Carf afasta IR sobre benefícios recebidos por magistrado para moradia e alimentação
Por Marcela Villar — De São Paulo
Uma decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou a incidência de Imposto de Renda (IR) sobre auxílio-moradia e auxílio-alimentação recebidos por um magistrado do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC). O julgamento, na 1ª Turma Extraordinária da 2ª Seção de Julgamento, foi unânime.
O valor desses benefícios é relevante para os cofres públicos. Só no ano de 2023 foram gastos R$ 11,1 bilhões com auxílio-alimentação e saúde para magistrados e pessoal administrativo, indica o “Justiça em Números 2024”, relatório divulgado em junho pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O auxílio-moradia, diárias e passagens custaram R$ 4,7 bilhões. As duas rubricas representaram 12% do total de R$ 132,7 bilhões de despesas que a Justiça teve no ano passado.
Para os conselheiros que proferiram a decisão, a isenção sobre o auxílio-moradia independe da comprovação do uso dos valores para pagamento de aluguel de imóvel, por conta da natureza indenizatória da verba. Já em relação ao auxílio-alimentação, a cobrança, de acordo com eles, não deve ocorrer por conta do princípio da isonomia tributária, já que os magistrados da Justiça Federal não pagam IR sobre o benefício.
É uma decisão que diverge da jurisprudência sobre natureza indenizatória”
— Leandro Cabral
O acórdão ainda exclui da base de cálculo do tributo os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de verbas remuneratórias, algo já pacificado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2021, em repercussão geral (RE 855091).
Segundo tributaristas, o que mais chama a atenção no acórdão, publicado em abril, é a isenção sobre auxílio-moradia. Isso porque o subsídio perderia o caráter indenizatório quando existe um imóvel oficial disponível para o magistrado, mas ele se recusa a usá-lo para receber o benefício. Para a fiscalização, seria ainda preciso provar que o subsídio custeia a locação.
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O fiscal que lavrou o auto de infração se baseou na Solução de Consulta nº 84, de 2014, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit). Ela determina que a comprovação seja feita por recibo de locação ou contrato de aluguel. No caso do magistrado de Santa Catarina, o servidor não teria comprovado que os valores recebidos foram despendidos com o aluguel. Por isso, deveria ser tributado. Alguns acórdãos antigos do Carf vão no mesmo sentido (processo nº 10183.001513/2007-75).
Agora, porém, os conselheiros julgam ser desnecessária a comprovação. O relator, o conselheiro Rodrigo Alexandre Lazaro Pinto, cita um precedente do Carf (acórdão nº 2001-006.160), de junho de 2023, em que foi afastada a necessidade da comprovação. Ele indica, contudo, que se houver um imóvel disponível para o juiz e ele optar por não utilizá-lo para receber o auxílio-moradia, “o valor recebido perderá sua característica indenizatória, eis que contingente à escolha do beneficiário”.
A ação chegou ao tribunal administrativo em junho de 2015. Segundo o acórdão, houve uma omissão de rendimentos no valor de R$ 136,8 mil referente ao Imposto de Renda do ano de 2012 do magistrado. Da decisão, cabe recurso.
Para a fiscalização, não há lei que isente o auxílio-alimentação para servidores públicos estaduais, apenas para os federais. E que só é isento de tributação o auxílio-moradia recebido em substituição ao direito de imóvel funcional, previsão que está na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).
Em sua defesa, o magistrado alega ter agido de boa-fé e que o TJSC, fonte pagadora e responsável pelo informe de rendimentos, é quem deveria ter feito a retenção e recolhimento do IR. Por isso, ele não poderia ser penalizado pelo equívoco. Também argumenta que a Lei Complementar estadual nº 367/2006 assegura o “caráter indenizatório” do auxílio-alimentação e moradia, portanto, deveriam ser isentos.
Ao Valor, o TJSC disse que lançou as referidas verbas como “rendimentos isentos não tributáveis”, mesmo entendimento indicado na decisão do Carf.
A natureza jurídica da verba – se remuneratória ou indenizatória – é o que define a cobrança ou não do imposto. De acordo com o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), “a incidência do imposto de renda recai sobre o acréscimo patrimonial”, lembra o conselheiro relator. Caberia, então, verificar “a inserção de novas riquezas ao patrimônio do contribuinte” (processo nº 11516.721765/2014-05).
Sobre o auxílio-alimentação, diz Lazaro Pinto, o valor serve para “custear o servidor estadual em suas despesas com alimentação, ou seja, não se traduzindo em um acrescimento patrimonial decorrente do trabalho, mas pelo trabalho”.
Para o tributarista Caio Malpighi, do escritório VBSO Advogados, o acórdão respeita a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 1316). “Não é porque não existe a hipótese de isenção que isso é renda tributável. Se tem caráter indenizatório, recompondo gastos, não deve incidir, porque a verba tem a finalidade de indenizar o contribuinte por um custo de vida que ele teve, que é o caso da alimentação”, afirma. “Não gera acréscimo patrimonial, por isso, não poderia ser tratada como renda”, acrescenta.
Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados, diz que a turma focou menos nos aspectos do caso concreto e enfrentou as problemáticas como teses. Para o tributarista, também é incomum o Carf não pedir provas em casos de natureza indenizatória. “Na maioria dos casos se considera necessário comprovar a destinação”, afirma. “Ele quase inverte o ônus, dá a entender que quem deveria provar ser não indenizatório é o Fisco.”
Segundo Cabral, em geral, os casos que dispensam a prova são aqueles em que há previsão expressa na lei. “É uma decisão que diverge da jurisprudência sobre natureza indenizatória ao reputar que a isenção seria aplicável pela própria rubrica e não pelas provas”, diz.