Carf livra banca de responder por autuação de cliente

Por Beatriz Olivon — De Brasília O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu que o Citi DTVM e o BMA Advogados não poderiam responder solidariamente por impostos exigidos em duas autuações fiscais recebidas pela Tivit, do setor de tecnologia, por amortização indevida de ágio. A decisão é da 1ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção, que derrubou, no mérito, as cobranças. Cabe recurso. Os valores das autuações não foram divulgados. Mas o ágio discutido é de R$ 1,17 bilhão. As cobranças, referentes ao período de 2011 a 2016, são de Imposto de Renda (ITPJ) e CSLL e incluem juros de mora, multa isolada de 50% e multa qualificada de 150% – aplicada quando há indício de fraude. Nas autuações, o Fisco aponta amortização indevida de ágio, dedução em excesso de juros pagos ou creditados a título de remuneração do capital próprio (JCP) e aproveitamento fiscal indevido de despesas financeiras. Foi indicado também como responsável solidário um diretor da empresa na época. Para a Receita Federal, ocorreu simulação em operação realizada para aquisição da Tivit, com uso de “empresa veículo”. O órgão aponta que a Dethalas Empreendimentos e Participações foi utilizada como meio para transportar, para os livros da fiscalizada, tanto a projeção do ágio pago em sua própria aquisição quanto um passivo resultante de empréstimo obtido para quitar parte dessa mesma operação. A partir de então, a Tivit teria passado a reduzir suas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL por meio da amortização do ágio e de juros e outros encargos incidentes sobre o passivo. Na incorporação da Dethalas, usada para adquirir a Tivit, o patrimônio líquido da empresa foi artificialmente aumentado, segundo a Receita. Isso levou ao pagamento de juros sobre o capital próprio em montante superior ao limite dedutível. Ainda de acordo com a fiscalização, a Tivit promoveu indevido aproveitamento fiscal de despesas da incorporada. A Receita Federal apontou o BMA Advogados como solidário por ter assumido “ampla assessoria em todo o processo de aquisição da Tivit”, segundo o processo. Para o Fisco, a sociedade de advogados “foi a responsável imediata pela aparente vida autônoma do boneco de vento em que se constituiu a Dethalas”. Sobre o banco, a Receita afirmou que teve “intensa colaboração” na operação. E, em relação ao diretor, apontou que ele compunha o quadro de acionistas da Tivit e ocupava os cargos de diretor-presidente e presidente do Conselho de Administração e, na condição de acionista, beneficiou-se das “indevidas vantagens fiscais resultantes da utilização da Dethalas”. Por maioria de votos (7 a 1), os conselheiros derrubaram as autuações e a responsabilização do diretor. E, por unanimidade, em uma análise paralela ao mérito, livraram a banca e a instituição financeira de terem que responder solidariamente. Prevaleceu, no geral, o voto da relatora, Maria Carolina Maldonado Mendonça Kraljevic. Para ela, a constituição da Dethalas foi indispensável para a realização da operação de compra alavancada. “E, ainda que assim não fosse, não interessa ao Fisco se a Dethalas tinha outras formas de arrecadar os valores necessários para fazer frente à aquisição da Tivit”, afirmou. Com relação ao diretor, a relatora considerou que não foram apontados atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei. Apenas figurar como acionista, para ela, não seria o suficiente. Em seu voto, a relatora apontou ainda que o Citi DTVM não teve participação no benefício decorrente da economia proporcionada pelo suposto planejamento tributário, não tinha autonomia nem influência suficientes na gestão de fundo constituído na operação de forma a caracterizar a responsabilidade. A conselheira ainda entendeu que o BMA Advogados não teve participação no benefício decorrente da economia proporcionada pelo suposto planejamento tributário e não ostentou função de diretor, gerente ou representante do sujeito passivo, mas de advogado, de forma que não detinha o poder decisório na pessoa jurídica para definir seus atos, de forma a caracterizar a responsabilidade. No mérito, foi mantido apenas um ponto de uma das autuações (a que se dirige a intervalo entre 2014 a 2016). A Tivit lançou em sua contabilidade despesas no valor de R$ 5,7 milhões que eram da Dethalas. A empresa alega que não houve prejuízo ao Fisco, mas a autuação foi mantida. Para a relatora, nesse caso não há comprovação de que a despesa da Dethalas era necessária à atividade da Tivit ou à manutenção da respectiva fonte produtora (processos nº 16561.720034/2019-17 e nº 16561.720034/2016-74). O advogado da Tivit e do diretor, Roberto Quiroga, sócio do Mattos Filho, alegou no caso que a empresa fez uma dívida para comprar outra (compra alavancada), o que já havia sido aceito pela turma em outro caso. Havia uma justificativa e propósito negocial na criação da holding, segundo o advogado, que era obter o empréstimo. “É um precedente para casos de ágio em que há propósito negocial”, afirma. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já recorreu em um dos dois processos administrativos envolvendo a Tivit. No outro, foram apresentados embargos de declaração, pedindo esclarecimentos ou apontando omissões na própria turma. Segundo o órgão, a inclusão dos corresponsáveis se fundamenta no artigo 124, I, do Código Tributário Nacional, que prevê a solidariedade em caso de interesse comum. As hipóteses de caracterização de interesse comum, acrescenta a PGFN, foram definidas pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que estabeleceu critérios baseados em análise dos aspectos fáticos dos casos analisados. São conhecidos poucos julgados sobre responsabilização de terceiros. Em um deles, de 2017, foi mantida autuação da Tinto Holding (controladora do grupo Bertin) de 2009. E, como sucessores passivos solidários, diretores do Bertin e a Heber Participações (que é constituída pelos sócios da Bertin). Mas foi cancelada a responsabilidade solidária do Citibank DTVM (processo nº 16561.720170/2014-01). Depois de recurso, em 2019, a 1ª Turma da Câmara Superior afastou a responsabilidade dos sócios. Segundo o ex-conselheiro Caio Cesar Nader Quintella, da Nader Quintella Consultoria, em poucos casos no Carf há a tentativa de responsabilizar terceiros. Verifica-se, acrescenta, que a maioria veio de autuações por planejamento tributário ou operações com complexidade financeira. “Geralmente, a fundamentação é bem ampla e abstrata”, afirma. “As indicações são de que o terceiro também teve interesse econômico na operação, e foi remunerado pela assessoria ou opinião.” Sócio do BMA, Amir Bocayuva destaca que a Delegacia Regional de Julgamentos (DRJ) já havia afastado a responsabilidade do escritório, que “foi mero prestador de serviço para o adquirente”. “Entendimento contrário poderia gerar um precedente perigoso para os escritórios de advocacia que assessoram operações de fusões e aquisições.” Procurado pelo Valor, o Citi não quis comentar o caso. Representantes da Tivit não foram localizados.

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 12/01/2024 00:00:00

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