Decisões judiciais aumentam ITCMD de imóvel rural recebido em herança
Por Bárbara Pombo — De Brasília
Os contribuintes têm perdido uma discussão judicial sobre o pagamento do ITCMD quando a herança ou a doação é um imóvel rural. Ao menos quatro tribunais de Justiça do país têm admitido que o imposto seja exigido sobre valor superior ao informado na declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) – que é o parâmetro previsto em lei para a cobrança -, segundo levantamento do escritório Velloza Advogados, feito a pedido do Valor. Florence Haret: “É preciso atuar preventivamente para não acabar em uma situação de ‘leva, mas não ganha´”
Os tribunais dos Estados de Minas Gerais (TJMG), do Mato Grosso (TJMT), Mato Grosso do Sul (TJMS) e de Goiás (TJGO) têm proferido decisões desfavoráveis ao contribuinte. Por outro lado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em decisões recentes, impede a Fazenda de cobrar o ITCMD sobre valor maior do que o declarado pelo contribuinte. Afasta, assim, a possibilidade de uso de avaliação feita por órgão público sobre o preço do imóvel.
“Regra geral, a cobrança fica muito maior. E utiliza critério que o contribuinte desconhece, como a última negociação [de imóvel] na região”, afirma Joanna Rezende, sócia do escritório Velloza Advogados. “É uma situação comum, em inventários e doações”, acrescenta.
O ITCMD é recolhido na transferência da propriedade de um bem ou direito por ocasião de morte ou de doação. As alíquotas variam de Estado para Estado, mas podem chegar a até 8%. O litígio que tem chegado aos tribunais é sobre o valor dos imóveis rurais no qual a alíquota deve recair.
Em diversas ocasiões, os Estados questionam o valor do imóvel informado pelo contribuinte na declaração do ITR (DITR), que é de competência da União. Consideram que existe uma subavaliação – o que, na prática, reduz o montante do imposto a ser recolhido aos cofres públicos.
Pelas leis dos Estados, o valor total do imóvel rural declarado do DITR será considerado como base de cálculo do ITCMD. Mas as legislações de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul preveem mecanismos de avaliação judicial ou pela Fazenda quando constatado que o valor declarado para fins de ITR é “notoriamente inferior” ao valor de mercado do imóvel.
São Paulo previu, pelo Decreto Estadual nº 55.002/2009, que “poderá ser adotado, em se tratando de imóvel rural, o valor médio da terra-nua e das benfeitorias divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou por outro órgão de reconhecida idoneidade, vigente à data da ocorrência do fato gerador, quando for constatado que o valor declarado pelo interessado é incompatível com o de mercado”.
A Justiça de São Paulo, segundo advogados, tem jurisprudência no sentido de barrar essa cobrança a maior. Consideram que a base de cálculo do ITCMD não pode ser aumentada por decreto, mas apenas por lei.
“Não há lei que tenha criado base superior a esse valor [do ITR]. Muito pelo contrário, o diploma pelo qual o Fisco pretende jungir o ITCMD a base mais expressiva é o Decreto Estadual nº 55.002/09; e consoante tem esta Câmara proclamado em iterativos julgados, por mero decreto não se pode alterar a base de cálculo de imposto”, afirmou o desembargador Bandeira Lins, em caso julgado no fim de janeiro, por maioria de votos, pela 8ª Câmara de Direito Público do TJSP (apelação nº 1002246-86.2020.8.26.0248).
A advogada Florence Haret, sócia do escritório NHM Advogados, aponta que a discordância do Fisco emperra o andamento de inventários na Justiça. Para ela, é preciso atuar preventivamente para não acabar em uma situação de “leva, mas não ganha”.
“O inventário só se encerra se houver prova de quitação do imposto, e essa divergência de valores não acaba nunca”, afirma, citando um caso em que o inventário está parado há 15 anos por causa da discussão referente ao valor do imposto sobre uma fazenda. “A família pagou três vezes valores distintos e, mesmo assim, não houve quitação”, acrescenta.
Ao analisar essa situação em fevereiro, o juiz Glauco Costa Leite, da 4ª Vara Cível da Comarca de Indaiatuba (SP), determinou que o Estado de São Paulo recalcule o valor do imposto com base no valor venal do imóvel estipulado para fins de cobrança do ITR e devolva aos contribuintes o que pagaram a mais (processo nº 10097715120228260248). Cabe recurso.
Florence calcula que são cerca de R$ 350 mil a restituir. “Só a terceira geração da família – quiçá – receberá estes precatórios. O ideal é atuar preventivamente”, diz.
Ciente da situação e do entendimento favorável do TJSP, diz a advogada, “o cenário ideal é entrar com o processo de inventário e com uma ação judicial com pedido de liminar para o Judiciário reconhecer a base de cálculo com base no valor declarado do ITR”.
A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo afirmou, em nota enviada ao Valor, que não utilizou decreto para majorar a base de cálculo de ITCMD. Diz que a previsão da base de cálculo do imposto está regularmente prevista na Lei nº 10.705, de 2000. O parágrafo primeiro do artigo nono, acrescenta, estipula que “considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação”.
“Mesmo para as decisões judiciais desfavoráveis, ainda resta ao Estado de São Paulo a cobrança do ITCMD após regular processo administrativo de arbitramento”, afirma a procuradoria, citando o artigo 11 da lei.