Carf julga conjunto de autuações fiscais bilionário do segmento de óleo e gás
Por Beatriz Olivon — De Brasília
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) julgou ontem um conjunto de autuações fiscais decorrentes de contratos de afretamentos de embarcações – espécie de aluguel -, firmados entre empresas do setor de óleo e gás, que somam quase R$ 20 bilhões. As cobranças de tributos foram mantidas em seis processos envolvendo Petrobras e Repsol, por maioria de votos. Dois processos da Base Engenharia (antiga Schahin) tratavam da responsabilidade solidária de executivos envolvidos – afastada em um dos processos por unanimidade.
O ponto comum analisado em todos os casos é a forma como essas companhias contratam afretamento e prestação de serviços de empresas estrangeiras. De forma geral, o Fisco desconsidera e cobra Cide, IRPJ, PIS e Cofins. Os processos foram julgados pela 3ª Turma da Câmara Superior, a mais alta instância do órgão.
As empresas costumam fechar dois contratos, um para o afretamento de plataformas e o outro para a prestação de serviços de perfuração, exploração e prospecção. Normalmente, o contrato de afretamento, que não é tributado, contém a maior parte do custo. O Fisco tributa como se tudo se tratasse de importação de serviço.
O debate é antigo no Carf e sempre teve muita relevância, segundo o advogado e ex-conselheiro Caio Cesar Nader Quintella, sócio de Ogawa, Lazzerotti e Baraldi. “A discussão é delicada, pois abrange liberdade de contratar, a indução das regras tributárias à adoção do modelo e a ausência de proibição ou limite fixado”, afirma.
Apenas após 2014 surgiram balizas legais sobre o assunto. Com a Lei nº 13.043 passou a haver previsão de limite de 80% para o valor dos contratos de afretamento de sondas, por exemplo, em relação a prestação de serviços.
Só para a Petrobras o valor total estimado em discussão sobre essa tese é de R$ 50,97 bilhões, conforme indicado em documento enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com data de 2021. O montante inclui cobranças de Cide, PIS e Cofins-Importação e Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), nas esferas administrativa e judicial.
Ontem foram mantidas autuações que somam R$ 17,23 bilhões. A empresa ainda pode recorrer à Justiça.
A advogada da Petrobras, Micaela Dutra, afirmou na sustentação oral que a Petrobras já judicializou quatro processos que perdeu no Carf por voto de qualidade. Conseguiu duas decisões favoráveis, uma em decorrência do voto de qualidade e outra na análise do mérito. “Não houve nenhuma artificialidade na execução desses contratos”, afirmou a advogada sobre as quatro autuações fiscais analisadas.
Já a procuradora da Fazenda Maria Concília de Aragão Bastos afirmou, na sessão, que a fiscalização realizou análise minuciosa de cada contrato de afretamento e prestação de serviços e demonstrou que, apesar da separação formal, havia uma única atividade de exploração prestada pelo mesmo grupo econômico. Além disso, alegou que a segregação em dois contratos visava reduzir a tributação.
Por cinco votos a três foram mantidas as seguintes autuações recebidas pela Petrobras: R$ 5,64 bilhões por causa de contrato de afretamento de 2013 (processo nº 16682.722011/2017-17); R$ 5,52 bilhões de Cide em 2013 (16682.722012/2017-53); R$ 2,48 bilhões de PIS e Cofins de 2010 (16682.720837/2014-91) e R$ 3,59 bilhões de Cide de 2011 (16682.723011/2015-64).
Representantes da Fazenda votaram para manter as autuações fiscais e três indicados pelos contribuintes para derrubar. O conselheiro Valcir Gassen, indicado pelos contribuintes, votou para manter, formando a maioria de cinco votos favorável ao Fisco.
Na mesma sessão também foram mantidas duas autuações recebidas pela Repsol. Nelas, a Receita exige Cide, PIS e Cofins sobre valores correspondentes a remessas ao exterior referentes ao ano de 2011. O valor original da cobrança de Cide é de R$ 33,38 milhões, excluídos juros de mora e multa de ofício (16682.722933/2015-54). A cobrança de PIS e Cofins é sobre a mesma operação e o valor original é de R$ 33,8 milhões. Esses valores estão nos processos (16682.722934/2015-07).
A empresa alegou ao Carf que o afretamento representou 84% dos pagamentos. Mas, no mérito, por maioria de votos, o recurso da Fazenda foi aceito.
A Câmara Superior também julgou duas autuações fiscais recebidas pelas Base Engenharia (o antigo grupo Schahin, que teve a falência decretada) pelo mesmo motivo. Mas o ponto analisado ontem foi a responsabilidade solidária de executivos e não o mérito das cobranças.
Nesses dois casos, contudo, os pedidos não foram conhecidos e nem chegaram a ser julgados. Isso por causa de uma questão processual. O caso paradigma (decisão divergente de outra turma) para que o recurso seja analisado pela Câmara Superior não foi aceito como tal. Os conselheiros consideraram que não se tratava de situações idênticas – mesmos contratos, sondas e operações.
Ao julgar a autuação em que o Fisco exige PIS, Cofins, IRPJ e CSLL no valor de R$ 225,46 milhões sobre o ano de 2009 (19515.721387/2014-73), a responsabilidade solidária dos irmãos Milton Taufic Schahin e Salim Taufic Schahin foi mantida.
O advogado Adelmo Emerenciano, sócio do Emerenciano, Baggio e Associados, representante dos executivos, afirmou na sessão que não há demonstração no processo de dolo (intenção) ou individualização das condutas. Alegou ainda que foram abertos inquéritos para apurar a responsabilidade criminal, mas o Ministério Público pediu o arquivamento, indicando que não haveria ilicitude, segundo o advogado.
Já a procuradora da Fazenda Maria Concília de Aragão Bastos afirmou que a jurisprudência do Carf é pela manutenção da responsabilização dos sócios administradores e que a conduta deles foi identificada. “Tinham pleno conhecimento da situação da empresa que representavam”, afirma.
A segunda autuação cobra IRPJ do período entre 2010 e 2013 (19515.720305/2015-54). O valor cobrado era de R$ 1,6 bilhão em maio de 2015, segundo indicado no processo. Nele a responsabilidade solidária dos executivos seguiu afastada pelo Carf.
Após a conclusão dos julgamentos, questionada pelo Valor, a advogada da Petrobras afirmou que aguarda a publicação do acórdão para analisar as medidas cabíveis. Procuradas, Repsol e Petrobras não retornaram até o fechamento da edição.