Gilmar muda voto e admite que acórdão do STF derrube coisa julgada tributária
Por Danilo Vital
O Supremo Tribunal Federal retomou na sexta-feira (18/11) o julgamento que vai definir se a mudança jurisprudencial da corte em temas tributários gera a quebra automática do trânsito em julgado de casos anteriores decididos em sentido contrário.
O tema está em apreciação em dois recursos no Plenário virtual, em sessão até a próxima sexta-feira (25/11). Como mostrou a ConJur, o julgamento é muito aguardado devido aos amplos impactos na segurança jurídica e na forma de atuação do Fisco perante os contribuintes.
Um dos casos (RE 955.227), de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, discute o que acontece com a decisão tributária definitiva quando o STF, em um novo acórdão, se pronuncia em sentido contrário — ou seja, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade.
O outro (RE 949.297), de relatoria do ministro Luiz Edson Fachin, aborda o que acontece com a decisão tributária transitada em julgado quando, posteriormente, o STF declarar que tal tributo é, na verdade, constitucional — neste caso, quando há controle concentrado de constitucionalidade.
Até o momento, ambos os relatores concordam que a mudança jurisprudencial do STF gera a quebra automática do trânsito em julgado de casos anteriores decididos em sentido contrário. Não seria necessário, portanto, o ajuizamento de ação rescisória.
O julgamento dos dois recursos foi retomado com voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que a princípio se posicionou contra a quebra da coisa julgada tributária, mas mudou de posição no intuito de conferir segurança jurídica e sinalização de aplicação das teses propostas.
Ambos tratam da cobrança da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), tributo instituído pela Lei 7.689/1988 e cuja incidência foi inicialmente afastada por decisões judiciais sob o fundamento de que só poderia ser criado e por meio de lei complementar.
A partir de 1992, o STF passou a proferir decisões individuais declarando a constitucionalidade da CSLL. Mas foi apenas a partir de 2007, após a instauração da sistemática da repercussão geral, que o Supremo julgou o tema com eficácia erga omnes (para todos), na ADI 15, confirmando essa posição.
A União passou a entender que todos deveriam pagar a contribuição, inclusive aqueles que já tinham decisão transitada em julgado afastando a incidência do tributo. Já os contribuintes defenderam a prevalência da coisa julgada.
Modulação e divergência
Até o momento, também votaram pela quebra da coisa julgada os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber e Alexandre de Moraes. No novo voto-vista, o ministro Gilmar Mendes apresentou uma divergência parcial, baseada na proposta de modulação dos efeitos da tese a ser aprovada pelo STF.
Tanto o ministro Barroso quanto o ministro Fachin ressaltaram que, quando o Supremo declara a constitucionalidade de uma lei que cria um tributo, produz para o contribuinte uma norma jurídica nova.
E para isso, o ordenamento prevê algumas regras: a cobrança não pode retroagir para período em que o tributo não existia, e é preciso dar um tempo de transição, para que o contribuinte não seja pego de surpresa.
Assim, a proposta é que a tese só valha a partir da publicação da ata de julgamento e leve em conta o período de anterioridade nonagesimal, para os casos de contribuições sociais, e de anterioridade anual e noventena, para as demais espécies tributárias.
O ministro Gilmar Mendes divergiu especificamente nesse último ponto. Ele entendeu ser desnecessária a aplicação dos princípios da anterioridade anual e da noventena.
Teses
No RE 955.227, o ministro Luís Roberto Barroso propôs duas teses:
As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.
Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das sentenças transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.
No RE 949.297, a tese proposta pelo ministro Luiz Edson Fachin foi:
A eficácia temporal de coisa julgada material derivada de relação tributária de trato continuado possui condição resolutiva que se implementa com a publicação de ata de ulterior julgamento realizado em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quando os comandos decisionais sejam opostos, observadas as regras constitucionais da irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, de acordo com a espécie tributária em
E a coisa julgada?
Segundo o voto do ministro Barroso, a manutenção da coisa julgada em matéria tributária após o posicionamento do STF em sentido contrário cria ma situação desigual: algumas empresas não precisarão recolher a CSLL, ganhando vantagem competitiva e financeira em relação às demais, o que as permitirá baratear os custos de sua estrutura e produção.
“A coisa julgada não pode servir como salvo conduto inalterável a fim de ser oponível eternamente pelo jurisdicionado somente porque lhe é favorável”, afirmou.
“Alterado o contexto fático e jurídico, com o pronunciamento desta Corte em repercussão geral ou em controle concentrado, os efeitos das sentenças transitadas em julgado em relações de trato sucessivo devem a ele se adaptar”, disse.
No RE 949.297, a posição do ministro Fachin é análoga. Para ele, a coisa julgada tributária permanece válida enquanto continuarem inalteradas as situações de fato e de direitos que existiam no momento da prolação da sentença.
Se o STF, em decisão de controle concentrado de constitucionalidade, muda essa situação, a coisa julgada deixa de ser válida. Esse entendimento foi acompanhado, até o momento pela ministra Rosa Weber e pelo ministro Dias Toffoli.
Segurança jurídica
Leonardo Freitas de Moraes e Castro, do VBD Advogados, explica que o julgamento, tanto no controle difuso como no controle concentrado, é extremamente polêmico. Para ele, não se trata de defender a imutabilidade do entendimento jurídico — o que, além de utópico, vai contra a própria essência do Direito.
“Trata-se, portanto, de defender a estabilidade da mudança, isto é, como proteger situações já tratadas individualmente pelo Direito sem violá-las, mas ao mesmo tempo adequá-las à nova realidade que surgiu e, assim, adequá-la perante a coletividade”, comenta.
O que se busca, alerta o advogado, é é, no mínimo, evitar alterações abruptas, repentinas e sem a violação de outras garantias fundamentais. Para isso, entende que é importante manter a previsão de respeito a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena.
Já Maria Carolina Sampaio, sócia do GVM Advogados, sustenta que, apesar do caso julgado tratar de matéria tributária, na prática, o que o STF está chancelando é a quebra automática de uma decisão judicial definitiva.
“Qualquer pessoa, seja física ou jurídica, quando obtiver um provimento judicial amparado em determinado argumento, estará sujeita a um entendimento posterior divergente do STF. É uma situação de total insegurança jurídica, que tanto prejudica o ambiente negocial no país. O ideal seria que novos entendimentos do Supremo não se aplicassem a processos já encerrados”, opina.
RE 955.227
RE 949.297