Empresas perdem no STF disputa bilionária sobre Difal do ICMS
Por Beatriz Olivon e Adriana Aguiar, Valor — Brasília e São Paulo
Os contribuintes perderam ontem uma importante disputa tributária no Supremo Tribunal Federal (STF) e agora têm uma pesada conta a pagar. Os ministros decidiram que o diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS vale desde abril de 2022, e não do início de 2023, como defendiam as empresas.
No julgamento finalizado ontem, por maioria de votos, os ministros entenderam que os Estados deveriam respeitar apenas a chamada noventena (prazo de 90 dias) para reiniciar as cobranças — portanto, valeria a partir de abril de 2022. Prevaleceu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes.
O impacto estimado do julgamento era de R$ 9,8 bilhões — correspondente à estimativa da perda da arrecadação pelos Estados e Distrito Federal em 2022, se a cobrança só pudesse ser feita neste ano.
O Difal é usado para dividir a arrecadação do comércio eletrônico entre o Estado de origem da empresa e o do consumidor. Essa cobrança vinha sendo realizada por meio de normas estaduais, com base na Emenda Constitucional nº 87, de 2015. Mas foi contestada no Judiciário por grandes empresas do varejo e declarada inconstitucional pelo STF.
A Corte decidiu que os Estados ficariam impedidos de cobrar o imposto a partir de 2022 se, até essa data, não fosse editada uma lei complementar (LC). Essa norma — LC nº 190, de 2022 — foi aprovada pelo Congresso Nacional no dia 20 de dezembro de 2021, mas sancionada apenas no mês de janeiro de 2022. Com isso, surgiu a discussão sobre a possibilidade de a cobrança ser feita em 2022 ou somente neste ano (ADI 7066, ADI 7078 e ADI 7070).
Votação
A questão começou a ser julgada no Plenário Virtual e lá os contribuintes estavam vencendo — o placar estava em cinco a três. Com a remessa do caso ao plenário físico, por meio de pedido de destaque, veio a derrota, a partir das discussões entre os ministros e a reformulação do voto do relator.
No Plenário Virtual, havia três linhas de entendimento e a mais dura era de Alexandre de Moraes, que autorizava a cobrança desde o início de 2022. Ontem, porém, ele decidiu reformular seu voto e aplicar a chamada anterioridade nonagesimal, prevista na LC nº 190, seguindo o que defendia o ministro Dias Toffoli.
Na prática, os Estados teriam que esperar 90 dias, contados da publicação da lei (5 de janeiro de 2022), para começar a cobrar — portanto, a partir do mês de abril.
Para Moraes, não se trata de criação de novo tributo, mudança de incidência ou base de cálculo. Por isso, a cobrança já valeria em 2022. “O imposto é igual, agora para quem será destinado foi a alteração feita pela lei complementar”, afirmou ele, acrescentando que nada impede o legislador de estabelecer anterioridade nonagesimal mesmo fora dos casos da Constituição, para que o contribuinte possa se adequar.
O ministro Dias Toffoli concordou com a cobrança em 2022 e disse que os Estados precisam respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal. “Vários Estados sequer cobraram na noventena, então não haveria consequência do ponto de vista orçamentário”, afirmou ontem.
O ministro Nunes Marques seguiu o voto do relator, assim como o ministro Luiz Fux. O ministro Gilmar Mendes havia acompanhado o voto de Toffoli e manteve esse entendimento. O ministro Luís Roberto Barroso votou nesse mesmo sentido, formando a maioria de seis votos.
A divergência foi aberta pelo ministro Edson Fachin, que votou de forma totalmente favorável ao que defendiam as empresas. Ele considera que a cobrança do Difal apenas poderia ocorrer a partir deste ano.
Para Fachin, o STF julgou ser necessário lei complementar, não se tratando de mera repartição de produto de um tributo. “A lei complementar só tem aptidão para gerar efeitos a partir de 2023”, afirmou. O voto de Fachin foi acompanhado por quatro ministros: André Mendonça e Cármen Lúcia, além dos ministros aposentados Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.
Umas das ações julgadas foi ajuizada pela Associação Brasileira da Industria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). O advogado da entidade, Saul Tourinho Leal, do escritório Ayres Britto, afirma que deve agora aguardar a publicação do acórdão, “mas que parecem haver pontos que desafiam embargos (recurso)”.
A decisão afeta o bolso das varejistas, segundo especialistas. No Estado de São Paulo, segundo nota da Fazenda paulista, o Difal é exigido desde abril de 2022 e “estimativas preliminares indicam uma arrecadação ainda não realizada, relativa ao Difal devido em 2022, da ordem de centenas de milhões de reais”.
Para Leonardo Roesler, advogado tributarista e sócio da RMS Advogados, a decisão ignora o impacto econômico que a cobrança retroativa pode impor ao setor empresarial, especialmente em um momento em que muitas empresas ainda se recuperam dos efeitos econômicos da pandemia.
“Acarreta um ônus financeiro significativo, com potencial para afetar a liquidez e a capacidade de investimento das empresas e pode levar ao aumento de preços para os consumidores finais”, diz o advogado.
André Menon, sócio do Machado Meyer Advogados, destaca que as empresas com liminar contra a cobrança terão agora que pagar o Difal do ICMS, sob pena de efetivamente serem autuadas. Porém, afirma que ainda é possível, a depender do texto do acórdão, a apresentação de embargos de declaração.
Ariane Guimarães, sócia do Mattos Filho Advogados, que assessora o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), amicus curiae na ação da Abimaq, diz que a recomendação é que as empresas aguardem o trânsito em julgado do Supremo (quando não couber mais recurso).
Para ela, houve uma confusão no julgamento porque a discussão girava em torno de um ponto muito claro, que era dizer que a cobrança só poderia ser retomada neste ano. De acordo com a advogada, apesar de a LC nº 190/2022 tratar da noventena, remete no artigo 3º a sua entrada em vigor ao disposto na alínea “c” do inciso III do caput do artigo 150 da Constituição Federal (anterioridade anual).
“A discussão no Supremo, porém, ficou turva porque ficaram em torno da surpresa ou não surpresa, o que acabou desviando o foco do que deveria ser realmente analisado”, diz.