Justiça nega liminar e mantém limite para compensação fiscal
Por Marcela Villar — De São Paulo
A Justiça negou liminar a uma empresa que tentava não se submeter ao limite de compensações fiscais imposto pela Medida Provisória (MP) nº 1.202/2023. Para o juiz Luís Gustavo Bregalda Neves, da 2ª Vara Cível Federal de São Paulo, a multinacional do setor de reciclagem deve respeitar a norma, mesmo já tendo utilizado parte do crédito a que teria direito.
De acordo com a decisão, a empresa alega ter crédito de R$ 51,9 milhões, em valores atualizados, decorrentes da “tese do século”, julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Deste total, ainda teria um saldo de R$ 32,6 milhões a utilizar – valor que está em discussão na esfera administrativa porque o total foi negado pela Receita Federal.
A multinacional tem feito homologações mensais, mas entrou com o processo para poder compensar o saldo remanescente com impostos federais que precisa pagar por ter feito uma operação societária no exterior, já aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no início deste ano. O aumento do capital social a obriga a desembolsar R$ 42 milhões em tributos.
Sem o limite, ela poderia usar o estoque e só ter de tirar do caixa R$ 10 milhões. Com a nova regra do Ministério da Fazenda, no entanto, ela teria de distribuir as compensações ao longo de 12 meses, o que implica teto de R$ 2,7 milhões mensais a serem compensados. Segundo a empresa, isso acarretaria um “rombo da previsão orçamentária para concretização do contrato celebrado na ordem estimada de R$ 29,3 milhões”.
Além disso, afirma que a limitação implica “efeitos avassaladores” ao negócio por ter de enviar a documentação que comprova o pagamento dos tributos em até cinco dias úteis, sob pena de elevada multa, como disposto em contrato.
O juiz federal, porém, rejeitou a argumentação da empresa. Para ele, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que a lei aplicável à compensação é a vigente na data do encontro de contas – ou seja, é preciso considerar a MP nº 1.202/2023.
“Dessa forma, sendo de aplicação imediata as normas de direito material que impuseram novas limitações à compensação de crédito oriundo de decisão judicial transitada em julgado, deve ser aplicada também em relação às compensações ainda não realizadas”, afirma o magistrado na decisão lavrada na noite de segunda-feira (processo nº 5000809-73.2024.4.03.6100).
Igor Mauler Santiago, sócio do escritório Mauler Advogados, discorda da sentença. Segundo ele, o juiz está correto ao afirmar que a lei a ser observada é a vigente “quando do ajuizamento da ação”, mas não dá a consequência necessária, que seria o deferimento da liminar.
Pelo contrário, acrescenta, renega a proteção à empresa com base no entendimento de que “cabe ao Judiciário ‘respeitar as escolhas discricionárias’ do legislador, como se não lhe coubesse também exercer o controle de constitucionalidade, sobretudo à vista de argumentos relevantes como os invocados pela empresa”.
O tributarista Eduardo Suessmann, sócio do escritório Suessmann Advogados, destaca que a empresa não pode ser submetida a uma lei que foi introduzida agora no ordenamento jurídico, quando já tinha uma decisão anterior favorável. “Se ela [a empresa] entrasse com o processo hoje, estaria entrando sabendo das condições do jogo. Mas, na época do processo, isso era desconhecido”, afirma.
Suessmann defende que a MP não pode ser aplicada para os processos antigos, apenas para os créditos constituídos após a sua publicação. A norma limitou a quantia a ser compensada pelas empresas que têm crédito fiscal a partir de R$ 10 milhões. Ela foi regulamentada pela Portaria 14/2024, que estabeleceu seis faixas para o uso do estoque, a ser utilizado entre 12 e 60 meses.
A mudança afeta 495 empresas, como mostrou o Valor. A validade dessa alteração legislativa está sendo questionada no Supremo, por meio da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 7587, ajuizada pelo Partido Novo.
Os advogados do caso foram procurados pelo Valor, mas não quiseram se manifestar. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não enviou resposta até o fechamento da matéria.