Funrural: “Situação peculiar” adia definição do STF sobre contribuição previdenciária do agro
Por Beatriz Olivon — Brasília
Uma “situação peculiar”, segundo definição do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, levou a Corte a retirar de pauta uma questão relevante para o agronegócio. A peculiaridade está em saber como o ministro Marco Aurélio, já aposentado, teria votado sobre o principal ponto em análise.
“Todos os tribunais constitucionais do mundo deliberam reservadamente e aqui temos que fazer isso em público. É uma situação mais complicada”, afirmou Barroso sobre a retirada de pauta. O ministro lembrou ainda que impacto do julgamento para a União “é de uns R$ 20 bilhões, só para ter esse registro e não passar despercebido”.
Trata-se do resultado em ação proposta pela Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) sobre a possibilidade de o Fisco cobrar das empresas os valores que são devidos pelos agropecuaristas, pessoas físicas fornecedores de seus associados, a título de contribuição previdenciária.
A Corte definiu, por maioria de votos, que incide o tributo. A discussão agora é se os valores podem ser cobrados das empresas ou devem ser cobrados dos produtores rurais pessoa física, o que, na prática, pode tornar a cobrança quase inviável, por isso a relevância desse ponto.
Segundo advogados do setor, muitas empresas acabaram deixando de reter esses valores do produtor rural por força de liminar, ou mesmo por entender que o Funrural era inconstitucional e, com isso, sofreram várias autuações fiscais. Por isso, na ação a Abrafrigo pede a inconstitucionalidade da chamada sub-rogação, que é a retenção do tributo na venda feita por produtor rural a pessoa jurídica (ADI 4395).
O impacto é estimado em R$ 20,9 bilhões conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024.
Votação
O tema voltou ser julgado em maio de 2020. Os ministros se dividiram sobre o julgamento. O relator, ministro Gilmar Mendes, votou pela improcedência e foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Segundo Barroso, todos esses votos consideram que é constitucional a contribuição sobre a comercialização da produção e a sub-rogação.
Já os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello conheceram parcialmente da ação, afastando a tributação. O voto do ministro Marco Aurélio foi computado nesse mesmo sentido.
No Plenário Virtual, o ministro Dias Toffoli votou pela constitucionalidade da contribuição, mas pela inconstitucionalidade da sub-rogação. Na sessão de hoje Toffoli afirmou que não há voto a ser colhido porque para o ministro Marco Aurélio se a tributação era inconstitucional a sub-rogação também seria. “A proclamação aqui é muito simples”, afirmou.
Em 2022, o ministro Gilmar Mendes registrou que o resultado deveria ser proclamado de forma presencial (ADI 4395). Já as entidades de classe que entraram com a ação se manifestaram dizendo que o resultado já deveria ser proclamado e que havia maioria contra a sub-rogação.
Ministro aposentado
A Advocacia Geral da União (AGU) alegou que o voto do ministro Marco Aurélio, já aposentado, não tratou sobre a sub-rogação e, portanto, os contribuintes não ganharam. A União ainda cita que o próprio ministro Marco Aurélio já havia se manifestado pela constitucionalidade da sub-rogação em outro julgamento. Portanto, pelas contas da Fazenda, haveriam seis votos de ministros pela constitucionalidade da sub-rogação.
O tema voltou hoje ao Plenário para proclamação do resultado, mas os ministros não entraram em consenso sobre o que fazer.
O presidente, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou na sessão de hoje que há maioria pela constitucionalidade da contribuição, o que falta decidir é se a regra de sub-rogação é constitucional, mas como o ministro Marco Aurélio não se manifestou sobre esse ponto, seria necessário recolher o voto do ministro André Mendonça – que assumiu a cadeira do ministro Marco Aurélio depois da sua aposentadoria – sobre esse item.
Para Toffoli, contudo, não há voto a ser colhido, porque a sub-rogação seria inconstitucional pelo voto do ministro Marco Aurélio que considerou tudo inconstitucional.
“É uma situação muito peculiar, se prevalecer o entendimento que faltou manifestação do ministro Marco Aurélio o André Mendonça teria que votar só sobre essa questão, estaria vencido quanto à primeira. Mas quanto ao que o ministro Toffoli falou podemos tirar de pauta e conversar internamente para uma solução”, afirmou Barroso.
O procurador da Fazenda Nacional Paulo Mendes afirmou na tribuna que os ministros que votaram pela inconstitucionalidade não se manifestaram pela sub-rogação, então que seria necessário recolher o voto de todos quanto a esse ponto.
Para o ministro Alexandre de Moraes, se são duas questões, todos devem votar de novo, inclusive o substituto do ministro Celso de Mello (também aposentado) e não só do Marco Aurélio.
O julgamento foi suspenso na sequência.