Contribuinte volta a perder no Carf tese sobre PLR de diretor estatutário
Por Beatriz Olivon — De Brasília
A 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu que incide contribuição previdenciária sobre valores de participação nos lucros e resultados (PLR) pagos a diretores estatutários. A decisão foi por maioria de votos e indica, segundo especialistas, a volta da jurisprudência favorável à Fazenda Nacional.
No ano passado, com outra composição, os contribuintes conseguiram importantes precedentes na 2ª Turma – que dá a palavra final sobre o tema, discutido por bancos e grandes empresas. Contou para essas vitórias o voto do então presidente do Carf, Carlos Henrique de Oliveira, que deixou o cargo no começo deste ano.
Nessa tese, o entendimento da Receita Federal é o de que a Lei nº 10.101, de 2000, dá direito a isenção apenas para valores pagos a empregados celetistas, deixando de fora, por exemplo, diretores estatutários (sem vínculo). Para o ex-presidente do Carf, porém, cumpridos os requisitos da norma, o pagamento da PLR é extensível aos contribuintes individuais.
De acordo com ele, não há, na Constituição Federal, diferenciação entre os trabalhadores, empregados subordinados ou não. E é proibida, pela norma, afirmou nos julgados, qualquer distinção em razão da ocupação funcional, independentemente da denominação jurídica de rendimentos, títulos ou direitos.
Em julgamento realizado na semana passada, porém, prevaleceu outro entendimento, por cinco votos a três. Foi mantida autuação fiscal que cobra cerca de R$ 5,5 milhões de contribuição previdenciária da LPS Brasil Consultoria de Imóveis. A autuação é referente a valores de PLR pagos nos anos de 2013 e 2014 a diretores não empregados (processo n 19515.720979/2017-1).
No caso, a empresa alegou que há previsão legal para isenção de contribuição previdenciária quando o pagamento de PLR se dá “de acordo com a lei”. Mas, na prática, a manutenção do benefício acaba dependendo da análise do fiscal, segundo a advogada da empresa no caso, Mariana de Vito, do escritório Trench Rossi Watanabe.
“A lei [nº 11.101, de 2000) traz algumas especificações, mas a fiscalização, às vezes, tem uma interpretação mais restrita”, diz Mariana. Em certo momento, acrescenta, a fiscalização passou a considerar que o PLR, para obter a isenção, só poderia ser pago a empregado.
Na defesa, a empresa alegou que a Constituição concederia imunidade para o pagamento de PLR a trabalhadores, assim como a lei. “Mas ainda que não se entenda que existe imunidade ou isenção não há fato que leve à cobrança de contribuição previdenciária porque o pagamento de lucro não é pagamento de remuneração”, afirma a advogada.
Por maioria de votos, prevaleceu no julgamento o entendimento de que os diretores não se caracterizam como “empregados” e, por isso, não se encaixariam na previsão do artigo 2ª da Lei nº 10.101, de 2000. O dispositivo prevê que a PLR será objeto de negociação entre empresa e empregados. Como o valor pago não segue o disposto na norma, a Receita Federal considera que ele integra o salário de contribuição, sofrendo a incidência de contribuição previdenciária.
A advogada da empresa diz que é necessário agora aguardar a publicação do acórdão para analisar se cabe recurso (embargos de declaração) para pedir esclarecimentos ou apontar omissões na decisão do Carf ou buscar o Judiciário.
De acordo com Alessandro Cardoso, sócio do Rolim Advogados, o tema é relevante para várias empresas e já tem um histórico controvertido no Carf. Até a composição de 2022, o entendimento era majoritariamente desfavorável ao contribuinte.
Na Justiça, acrescenta, não há tantos precedentes e a maioria é desfavorável. No Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) também existem decisões contrárias. Contudo, Cardoso destaca que não há decisão do Plenário do STF – só de turma – e nem da 1ª Seção do STJ, que dá a última palavra em matéria tributária.
“Não tem uma análise mais profunda dos tribunais, em repetitivo ou repercussão geral. Não tem acórdão que tenha analisado com profundidade a tese. Ela ficou sempre muito centrada no Carf”, afirma o advogado, acrescentando que muitas empresas acabaram pagando a contribuição previdenciária exigida.
A própria Fazenda Nacional abriu uma linha de negociação (transação) para quem discutia PLR, segundo Cardoso. Para ele, as empresas precisam fazer uma avaliação de risco. “No caso, o risco de autuação é iminente, o Carf voltou a decidir de forma desfavorável e o Judiciário não tem precedente favorável no momento.”
Na semana passada, vários casos de PLR foram julgados pelo Carf. Abordaram discussões diferentes da do PLR de diretores estatutários. Segundo Leandro Cabral e Silva, sócio do Velloza Advogados, os conselheiros também definiram que se um dos pontos para manter a tributação de PLR já é válido, os outros ficariam prejudicados e o caso não precisaria ser julgado.
A advogada Isabel Bueno, sócia do escritório Mattos Filho, lembra que essa desconsideração do PLR e tratamento como se fosse salário acaba deixando a verba em uma espécie de “limbo” para o trabalhador. Diferentemente do que acontece com o salário, lembra, o PLR desconsiderado não vai compor a base de benefício do trabalhador – não terá reflexos no FGTS, por exemplo.
Em nota ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que devem ser atendidos os pressupostos enumerados na Lei nº 10.101, de 2000. Além disso, que as decisões sobre o tema, por envolverem exame de aspectos fáticos, como documentos e práticas das empresas, variam conforme os casos concretos. Ainda segundo o órgão, mudanças na composição das turmas de julgamento podem resultar em diversidade de entendimentos.