Justiça garante benefícios fiscais do Perse à ClickBus
Por Marcela Villar — De São Paulo
A ClickBus, plataforma on-line de venda de passagens de ônibus, conseguiu liminar para manter os benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), revogados em dezembro do ano passado pela Medida Provisória (MP) nº 1.202/2023. A decisão é da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo.
A liminar garante à ClickBus continuar com as alíquotas zero do Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins até março de 2027, período inicial de duração do Perse. O programa foi criado pela Lei nº 14.148, de 2021, para compensar os setores de eventos e turismo pelo impacto financeiro causado pelas medidas de isolamento social decretadas em razão da pandemia da covid-19.
No pedido, a empresa, com registro no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), conforme exige a lei do Perse, alega que a MP viola a segurança jurídica, além de contrariar o que estabelece o artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN).
Pelo dispositivo, “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo”. Na interpretação do contribuinte, o artigo impede que a isenção seja revogada. O “prazo certo”, argumenta, seriam os 60 meses estipulados pelo programa e a condição seria a empresa ser do setor de turismo.
Na decisão, a juíza federal Regilena Emy Fukui Bolognesi acatou as alegações. Afirma que é preciso preservar a segurança jurídica e a “expectativa ao direito adquirido no prazo inicialmente estabelecido pela lei”.
“Referido benefício fiscal foi inicialmente concedido por prazo determinado de 60 meses, motivo pelo qual o contribuinte que preenche os requisitos legais possui justa expectativa de contar com tal desoneração fiscal, para fins de planejamento tributário entre outras implicações relativas ao exercício de sua atividade econômica, por todo o período citado”, diz.
Segundo o advogado Luís Eduardo Veiga, sócio-fundador do escritório Veiga Law, que representou a ClickBus na ação, existe uma “ansiedade” do governo para “alterar os atuais cenários sem respeitar o devido trâmite legislativo, a custo de inadequação técnica e formal”. “O governo, com o objetivo de arrecadar mais, não pode desrespeitar leis e garantias, não pode tratar os contribuintes como inimigos.”
Veiga moveu cerca de 20 mandados de segurança similares após a edição da MP nº 1.202/23, ainda pendentes de decisão. “O trabalho agora vai ser replicar a decisão dessa liminar nos outros casos”, diz ele, acrescentando que há jurisprudência contra a revogação de benefícios no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
Ainda existe o debate da relevância e urgência da matéria ter sido tratada por meio de MP, afirma o tributarista Carlos Gama, do Freitas, Silva e Panchaud (FSP) Advogados Associados. “As empresas fizeram um planejamento para não efetuar o pagamento dos impostos e foram surpreendidas”, diz. Ele cita que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Súmula nº 544, veda a revogação de incentivo. “A súmula é clara no sentido de que isenções tributárias não podem ser livremente suprimidas.”
A legalidade da MP está em discussão no STF (ADI 7587). A norma também prevê o fim da desoneração da folha de salários e limita as compensações fiscais. Há uma negociação entre o Ministério da Fazenda e o Congresso Nacional para retirar a medida e enviar dois projetos de lei separados – um sobre desoneração e outro do Perse e compensações.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci Júnior, que acompanha as conversas, tanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), frisam que o gasto com o Perse não pode passar de R$ 25 bilhões. Se mantido até 2027, a renúncia fiscal para o governo seria de R$ 100 bilhões. Até 2023, a renúncia já foi de R$ 17 bilhões.
“Sugerimos a possibilidade de limitar os benefícios aos prejuízos declarados entre 2020 e 2023. Se a empresa já compensou o que perdeu, não precisaria mais desses recursos”, afirma.
Na visão dele, não há justificativa para as empresas recorrerem agora à Justiça, pois os efeitos da MP para o Perse só valerão a partir de abril, já que é preciso respeitar a anterioridade nonagesimal (90 dias após alteração legislativa). “A empresa ganhou uma coisa que não está nem valendo ainda e nem sabe se vai valer porque pode ser modificado pelo Congresso.”
Gustavo Degelo, sócio do Briganti Advogados, discorda desse entendimento e recomenda entrar com o pedido de liminar preventivo. “Como houve aumento da carga tributária, é recomendável entrar com o mandado de segurança para a empresa continuar dentro do seu cronograma. Quanto maior a segurança jurídica para o empresário, melhor”, avalia.
Procurada, a ClickBus preferiu não se manifestar. O Ministério da Fazenda não deu retorno até o fechamento desta edição.
Por meio de nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) disse que o benefício fiscal do Perse representa uma política fiscal do governo federal, sujeita a alterações ou revogações por meio de lei, desde que respeitado o princípio da anterioridade para evitar surpresas. “De acordo com o artigo 178 do CTN, as isenções podem ser revogadas ou modificadas a qualquer momento, pois refletem decisões de política fiscal”, diz.
De acordo com a PGFN, a única exceção ocorre nos casos de isenções onerosas, quando o benefício é concedido por prazo determinado e mediante o cumprimento de condições específicas que servem como contrapartida para a renúncia de receita estatal, como a manutenção de um número específico de empregados, investimentos no negócio ou aumento nas atividades empresariais. “É crucial não confundir requisitos de adesão, como a exigência do Cadastur, com condições onerosas para usufruir do incentivo fiscal”, diz a nota.
“A União Federal acredita fortemente que se consagrará vencedora na presente ação”, conclui a PGFN.