Justiça livra farmacêuticas de IR sobre vendas à União

Por Bárbara Pombo — De Brasília Empresas situadas no exterior passaram a sofrer retenção do Imposto de Renda (IR) sobre recebimentos relativos a contratos com o governo federal. O foco dessa cobrança está, por ora, sobre indústrias que fornecem medicamentos – inclusive os de alto custo – e outros produtos ao Ministério da Saúde. Mas advogados temem que possa se espraiar para remessas de pagamento de qualquer importação de bens ou serviços contratados pela administração pública. Já há questionamentos judiciais. Mandados de segurança foram impetrados por empresas na Justiça Federal em Brasília. Pelo menos quatro liminares foram concedidas. Em um caso, porém, foi negada com o argumento de que não haveria urgência na concessão da medida (processo nº 1081560-58.2023.4.01.3400). Cabe recurso em todas as ações. A retenção do IR – com alíquota de 15% ou 25% – passou a ser feita, segundo advogados, de um dia para o outro e afeta contratos em andamento. A alíquota mais alta, de 25%, é aplicada para empresas situadas em paraíso fiscal. “As empresas estão preocupadas porque, para elas, isso é impraticável. Na análise da venda das mercadorias não consideraram esse custo de 15% do IR”, afirma Maria Rita Ferragut, sócia da área tributária do escritório Trench Rossi Watanabe. Marcelo Roitman, sócio do PLKC Advogados, diz que um cliente vende medicamentos para o Sistema Único de Saúde (SUS) há 13 anos e nunca havia sofrido a retenção. “Não existe base legal para a cobrança”, afirma. “No fim, o governo acaba se concedendo um desconto de 15% no preço.” A retenção ocorre no momento do pagamento ao fornecedor. Tem sido feita com base na Instrução Normativa nº 1.234, de 2012, da Receita Federal. O artigo 35, parágrafo 1º, estabelece que sobre o pagamento à pessoa jurídica domiciliada no exterior incidirá o IR na fonte a ser retido pelo órgão pagador. Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), diz que as importações envolvem especialmente medicamentos de alto custo, para tratamento de doenças raras e Aids. “Pedimos ao Ministério da Saúde que formule uma consulta urgente à Receita Federal para rever essa questão.” A entidade, que reúne subsidiárias brasileiras das estrangeiras que estão sofrendo a retenção, entende que a cobrança fere o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), que exige tratamento tributário igualitário entre produtos nacionais e importados. Não existe base legal para a cobrança. No fim, o governo acaba se concedendo um desconto de 15% no preço” — Marcelo Roitman Mussolini afirma que as empresas podem renunciar aos contratos por onerosidade ou pedir revisão dos preços diante do encargo. “Pode haver encarecimento de medicamentos importados”, diz. No Ministério da Saúde, a retenção passou a ser feita com o aval de um parecer da consultoria jurídica da pasta, assinado em junho. Existia uma dúvida do Departamento de Logística em Saúde sobre a necessidade de recolhimento do imposto. O questionamento surgiu em contrato firmado com uma empresa da Irlanda para aquisição do Sofosbuvir, usado para hepatite C crônica. A conclusão dos advogados da União, no parecer, é que a retenção é devida. Sobre a possibilidade de cobrança retroativa não há resposta, apenas uma orientação para que a Receita Federal seja consultada sobre o que fazer nos casos em que o imposto não foi recolhido em remessas passadas. Outra conclusão do parecer é que seriam desnecessárias mudanças nos editais de licitação ou nos contratos. Isso porque já haveria menção de que o valor total da contratação inclui “todas as despesas diretas e indiretas”, com tributos e encargos. Ao fim, há uma indicação para que o assunto seja levado à Coordenação de Assuntos Tributários da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para que a atuação de todos os órgãos da administração pública federal sobre a retenção seja uniformizada. “Pode acabar impactando outros setores e qualquer aquisição, não só de medicamentos”, afirma Jorge Facure, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados. Em nota ao Valor, a PGFN afirma que o assunto está sob análise. O Ministério da Saúde informa, também por meio de nota, que a orientação atual, pendente de confirmação pela esfera jurídica do governo, é pela retenção do IRRF. E acrescenta: “Reforça-se que esta pasta recolhe IRRF e ISS Importação para o Distrito Federal, além de Cide Importação, no caso de serviços internacionais, mas não o fazia quando da aquisição dos insumos estratégicos para saúde”. Enquanto isso, o Judiciário começa a julgar as primeiras ações judiciais questionando a cobrança sobre importação de medicamentos e outros produtos. No fim de agosto, a 6ª Vara Federal Cível do Distrito Federal suspendeu liminarmente a retenção em um contrato de R$ 97,4 milhões para fornecimento de um remédio indicado para o tratamento de fibrose cística (processo nº 1080932-69.2023.4.01.3400). A suspensão da cobrança também foi autorizada pela 1ª Vara Federal Cível do Distrito Federal em três decisões (processos nº 1076132-95.2023.4.01.3400, nº 1080817-48.2023.4.01.3400 e nº 1076567-69.2023.4.01.3400). “O entendimento configura uma inovação na interpretação dada à questão pelo Ministério da Saúde”, afirma o juiz federal substituto Marcelo Gentil Monteiro, que analisou os casos. O magistrado acolheu a tese das empresas de que não existiria base legal para a exigência. “A retenção realizada representa violação ao princípio da legalidade tributária.” O argumento é o de que a instrução normativa que tem sido usada como amparo para a cobrança é fundamentada em lei que não trata de empresas domiciliadas no exterior, apenas das brasileiras. Trata-se da Lei nº 9.430, de 1996, que no artigo 64 prevê que o IR, a CSLL, o PIS e a Cofins devem ser retidos na fonte sobre os pagamentos feitos pela administração pública federal a fornecedores de bens e serviços. “Regula, portanto, a retenção na fonte dos citados tributos, que são devidos por pessoas jurídicas brasileiras, não sendo norma apta a incidir sobre tributos eventualmente devidos por pessoas jurídicas estrangeiras”, entendeu o juiz Marcelo Gentil Monteiro. A tributarista Maria Rita Ferragut explica que, para as empresas nacionais, a retenção é considerada um adiantamento que pode ser abatido posteriormente do Imposto de Renda (IRPJ) a pagar. “A estrangeira não é contribuinte no Brasil, não recolhe IRPJ. Dessa forma, a retenção de 15% ou 25% deixa de ser adiantamento e passa a ser custo”, afirma. Jorge Facure acrescenta que, pelas regras gerais de retenção do IR, apenas rendimentos, ganhos de capital, proventos e royalties enviados ao exterior poderiam ser taxados. “Aquisição de mercadorias não está entre as hipóteses. O Ministério da Saúde, de forma equivocada, usa o código de royalties para fazer a retenção”, diz. Para Diogenys de Freitas Barboza, do Ferraz de Camargo Advogados, que obteve liminar a um cliente, o novo posicionamento do Ministério da Saúde acabou por desestabilizar economicamente o contrato de fornecimento. “ O que não se poderia permitir, ainda mais com base em fundamentação indevida.” Em relação às liminares, a Fazenda Nacional afirma que, nos processos, a Procuradoria-Geral da União (PGU) consta como representante da União. “Vamos aguardar eventual indicação da PGFN como representante da União e a respectiva intimação para nos manifestarmos”, diz.

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 11/09/2023 00:00:00

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