Jogadores perdem no Carf disputa sobre direito de imagem

Por Arthur Rosa — De São Paulo

Jogadores e técnicos estão perdendo, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a disputa com a Receita Federal sobre a possibilidade de exploração de direitos de imagem por meio de pessoas jurídicas. Levantamento do escritório Vieira Rezende Advogados mostra que a maioria das recentes decisões é contrária aos profissionais, mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter julgado constitucional o artigo 129 da Lei do Bem (nº 11.196, de 2005), que autorizaria expressamente a prática.

Recentemente, porém, o Carf proferiu duas decisões relevantes para derrubar autuações fiscais lavradas contra ex-jogadores de futebol. Embora as cobranças fossem antigas, com argumentos anteriores às mudanças na legislação, os julgamentos, na 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção, são considerados por especialistas como importantes precedentes.

Os casos envolvem o argentino Darío Conca (acórdão nº 2202-011.462) e o brasileiro Adriano Imperador (acórdão nº 2202-011.453). Em ambos, mesmo não analisando a nova legislação a respeito – que inclui ainda a Lei Pelé (nº 9.615, de 1998) e a Lei Geral do Esporte (nº 14.597, de 2023) – os conselheiros destacam que não cabe mais o simples argumento da Receita Federal “de que os rendimentos auferidos a título de direito de imagem não seriam passíveis de exploração por meio de pessoa jurídica em nenhuma hipótese”. Nos casos, a vitória foi obtida por questão formal: a fiscalização não fundamentou corretamente as autuações.

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Em seu voto, o conselheiro Henrique Perlatto Moura, autor do voto vencedor no caso Conca, diz que a compreensão da Câmara Superior, última instância do Carf, é de que o direito de imagem é sim passível de exploração pela pessoa jurídica. E acrescenta: “As diferenças de posicionamento que percebo neste colegiado dizem respeito aos limites que tornariam legítima a exploração do direito de imagem do atleta à luz das obrigações avençadas e estrutura consolidada”.

Porém, segundo especialistas, o Conselho tem mantido uma interpretação mais restritiva do artigo 129 da Lei nº 11.196, de 2005, exigindo que o contribuinte comprove a efetiva substância econômica da pessoa jurídica – com contratos autônomos, estrutura real e contabilidade regular – para afastar a tributação na pessoa física, por meio do Imposto de Renda (IRPF). E, em alguns casos, inclusive, entendendo que o dispositivo abrange apenas serviços intelectuais, científicos, artísticos ou culturais, não alcançando atividades desportivas ou de comando técnico.

“O Conselho entende que a norma não confere uma autorização ampla e irrestrita para a ‘pejotização’, mas apenas legitima o uso de pessoas jurídicas quando houver substância econômica efetiva”, diz o advogado Caio Malpighi, do Vieira Rezende Advogados, que fez a análise dos julgados recentes do Carf, realizados neste ano. “Constatamos que a jurisprudência atual tem se firmado em uma leitura mais restritiva, que exige comprovação concreta de que a pessoa jurídica efetivamente exerce a exploração da imagem, e não atua apenas como intermediária formal do profissional.”

No levantamento, a banca destaca, além dos casos de Darío Conca e Adriano Imperador, seis processos julgados neste ano. À exceção do caso do treinador e ex-jogador de futebol Renato Portaluppi (Renato Gaúcho), os demais foram julgados de forma desfavorável. No caso de Renato Gaúcho, o recurso foi parcialmente provido.

O caso mais recente é o do ex-jogador de futebol Diguinho (Rodrigo de Oliveira Bittencourt). A fiscalização o autuou por omissão de rendimentos, entendendo que os pagamentos feitos pelo Fluminense e duas empresas correspondiam a remuneração pessoal decorrente de contratos de imagem vinculados à atividade esportiva, e não a receitas da pessoa jurídica. Alegou-se que a empresa funcionava apenas para redução da carga tributária.

Para que se tenha uma boa gestão, a constituição de uma pessoa jurídica é caminho natural e correto”
— Fábio Calcini
O recurso foi analisado pela 1ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção, em setembro. O voto vencedor, do relator, conselheiro José Luís Hentsch Benjamin Pinheiro, reconheceu a natureza personalíssima do direito de imagem e a impossibilidade de sua exploração pela empresa do atleta, da forma em que estava estruturada. Concluiu-se, então, pela simulação absoluta e manutenção da autuação na pessoa física.

No caso, o artigo 129 da Lei nº 11.196, de 2005, foi considerado inaplicável. “O Carf reafirmou que o dispositivo abrange apenas serviços intelectuais, científicos, artísticos ou culturais, não alcançando atividades esportivas, como a de atleta profissional”, afirma o advogado Caio Malpighi.

Para o advogado Caio Cesar Nader Quintella, ex-conselheiro da Câmara Superior do Carf e sócio de Nader Quintella Advogados, o que se que se aguarda do Carf agora é a apreciação aprofundada e completa da Lei Pelé em conjunto com as disposições da Lei do Bem, “principalmente considerando a imagem do atleta como um objeto cultural, comercialmente explorado em diversas frentes, extrapolando sua atividade esportiva”.

Rodrigo Massuh, do Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados, que defende o Adriano Imperador, destaca que houve evolução da legislação. A tese antiga, aplicada pela Receita Federal no caso do ex-jogador, de que é vedado e ponto, acrescenta, “já não se sustenta”. “O Carf reconhece a possibilidade de exploração de direito de imagem por meio de pessoa jurídica. Tudo depende agora de prova da efetiva substância econômica da pessoa jurídica.”

Para Fábio Calcini, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia, há um grande equívoco do Fisco ao entender que a cessão de direitos de imagem, sendo direito personalíssimo, não pode ser administrada por meio de uma pessoa jurídica. “É uma grave ilegalidade, pois, com maior ou menor importância, sabemos que no esporte, nas artes, a imagem ultrapassa a pessoa do seu detentor, servindo para inúmeros negócios empresariais. Por conseguinte, até mesmo para que se tenha uma boa gestão e profissionalismo, podendo explorar da melhor forma, a constituição de uma pessoa jurídica é caminho natural e correto.”

Em nota ao Valor, a Fazenda Nacional sustenta que a cessão do direito de imagem de atletas e técnicos deve observar as restrições e exigências da legislação vigente ao tempo do fato gerador. Foi somente com a inclusão do artigo 980-A no Código Civil, pela Lei nº 12.441, de 2011, acrescenta, “que o legislador passou a permitir a cessão do direito de imagem para fins de exploração comercial por pessoa jurídica (sublicenciamento), bem como a atribuição da remuneração decorrente dessa exploração à respectiva PJ. Atualmente, a matéria encontra-se disciplinada pela Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023)”.

“Cabe ressaltar que a autorização legal para exploração do direito de imagem por pessoa jurídica não afasta a possibilidade de a autoridade fiscal identificar indícios de fraude”, diz.

Por Valor

23/12/2025 00:00:00

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