.
6. Qualquer serviço oneroso de comunicação está sujeito ao pagamento do ICMS.
7. A relação entre o prestador de serviço (provedor) e o usuário é de natureza negocial visando a possibilitar a comunicação desejada. É suficiente para constituir fato gerador de ICMS.
8. O serviço prestado pelo provedor pela via da Internet não é serviço de valor adicionado, conforme o define o art. 61, da Lei nº 9.472, de 16/07/1997.
9. Recurso provido” (Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 03.09.2001).
A Segunda Turma daquela Corte Superior de Justiça, posteriormente, ao julgar o Recurso Especial 456.650/PR, em 24.06.2003, esposou entendimento diverso. A ementa do mencionado julgado, da relatoria da Ministra Eliana Calmon, restou assim redigida:
‘TRIBUTÁRIO – ICMS – SERVIÇO PRESTADO PELOS PROVEDORES DE INTERNET – LEI 9.472/97.
1 . Os serviços prestados pelos provedores de acesso à INTERNET, embora considerados pelo CONFAZ como serviços de telecomunicações, pela definição dada no art. 60 da Lei 9.472/97, que dispôs sobre a organização dos serviços de telecomunicações, não podem ser assim classificados.
2. O serviço desenvolvido pelos provedores da INTERNET é serviço de valor adicionado (art. 61, Lei 9472/97), o qual exclui expressamente da classificação de serviços de telecomunicações (§ 1º, art. 61).
3. Se o ICMS só incide sobre serviços de telecomunicações, nos termos do art. 2º da LC 87/96, não sendo os serviços prestados pela INTERNET serviço de telecomunicações, e sim, SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO (art. 61, § 1º da Lei 9.472/97), não há incidência da exação questionada.
4. Recurso especial improvido” (Segunda Turma, REsp 456.650/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 08.09.2003).
Diante da divergência jurisprudencial entre as duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, o Estado do Paraná opôs embargos de divergência contra o aludido acórdão proferido pela Segunda Turma (EREsp 456.650/PR), tendo sido sorteado relator o Ministro José Delgado, que deu provimento aos Embargos de Divergência, no que foi seguido pelos Ministros Teori Albino Zavascki e Luiz Fux. Este Magistrado proferiu voto-vista no sentido de rejeitar os embargos, tendo sido acompanhado pelos Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira e Peçanha Martins. Na assentada de 25 de agosto de 2004, a Ministra Denise Arruda pediu vista dos autos, aguardando o Ministro Francisco Falcão. O julgamento do mencionado recurso de Embargos de Divergência está previsto para ser retomado na sessão de 22 de setembro de 2004, ocasião em que a Primeira Seção deverá definir qual tese prevalecerá no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
5. CONCLUSÃO
Diante do exposto, verifica-se que o serviço prestado pelo provedor de acesso à Internet não se caracteriza como serviço de comunicação prestado onerosamente (art. 2º, III, da LC n. 87/96), de forma a incidir o ICMS, porque não fornece as condições e meios para que a comunicação ocorra, sendo um simples usuário dos serviços prestados pelas empresas de telecomunicações.
Não cuida, tampouco, de serviço de telecomunicação, porque não necessita de autorização, permissão ou concessão da União, conforme determina o artigo 21, inciso XI, da Constituição Federal.
Trata-se de mero serviço de valor adicionado, porquanto o prestador se utiliza da rede de telecomunicações que lhe dá suporte para viabilizar o acesso do usuário final à Internet, por meio de uma linha telefônica.
Com efeito, os provedores de acesso à Internet atuam como intermediários entre o usuário final e a Internet. Utilizam-se, nesse sentido, de uma infra-estrutura de telecomunicações preexistente, acrescentando ao usuário novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações (artigo 61 da Lei Geral de Telecomunicações).
Nessa esteira, o Ministro Peçanha Martins, quando do julgamento do Recurso Especial 456.650/PR, pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, sustentou que a provedoria via Internet é serviço de valor adicionado, pois “acrescenta informações através das telecomunicações. A chamada comunicação eletrônica, entre computadores, somente ocorre através das chamadas linhas telefônicas de qualquer natureza, ou seja, a cabo ou via satélite. Sem a via telefônica impossível obter acesso à Internet. Cuida-se, pois, de um serviço adicionado às telecomunicações, como definiu o legislador. O provedor é usuário do serviço de telecomunicações. Assim o diz a lei.”
Conclui-se, portanto, que, não podem os Estados ou o Distrito Federal alterar a definição, o conteúdo e o alcance do conceito de prestação de serviços de conexão à Internet, para, mediante Convênios Estaduais, tributá-la por meio do ICMS.
Como é sabido e consabido, o Código Tributário Nacional possui o status de lei complementar. Daí deflui que à lei tributária não é dado transmudar conceitos, como por exemplo o de comunicação, para criar novo tributo. Tal proceder fere em cheio o artigo 110 do CTN, que, a evidência, só poderia ser alterado por norma da mesma categoria.
Dessarte, uma vez que a prestação de serviços de conexão à Internet não cuida de prestação onerosa de serviços de comunicação ou de serviços de telecomunicação, mas de serviços de valor adicionado, em face dos princípios da legalidade e da tipicidade fechada, inerentes ao ramo do Direito Tributário, deve ser afastada a aplicação do ICMS pela inexistência na espécie do fato imponível.
Como bem pondera Hugo de Brito Machado, “há quem afirme que a finalidade essencial do Direito Tributário é assegurar ao Estado as receitas de que necessita para realização de seus objetivos. Pensamos, porém, que a finalidade essencial do Direito Tributário, e em especial dos princípios jurídicos fundamentais da tributação, é limitar o poder de tributar que é inerente à soberania estatal.”(21)
Remata o autor:
“Os argumentos colocados na defesa de teses fazendárias, sejam eles fundados no sempre invocado interesse público, ou na solidariedade, da qual o tributo seria instrumento, são de validade apenas aparente. No fundo são ingênuos ou demagógicos. O interesse público mais respeitável reside exatamente no cumprimento da lei, no respeito pela ordem jurídica estabelecida. Já a solidariedade, que realmente deve ser por todos praticada, não se presta como fundamento para a cobrança de tributo. Tanto porque o pagamento do tributo é um dever jurídico, e não um gosto de benemerência, como porque o Estado tem se revelado um péssimo instrumento da solidariedade humana.”(22)
Em suma, o Direito Tributário ao fugir do princípio da tipicidade fechada pode-se constituir em instrumento de opressão, que não atende senão à volúpia insaciável arrecadadora dos entes tributantes.
DOMINGOS FRANCIULLI NETTO
Ministro do Superior Tribunal de Justiça
Notas de rodapé:
1 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Tributação na Internet. Coordenador Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 44, et seq.
2 Acesso a Serviços Internet, Resultado da Consulta Pública n. 372 – ANATEL.
3 Cf. “www.anatel.gov.br”.
4 MELO, José Eduardo Soares de. Tributação na Internet. Coordenador Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 238
5 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 88
6 SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. Op. cit., p. 128
7 GRECO, Marco Aurélio. Internet e Direito. São Paulo: Dialética, 2000, p. 124
8 GRECO, Marco Aurélio. Direito e Internet: relações jurídicas na sociedade informatizada. Coordenadores: Marco Aurélio Greco e Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 182
9 GRECO, Marco Aurélio. Internet e Direito. São Paulo: Dialética, 2000, p. 133, et seq
10 GRECO, Marco Aurélio. Ob. cit., p. 136, et seq.
11 ANGEIRAS, Luciana. Internet: o Direito na Era Virtual. Organização de Luís Eduardo Schoueri. São Paulo: Lacaz Martins, Halembeck, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados, 2000, p. 243.
12. HARADA, Kiyoshi. Tributação na Internet. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 223
13. ALVES, Francisco de Assis. Op. cit., p. 173
14. MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 91
15. cf. parecer acostado aos autos do EREsp 456.650/PR, Relator Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça.
16. MARTINS, Ives Gandra. Op. cit., p. 48
17. CALMON, Sacha. Op. cit., p. 104
18. MELO, José Eduardo Soares de. Op. cit., p. 241
19. MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 89
20. Competência Impositiva sobre os Serviços Prestados pelos Provedores de Acesso à Internet, Revista Dialética de Direito Tributário, n. 75, dezembro de 2001, p. 72, et seq.
21. MACHADO, Hugo de Brito. Tributação na Internet. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 89
22. MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit, p. 89
No entanto, segundo ele, os municípios preferem que vingue a tese do ICMS para que sejam “aquinhoados com percentual maior, em face do repasse do Estado”, que chega a 6,25%. A palestra do ministro fez parte do I Fórum Brasileiro de Direito Tributário, promovido pela Editora Fórum de Belo Horizonte.
Leia íntegra da palestra
I. INTRODUÇÃO
O presente trabalho cuida do tema concernente à incidência ou não de ICMS sobre a prestação de serviços de conexão à Internet. A questão central envolve a natureza jurídica do serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet.
A evolução tecnológica e a ampliação da atividade dos provedores de acesso à Internet, com o seu crescimento, provocam debates na doutrina e na jurisprudência acerca da tributação do serviço prestado pelos provedores de acesso. Nesse sentido, indaga-se se esse serviço tem a natureza de um serviço de comunicação (ou telecomunicação), de forma a incidir o ICMS, ou se trata de um serviço de natureza diversa, que sofrerá a aplicação do ISS caso esteja previsto na Lista de Serviços tributáveis pelo aludido imposto municipal.
II. DOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS APLICÁVEIS AOS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E TELECOMUNICAÇÃO.
O artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, dispõe que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.”
Por outro lado, estabelece o artigo 2º da Lei Complementar n. 87/96, em seu inciso III, que o ICMS incide sobre “prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”.
Da leitura dos dispositivos legais acima transcritos, verifica-se que cabe aos Estados e ao Distrito Federal tributar a prestação onerosa de serviços de comunicação. Dessa forma, o serviço que não for prestado de forma onerosa, e que não for considerado pela legislação pertinente como serviço de comunicação, não pode sofrer a incidência de ICMS, em respeito ao princípio da estrita legalidade tributária.
A esse respeito, preleciona Ives Gandra da Silva Martins que o serviço de comunicação que pode ser tributado é “apenas a comunicação que se faz por veículo, posto à disposição com intuito econômico. Na linguagem dos fundadores do direito econômico, o espírito da economicidade é que justifica a incidência. (…) Em outras palavras, não basta a “comunicação”. É necessário haver prestação de “serviço” para que a comunicação se faça e esse serviço é que pode, conforme a hipótese, deflagrar a incidência do tributo.”(1)
Na mesma linha de raciocínio, Roque Antonio Carrazza, em parecer acostado aos autos dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 456.650/PR, da relatoria do Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, pontifica que o ICMS “não alcança a comunicação, mas a prestação (onerosa) de serviços de comunicação. Deveras, a comunicação só ganha relevância jurídica, para fins de ICMS, quando decorre de um contrato de prestação de serviços. A simples existência de comunicação não é suficiente para que o ICMS nasça. Tanto é assim que um advogado, contratado para prestar seus serviços típicos (v.g., para fazer uma sustentação oral perante um Tribunal Superior), por sem dúvida comunica-se, mas não será tributado por meio de ICMS.” Assim, assenta que “a comunicação somente determinará a incidência do ICMS se for o objeto (o fim) do negócio jurídico firmado pelas partes, e não um mero meio de alcançá-lo”.
Segundo informações da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, “a Internet é um conjunto de redes e computadores que se interligam em nível mundial, por meio de redes e serviços de telecomunicações, utilizando no seu processo de comunicação protocolos padronizados. Os usuários têm acesso ao ambiente Internet por meio de Provedores de Acesso a Serviços Internet. O acesso aos provedores pode se dar utilizando serviços de telecomunicações dedicados a esse fim ou fazendo uso de outros serviços de telecomunicações, como o Serviço Telefônico Fixo Comutado.”(2)
Conforme consta do Resultado da Consulta Pública n. 372, de 21 de março de 2002, realizada pela ANATEL, “no Brasil vários serviços de telecomunicações podem dar suporte a Provimento de Acesso a Serviço Internet, mas por condições da prestação e disponibilidade, 93% das conexões a Provedores de Acesso a Serviço Internet são feitas por meio do Serviço Telefônico Fixo Comutado – SFTC, e apenas 7% utilizam como suporte outros serviços de telecomunicações, tais como, TV a cabo e MMDS.”(3)
Compete à União, nos termos do artigo 21, inciso XI, da Carta Maior, “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações”.
A Norma n. 004/95, aprovada pela Portaria do Ministério das Comunicações n. 148/95, com o objetivo de regular o uso de meios da Rede Pública de Telecomunicações para o provimento e utilização de Serviços de Conexão à Internet, definiu o Serviço de Conexão à Internet – SCI como o “serviço de valor adicionado que possibilita o acesso à Internet a usuários e provedores de serviços de informações”, e o Provedor de Serviço de Conexão à Internet – PSCI como “a entidade que presta o serviço de conexão à Internet”. A aludida Norma já dispunha que o serviço de valor adicionado é o “serviço que acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de telecomunicações, meios ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e recuperação de informações”.
Nessa mesma direção, a Proposta de Regulamento para o Uso de Serviços e Redes de Telecomunicações no Acesso a Serviços Internet (para substituir a sobredita Norma n. 004/95 do Ministério das Comunicações), objeto da Consulta Pública n. 417, da ANATEL, define, em seu artigo 4º, como Provedor de Acesso a Serviços Internet – PASI, “o conjunto de atividades que permite, dentre outras utilidades, a autenticação ou reconhecimento de um usuário para acesso a Serviços Internet”. Em seu artigo 6º estabelece, ainda, que “o Provimento de Acesso a Serviços Internet não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor e seus clientes como usuários dos serviços de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a esta condição”.
A respeito do serviço de valor adicionado, a Lei Federal n. 9.472/97, denominada Lei Geral de Telecomunicações – LGT, no § 1º de seu artigo 61, dispõe que “não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição”. O caput do mencionado artigo define o referido serviço como “a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.”
O artigo 3º, inciso III, do Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicações da ANATEL (Resolução n. 73, de 25.11.98) também estabelece que não constituem serviços de telecomunicações os serviços de valor adicionado, nos termos do artigo 61 da Lei n. 9.472 de 1997.
III. DA NATUREZA DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELOS PROVEDORES DE ACESSO À INTERNET – ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO.
Na lição de José Eduardo Soares de Melo, “o acesso à internet implica a utilização conjugada de alguns equipamentos – computador, modem, linha telefônica, fibra ótica, TV a cabo, telefone celular ou um micro de mão (palmtop) – por meio de um programa (software – internet explorer, netscape etc.), instalado no computador de qualquer pessoa, procedendo ao roteamento da ligação por canais contratados pela Embratel, que se conecta a uma empresa estrangeira, além de oferecer diversas outras comodidades (disposição de aparelhos, equipamentos,senhas etc.). (…) Participam a operadora (entidade exploradora do STFC – Serviço Telefônico Fixo Comutado, ou SMC – Serviço Móvel Celular); o provedor (pessoa que provê o serviço através da rede pública de telecomunicações), mediante oferecimento de facilidade suplementar do STFC (recursos de códigos de acesso específico e o fornecimento do registro das chamadas destinadas aos provedores) e os usuários (tomadores dos serviços pertinentes à internet). O provedor transmite ao usuário a informação indispensável para a realização da comunicação do usuário com a internet, mediante os meios técnicos que dispõe.”(4)
Hugo de Brito Machado doutrina que “a expressão provedor de acesso pode designar o conjunto de equipamentos que viabiliza o acesso de alguém à Internet. No sentido de prestador de serviço, porém, o provedor é a pessoa, física ou jurídica, que utiliza esse conjunto de equipamentos para a prestação de serviço consistente em viabilizar o acesso à Internet.”(5)
Segundo definição de Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini, “o provedor de acesso, em linguagem simplificada, constitui o instrumental técnico para que o usuário possa acessar a navegação na Internet; é o meio hábil para possibilitar a entrada na rede internacional de comunicação.” (6)
Consoante o entendimento de Marco Aurelio Greco, “prestador do serviço de comunicação é aquele que fornece os respectivos meios para a comunicação, assim entendidos não apenas aqueles que tornam possível a instauração de uma relação comunicativa, tais como interfaces, dispositivos, equipamentos etc. Em outras palavras, presta serviço de comunicação quem fornece o “ambiente de comunicação.”(7) Sustenta o autor que “o provedor de acesso à Internet cria, tecnicamente, um ambiente especial que viabiliza um meio diferente pelo qual podem transitar mensagens, que não se confunde com o ambiente criado pela telefonia.” (8)
Marco Aurelio Greco assevera, ademais, que “a utilidade proporcionada pelo provimento de acesso é permitir a transmissão de mensagens, é permitir que as pessoas se comuniquem, viabilizando um sistema de comunicação cujas utilidades estão na flexibilidade das conexões, multiplicidade de caminhos, agilidade na obtenção de informações, facilidade de transmissão etc. Pode-se dizer que se a utilidade obtida pelo usuário em relação à operadora de telefonia é obter uma conexão com certo local, a utilidade obtida pelo provimento de acesso é a conexão com todo o mundo.”(9) Nesse eito, conclui que “o conceito de “comunicação”‘ utilizado pela CF-88 não é um conceito legal (que se extraia de uma determinada lei), mas sim um conceito de fato (que resulta da natureza do que é feito ou obtido).”(10)
Do mesmo sentir é a lição de Luciana Angeiras, para quem “o serviço de acesso prestado pelo provedor não se restringe apenas a agilizar, facilitar, maximizar a atividade comunicativa entre duas partes, mas efetivamente, promover a comunicação. O serviço de comunicação prestado pelo provedor ao seu cliente assemelha-se ao exemplo da transportadora, que continua prestando serviço de transporte ao seu cliente, ainda que não o faça pessoalmente durante todo o itinerário. É de se concluir, portanto, que se diversas pessoas compõem o iter comunicacional para transmitir a mensagem em alguma etapa definitiva do processo, tais pessoas prestam serviços de comunicação.”(11)
A doutrina majoritária, contudo, entende que os serviços prestados pelos provedores de acesso à Internet não constituem serviços de comunicação ou de telecomunicação, mas serviços de valor adicionado, de forma a afastar a incidência do ICMS.
Kiyoshi Harada, ao examinar a questão, salienta que “o provedor de acesso à internet libera espaço virtual para comunicação entre duas pessoas, porém, quem presta o serviço de comunicação é a concessionária de serviços de telecomunicações, já tributada pelo ICMS. O provedor é tomador de serviços prestados pelas concessionárias. Limita-se a executar serviço de valor adicionado, isto é, serviços de monitoramento do acesso do usuário à rede, colocando à sua disposição equipamentos e softwares com vistas à eficiente navegação.”(12)
Nessa esteira é o comentário de Francisco de Assis Alves:
“Os provedores viabilizam o acesso à internet aos usuários e a outros provedores de serviços de informações. Os provedores, portanto, utilizam a estrutura do serviço de telecomunicações existente para proporcionar o acesso, o armazenamento de informações e conectar o usuário à rede. Apenas recebem as informações da rede e as retransmitem ao usuário conectado. (…) A comunicação que ocorre entre os usuários da internet decorre de um serviço de conexão prestado pelos provedores. E estes, agora sim, utilizam-se de um serviço de comunicação, prestado pelas companhias telefônicas, para efetivarem esta conexão. Assim sendo, o serviço fornecido pelos provedores nada mais é do que um acréscimo ao serviço de telecomunicações, consistindo num serviço de valor adicionado.”(13)
A esse respeito, preleciona Hugo de Brito Machado que “o certo é que os serviços prestados pelo provedor de acesso não são viáveis sem aqueles aos quais se agregam.”(14)
Na mesma seara, Roque Antonio Carrazza sustenta que “a atividade do “provedor de acesso” não tipifica, ela própria, nenhum serviço de comunicação, mas tão-somente disponibiliza, para os usuários, os meios que o tornarão possível. Ora, se não há, no caso, prestação de serviço de comunicação, não há, ipso facto, incidência possível de ICMS. Deveras, não envolvem prestações de serviços de comunicação as meras atividades-meio, necessárias para que se concretizem. Estas providências preliminares são inalcançáveis pelo ICMS. Em linguagem mais técnica, disponibilizar os meios e modos necessários à prestação dos serviços de comunicação não é o fato imponível do ICMS em estudo.”(15)
Já Ives Gandra Martins pondera que “se o serviço estiver vinculado ao setor de telecomunicação, mas não for considerado serviço de telecomunicação por quem tem competência de definição fiscal, à evidência, não será serviço de comunicação de forma alguma. Ou são serviços de telecomunicações, por estarem vinculados a telecomunicações, ou não são meios de comunicação, por falta de pertinência com outras formas de comunicação.”(16)
Relevante, ainda, a observação de Sacha Calmon de que “o serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet é um Serviço de Valor Adicionado, não se enquadrando como serviço de comunicação, tampouco serviço de telecomunicação. Este serviço apenas oferece aos provedores de Acesso à Internet o suporte necessário para que o Serviço de Valor Adicionado seja prestado, ou seja, o primeiro é um dos componentes no processo de produção do último.”(17)
José Eduardo Soares de Melo ensina que “o provedor cria novas utilidades relacionadas ao acesso cibernético, consistentes no armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações, possibilitando os meios de perfazimento da comunicação. Entretanto, não se vislumbram típicos serviços de comunicação, mas atividades que permitem que os usuários se comuniquem com o mundo virtual. Os provedores nada comunicam porque não detêm os conhecimentos constantes da realidade virtual, mas apenas criam condições para que ocorra a ligação entre dois pontos. Tornar possível a “relação comunicativa” (serviço de monitoramento do acesso do usuário à rede) não tem a mesma natureza de participar de modo interativo desta mesma relação.”(18)
Oportunas e precisas as considerações tecidas por José Maria de Oliveira, citado por Hugo de Brito Machado:
“Entende-se que o provimento de acesso à Internet deve ser assim considerado como uma prestação de serviço que utiliza necessariamente uma base de comunicação preexistente e que viabiliza o acesso aos serviços prestados na rede mundial, por meio de sistemas específicos de tratamento de informações.
O provimento de acesso não pode ser enquadrado, assim, como um serviço de comunicação, pois não atende aos requisitos mínimos que, técnica e legalmente, são exigidos para tanto, ou seja, o serviço de conexão à Internet não pode executar as atividades necessárias e suficientes para resultarem na emissão, na transmissão, ou na recepção de sinais de telecomunicação. Nos moldes regulamentares, é um serviço de valor adicionado, pois aproveita uma rede de comunicação em funcionamento e agrega mecanismos adequados ao trato do armazenamento, movimentação e recuperação de informações.
Ao se afirmar que o provimento de acesso não é condição necessária e suficiente à realização do fenômeno comunicacional, quer-se informar que os mecanismos tecnológicos do provimento de acesso não viabilizam, por si sós, a comunicação (suficiência), bem como não são indispensáveis para que a comunicação se efetive (necessidade).”(19)
A questão foi debatida por juristas renomados no XXVI Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em São Paulo no ano de 2001 pelo Centro de Extensão Universitária – CEU. Concluiu-se, em plenário e em Comissões, por maioria, que os serviços prestados pelos provedores de acesso não sofrem a incidência do ICMS. Nesse sentido, vide trecho da conclusão das Comissões 2 e 3 do aludido Simpósio, citado por Ives Gandra da Silva Martins, Coordenador-Geral do evento:
“A expressão ‘serviço de comunicação’, no art. 155, inciso II, da Constituição Federal, significa a atividade remunerada de colocar à disposição de terceiro, meios ou instrumentos para que ocorra a comunicação, como tal entendida a ação bilateral, ou multilateral, em que informações ou dados são enviados de um sujeito a outro, ou a outros, e daquele ou daqueles a este, em verdadeira interação.
Não pode ser aplicada ao provedor de acesso a Internet, porque este não disponibiliza meios e condições necessários e suficientes a que se realize a comunicação. Para que se realize a comunicação fazem-se indispensáveis outros meios, aos quais o provedor simplesmente acrescenta instrumentos que tornam mais fácil, ou mais rápida, a comunicação.”(20)
VI. DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL ACERCA DO TEMA ENTRE AS TURMAS DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
No Superior Tribunal de Justiça, o primeiro aresto a examinar o tema foi proferido pela Primeira Turma, que, no julgamento do Recurso Especial 323.358/PR, em 21.06.2001, concluiu pela incidência do ICMS sobre o serviço prestado pelo provedor pela via da Internet. O mencionado acórdão foi ementado nos seguintes termos:
“TRIBUTÁRIO. PROVEDOR DA INTERNET. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, ESPÉCIE DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO. RELAÇÃO DE NATUREZA NEGOCIAL COM O USUÁRIO. FATO GERADOR DE ICMS DETERMINADO. INCIDÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR Nº 87/1996. LEI Nº 9.472/1997.
1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que entendeu que “o provedor de acesso à internet não presta serviço de comunicação ou de telecomunicação, não incidindo sobre a atividade por ele desempenhada o ICMS”.
2. O Provedor da Internet é um agente interveniente prestador de serviços de comunicação, definindo-o como sendo “aquele que presta, ao usuário, um serviço de natureza vária, seja franqueando o endereço na INTERNET, seja armazenando e disponibilizando o site para a rede, seja prestando e coletando informações etc. É designado, tecnicamente, de Provedor de Serviços de Conexão à INTERNET (PSC), sendo a entidade que presta o serviço de conexão à INTERNET (SCI)”. (Newton de Lucca, em artigo “Títulos e Contratos Eletrônicos”, na obra coletiva Direito e INTERNET”, pág. 60)
3. O provedor vinculado à INTERNET tem por finalidade essencial efetuar um serviço que envolve processo de comunicação exigido pelo cliente, por deter meios e técnicas que permitem o alcance dessa situação fática.
4. O serviço prestado pelos provedores está enquadrado como sendo de comunicação, espécie dos serviços de telecomunicações.
5. A Lei Complementar nº 87, de 13/09/1996, estabelece, em seu art. 2º, que incide o ICMS sobre “prestações onerosas de Serviços de Comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”, círculo que abrange os serviços prestados por provedores ligados à INTERNET, quando os comercializam.
6. Qualquer serviço oneroso de comunicação está sujeito ao pagamento do ICMS.
7. A relação entre o prestador de serviço (provedor) e o usuário é de natureza negocial visando a possibilitar a comunicação desejada. É suficiente para constituir fato gerador de ICMS.
8. O serviço prestado pelo provedor pela via da Internet não é serviço de valor adicionado, conforme o define o art. 61, da Lei nº 9.472, de 16/07/1997.
9. Recurso provido” (Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 03.09.2001).
A Segunda Turma daquela Corte Superior de Justiça, posteriormente, ao julgar o Recurso Especial 456.650/PR, em 24.06.2003, esposou entendimento diverso. A ementa do mencionado julgado, da relatoria da Ministra Eliana Calmon, restou assim redigida:
‘TRIBUTÁRIO – ICMS – SERVIÇO PRESTADO PELOS PROVEDORES DE INTERNET – LEI 9.472/97.
1 . Os serviços prestados pelos provedores de acesso à INTERNET, embora considerados pelo CONFAZ como serviços de telecomunicações, pela definição dada no art. 60 da Lei 9.472/97, que dispôs sobre a organização dos serviços de telecomunicações, não podem ser assim classificados.
2. O serviço desenvolvido pelos provedores da INTERNET é serviço de valor adicionado (art. 61, Lei 9472/97), o qual exclui expressamente da classificação de serviços de telecomunicações (§ 1º, art. 61).
3. Se o ICMS só incide sobre serviços de telecomunicações, nos termos do art. 2º da LC 87/96, não sendo os serviços prestados pela INTERNET serviço de telecomunicações, e sim, SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO (art. 61, § 1º da Lei 9.472/97), não há incidência da exação questionada.
4. Recurso especial improvido” (Segunda Turma, REsp 456.650/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 08.09.2003).
Diante da divergência jurisprudencial entre as duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, o Estado do Paraná opôs embargos de divergência contra o aludido acórdão proferido pela Segunda Turma (EREsp 456.650/PR), tendo sido sorteado relator o Ministro José Delgado, que deu provimento aos Embargos de Divergência, no que foi seguido pelos Ministros Teori Albino Zavascki e Luiz Fux. Este Magistrado proferiu voto-vista no sentido de rejeitar os embargos, tendo sido acompanhado pelos Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira e Peçanha Martins. Na assentada de 25 de agosto de 2004, a Ministra Denise Arruda pediu vista dos autos, aguardando o Ministro Francisco Falcão. O julgamento do mencionado recurso de Embargos de Divergência está previsto para ser retomado na sessão de 22 de setembro de 2004, ocasião em que a Primeira Seção deverá definir qual tese prevalecerá no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
5. CONCLUSÃO
Diante do exposto, verifica-se que o serviço prestado pelo provedor de acesso à Internet não se caracteriza como serviço de comunicação prestado onerosamente (art. 2º, III, da LC n. 87/96), de forma a incidir o ICMS, porque não fornece as condições e meios para que a comunicação ocorra, sendo um simples usuário dos serviços prestados pelas empresas de telecomunicações.
Não cuida, tampouco, de serviço de telecomunicação, porque não necessita de autorização, permissão ou concessão da União, conforme determina o artigo 21, inciso XI, da Constituição Federal.
Trata-se de mero serviço de valor adicionado, porquanto o prestador se utiliza da rede de telecomunicações que lhe dá suporte para viabilizar o acesso do usuário final à Internet, por meio de uma linha telefônica.
Com efeito, os provedores de acesso à Internet atuam como intermediários entre o usuário final e a Internet. Utilizam-se, nesse sentido, de uma infra-estrutura de telecomunicações preexistente, acrescentando ao usuário novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações (artigo 61 da Lei Geral de Telecomunicações).
Nessa esteira, o Ministro Peçanha Martins, quando do julgamento do Recurso Especial 456.650/PR, pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, sustentou que a provedoria via Internet é serviço de valor adicionado, pois “acrescenta informações através das telecomunicações. A chamada comunicação eletrônica, entre computadores, somente ocorre através das chamadas linhas telefônicas de qualquer natureza, ou seja, a cabo ou via satélite. Sem a via telefônica impossível obter acesso à Internet. Cuida-se, pois, de um serviço adicionado às telecomunicações, como definiu o legislador. O provedor é usuário do serviço de telecomunicações. Assim o diz a lei.”
Conclui-se, portanto, que, não podem os Estados ou o Distrito Federal alterar a definição, o conteúdo e o alcance do conceito de prestação de serviços de conexão à Internet, para, mediante Convênios Estaduais, tributá-la por meio do ICMS.
Como é sabido e consabido, o Código Tributário Nacional possui o status de lei complementar. Daí deflui que à lei tributária não é dado transmudar conceitos, como por exemplo o de comunicação, para criar novo tributo. Tal proceder fere em cheio o artigo 110 do CTN, que, a evidência, só poderia ser alterado por norma da mesma categoria.
Dessarte, uma vez que a prestação de serviços de conexão à Internet não cuida de prestação onerosa de serviços de comunicação ou de serviços de telecomunicação, mas de serviços de valor adicionado, em face dos princípios da legalidade e da tipicidade fechada, inerentes ao ramo do Direito Tributário, deve ser afastada a aplicação do ICMS pela inexistência na espécie do fato imponível.
Como bem pondera Hugo de Brito Machado, “há quem afirme que a finalidade essencial do Direito Tributário é assegurar ao Estado as receitas de que necessita para realização de seus objetivos. Pensamos, porém, que a finalidade essencial do Direito Tributário, e em especial dos princípios jurídicos fundamentais da tributação, é limitar o poder de tributar que é inerente à soberania estatal.”(21)
Remata o autor:
“Os argumentos colocados na defesa de teses fazendárias, sejam eles fundados no sempre invocado interesse público, ou na solidariedade, da qual o tributo seria instrumento, são de validade apenas aparente. No fundo são ingênuos ou demagógicos. O interesse público mais respeitável reside exatamente no cumprimento da lei, no respeito pela ordem jurídica estabelecida. Já a solidariedade, que realmente deve ser por todos praticada, não se presta como fundamento para a cobrança de tributo. Tanto porque o pagamento do tributo é um dever jurídico, e não um gosto de benemerência, como porque o Estado tem se revelado um péssimo instrumento da solidariedade humana.”(22)
Em suma, o Direito Tributário ao fugir do princípio da tipicidade fechada pode-se constituir em instrumento de opressão, que não atende senão à volúpia insaciável arrecadadora dos entes tributantes.
DOMINGOS FRANCIULLI NETTO
Ministro do Superior Tribunal de Justiça
Notas de rodapé:
1 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Tributação na Internet. Coordenador Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 44, et seq.
2 Acesso a Serviços Internet, Resultado da Consulta Pública n. 372 – ANATEL.
3 Cf. “www.anatel.gov.br”.
4 MELO, José Eduardo Soares de. Tributação na Internet. Coordenador Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 238
5 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 88
6 SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. Op. cit., p. 128
7 GRECO, Marco Aurélio. Internet e Direito. São Paulo: Dialética, 2000, p. 124
8 GRECO, Marco Aurélio. Direito e Internet: relações jurídicas na sociedade informatizada. Coordenadores: Marco Aurélio Greco e Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001, p. 182
9 GRECO, Marco Aurélio. Internet e Direito. São Paulo: Dialética, 2000, p. 133, et seq
10 GRECO, Marco Aurélio. Ob. cit., p. 136, et seq.
11 ANGEIRAS, Luciana. Internet: o Direito na Era Virtual. Organização de Luís Eduardo Schoueri. São Paulo: Lacaz Martins, Halembeck, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados, 2000, p. 243.
12. HARADA, Kiyoshi. Tributação na Internet. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 223
13. ALVES, Francisco de Assis. Op. cit., p. 173
14. MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 91
15. cf. parecer acostado aos autos do EREsp 456.650/PR, Relator Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça.
16. MARTINS, Ives Gandra. Op. cit., p. 48
17. CALMON, Sacha. Op. cit., p. 104
18. MELO, José Eduardo Soares de. Op. cit., p. 241
19. MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 89
20. Competência Impositiva sobre os Serviços Prestados pelos Provedores de Acesso à Internet, Revista Dialética de Direito Tributário, n. 75, dezembro de 2001, p. 72, et seq.
21. MACHADO, Hugo de Brito. Tributação na Internet. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 89
22. MACHADO, Hugo de Brito. Op. Cit, p. 89