Fazenda altera regras para julgamentos nas delegacias da Receita
Por Luiza Calegari — De São Paulo
O Ministério da Fazenda editou norma que amplia os julgamentos colegiados e as hipóteses em que a aplicação de súmulas é obrigatória pelas Delegacias Regionais de Julgamento (DRJs) da Receita Federal. Essas unidades analisam recursos dos contribuintes contra autuações fiscais e são a instância tributária administrativa anterior ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
As novas previsões estão na Portaria MF nº 1853, que altera a norma anterior, de nº 20, de fevereiro de 2023, e disciplina os julgamentos nas delegacias da Receita Federal. A norma foi publicada no Diário Oficial da União, no fim da semana passada, e já está em vigor.
Até então, os julgamentos colegiados eram previstos apenas para causas de valor superior a mil salários mínimos (de mais de R$ 1,51 milhão). Agora, passam a valer também para casos de pequeno valor (de até 60 salários mínimos, equivalente hoje a R$ 91.080) e baixa complexidade (entre 60 e mil salários mínimos, ou seja, de R$ 91.080 a R$ 1,51 milhão).
João Colussi, sócio do escritório Mattos Filho Advogados, lembra que os recursos contra autuações fiscais foram julgados nas delegacias de forma exclusivamente monocrática entre 1973 e 2009. Com a Portaria MF nº 256, de 2009, processos de maior valor ou complexidade passaram a ser julgados por turmas colegiadas. Agora, a ampliação passou a abranger também os processos de menor valor.
“A participação de vários auditores, com conhecimentos distintos do Direito, traz mais transparência e, no final das contas, mais celeridade para as decisões das delegacias da Receita. Porque quanto mais legítima e revisada a sentença, menor a chance de que o contribuinte recorra novamente e leve a questão ao Carf”, afirma Colussi.
A obrigação de aplicar as súmulas do Carf já estava prevista em outra portaria, de 2023, mas era válida somente para casos de pequeno valor e baixa complexidade. Agora, o julgador que não aplicar a súmula do Carf a processo de qualquer valor está sujeito à perda do mandato.
Embora a medida possa gerar preocupação entre os contribuintes, seu efeito vai ser de uniformização dos entendimentos, aponta o sócio do BMA Advogados, Rodrigo Taraia. Ele explica que as súmulas do Carf nem sempre são favoráveis aos contribuintes e sua aplicação pelas instâncias inferiores pode ser vista como negativa para as empresas.
“O que aconteceu foi uma compatibilização para que as decisões que são vinculantes já sejam observadas desde logo, ainda que para isso se inclua esse dispositivo vinculado à perda de mandato”, afirma ele, lembrando que as delegacias de julgamento são formadas exclusivamente por auditores fiscais e seu entendimento costuma ser mais desfavorável ao contribuinte que o do Carf.
Portaria reforça a integração total do contencioso administrativo”
— Caio Quintella
Outra mudança importante destacada por tributaristas foi o acréscimo do artigo 50-A, que impede o processamento de recurso contra decisão de primeira instância baseada em súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) ou do Carf. As únicas exceções ocorrem quando houver outro tema a ser apreciado no mesmo recurso ou quando o recurso argumentar as razões de fato ou de direito para não aplicação do precedente utilizado.
Essa foi a alteração com mais possibilidade de questionamentos posteriores, segundo João Colussi, uma vez que a admissiblidade dos recursos ao Carf é um trâmite importante para garantia dos direitos dos contribuintes. “Esse dispositivo é válido em situações extremas, quando é flagrante que o recurso é contrário a uma súmula. Nesse caso, a medida dá celeridade ao processo”, diz.
Para o tributarista, a ocorrência de qualquer “disfuncionalidade” nesse tipo de triagem, que limite o acesso do contribuinte à segunda instância – ao Carf -, pode ser resolvida, em última instância, pelo Judiciário.
Em relação às decisões, a portaria detalhou os requisitos formais das sentenças monocráticas (que deve conter ementa, relatório, fundamentos legais, conclusão e ordem de intimação) e disciplinou o prazo para apresentação de votos vencidos e de declarações de votos, de até 30 dias após o fim do julgamento.
Outros procedimentos internos também foram ajustados, esclarecendo questões mais práticas, como a substituição dos julgadores em caso de renúncia ou fim do mandato, com a instituição do prazo de 90 dias de continuidade na função até a designação de um novo membro.
Segundo Caio Quintella, ex-conselheiro do Carf e sócio de Nader Quintella Advogados, as mudanças devem reduzir o tempo de tramitação dos questionamentos à Receita. “A portaria confirma e reforça a integração total do contencioso administrativo. Reduz o tempo do contencioso, principalmente em temas já decididos pelo Poder Judiciário, e confere uma maior transparência e participação do contribuinte nessa etapa do processo tributário junto ao Ministério da Fazenda”, afirma.
Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.