Justiça garante desempate a favor de contribuinte no Carf
Por Joice Bacelo — Do Rio
A Justiça Federal do Distrito Federal atendeu pedido de um contribuinte para obrigar o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a aplicar o novo critério de desempate no julgamento de questões processuais. Os conselheiros, desde 2020, seguem orientação do Ministério da Economia que limita o novo critério para apenas algumas modalidades.
Trata-se da Portaria nº 260, assinada pelo ministro Paulo Guedes cerca de dois meses após a publicação da Lei nº 10.522, de abril de 2020, que colocou fim ao chamado voto de qualidade.
No Carf, metade dos conselheiros que integram as turmas julgadoras são auditores fiscais e a outra metade representantes de contribuintes (advogados indicados por entidades). Pelo critério do voto de qualidade, o desempate caberia ao presidente da turma, que é sempre ocupada por um profissional do Fisco.
Já a partir da Lei nº 10.522, o entendimento é de que se houver empate, o contribuinte será favorecido. Só que pela Portaria nº 260, do Ministério da Economia, essa regra vale somente para processos decorrentes de autos de infração.
Significa que discussões relacionadas à compensação (pagamento de tributo com crédito fiscal) e pedidos de restituição e ressarcimento de valores pagos a mais pelos contribuintes ficam de fora. Ou seja, nesses casos, se o julgamento terminar empatado, vale o voto de qualidade.
O mesmo ocorre nos julgamentos de embargos (recurso usado pelo contribuinte para esclarecer omissões ou pontos obscuros da decisão) e nos de natureza processual. São casos em que os julgadores avaliam se o recurso apresentado pelo contribuinte está de acordo com o regimento para, a partir de então, ser votado o mérito.
É sobre esse ponto que trata a decisão da Justiça do Distrito Federal. O caso envolve a empresa francesa CGGVeritas Services S.A, especializada em geociência, que atende o setor de óleo e gás, e trava uma batalha contra o Fisco sobre pagamento de Imposto de Renda (IRRF).
A companhia tenta que o seu caso seja julgado pela Câmara Superior, a última instância do Carf. Ela perdeu a discussão na câmara baixa e apresentou recurso para a superior. Metade dos conselheiros votou para admitir o recurso e julgar o mérito – se a cobrança é ou não devida – e a outra metade foi contra.
Como tratava-se de questão processual, prevaleceu a regra do voto de qualidade, tal qual estabelece a portaria do Ministério da Economia. A Câmara Superior não julgou o mérito e, com isso, ficou valendo a decisão da câmara baixa que concordou com a cobrança da Receita Federal.
A CGG recorreu, então, à Justiça. Alegou que o julgamento ocorreu depois da edição da lei que alterou a previsão do voto de qualidade e que o critério não é mais permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro. Sendo assim, deveria-se aplicar o novo critério, que favorece o contribuinte, e, no caso, permitiria o julgamento de mérito.
“A portaria do Ministério da Economia restringe a aplicação da norma de forma ilegal. Não é desejável recorrer ao Poder Judiciário para discutir questões procedimentais de julgamento no Carf, mas nesta hipótese o contribuinte não tem alternativa”, diz Mattheus Montenegro, do escritório Bichara Advogados, que representa a empresa no caso.
A empresa impetrou mandado de segurança pedindo a anulação do julgamento. Obteve liminar e, agora, a confirmação em sentença.
Essas decisões foram proferidas pelo juiz Frederico Botelho de Barros Vianna, da 21ª Vara Federal Cível do Distrito Federal. “Por imposição do princípio da legalidade não poderia ter sido aplicado o voto de qualidade ao julgamento”, afirma na sentença.
O magistrado destaca ainda que a alteração promovida pela Lei nº 10.522 está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) – por meio das ADIs 6.399, 6.403 e 6.415 – e já há maioria de votos pela validação (processo nº 1009858-86.2022.4.01.3400).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apresentou recurso contra a decisão ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, mas ainda não há uma decisão.
O Valor entrou em contato com o Carf e o Ministério da Economia, mas nenhum dos dois órgãos quis se manifestar. A PGFN também foi procurada e não deu retorno até o fechamento da edição.