Carf adotará plenário virtual para acelerar julgamentos
Por Jéssica Sant’Ana e Beatriz Olivon — De Brasília
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) planeja adotar o sistema de plenário virtual para as sessões do órgão. É mais uma medida para tentar dar celeridade aos julgamentos, de modo a aumentar a arrecadação federal e a ajudar o governo na tentativa de zerar o déficit das contas públicas em 2024.
O Valor apurou que o sistema já está sendo desenvolvido pelo Serpro – a estatal de tecnologia da informação (TI) do governo federal – desde meados deste ano. O planejamento inicial do Ministério da Fazenda é que a plataforma fique pronta em dezembro para que possa ser usada já no próximo ano.
Em nota, o Carf confirmou que “há um projeto para desenvolvimento de uma ferramenta de plenário virtual”, mas disse que “ainda não há definição de prazos para implementação e nem quais turmas a utilizarão”.
O plenário virtual do Carf, segundo apurou o Valor, está incluído na agenda de arrecadação infralegal da Fazenda para 2024. Nela, há ações que não dependem de alteração em lei – por isso não passam pelo Congresso Nacional – e envolvem somente o Carf, a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
A ideia é que o plenário virtual funcione de forma semelhante ao do Supremo Tribunal Federal (STF). O sistema que está sendo desenhado prevê a inserção de relatórios, votos dos relatores e dos demais conselheiros, memorial pelos contribuintes e pela PGFN, consulta a pautas e a atas de julgamento e sustentação oral, entre outras funcionalidades.
Atualmente, as sessões do Carf são presenciais ou realizadas por videoconferência. Para a maior parte das turmas não há – como já existe no STF – um sistema em que todo o julgamento acontece de maneira virtual, com depósito de votos. Essa possibilidade existe nos julgamentos de casos de menor valor, nas turmas extraordinárias – mas, diferente do Supremo, as partes podem pedir para realizar a defesa oral em sessão por videoconferência.
No Carf, a ideia é que o sistema em desenvolvimento seja usado tanto para os julgamentos virtuais como também para as sessões por videoconferência – que hoje acontecem com a presença dos conselheiros, conectados por meio da plataforma Teams. Atualmente, essas sessões por vídeo são transmitidas pelo canal do YouTube do conselho.
Parte mais importante do julgamento é o confronto de ideias”
— Caio Quintella
“O modelo preocupa”, diz o advogado Caio Quintella, ex-conselheiro da Câmara Superior do Carf e sócio da Nader Quintella Consultoria. Segundo ele, a parte mais importante e frutífera do julgamento é o debate e confronto de ideias entre todos os conselheiros e na presença dos procuradores da Fazenda Nacional e advogados.
“É mais importante ainda em um tribunal paritário, com julgadores de diferentes origens, experiências e formações”, afirma. Para Quintella, o mecanismo, ainda que prático do ponto de vista burocrático, afasta uma característica positiva do conselho e “desnatura sua essência”.
Já Diana Piatti Lobo, advogada do escritório Machado Meyer, pondera que existem vantagens nessa forma de julgamento, como a rapidez e a redução de custo para a administração. Mas considera que, no ambiente do Carf, não é uma forma de julgamento positiva para a grande maioria dos casos.
Como, em geral, no conselho, os casos estão atrelados a contextos fáticos específicos e dependem de exame de provas, diz a advogada, o debate de forma simultânea, com a participação das partes realizando sustentações orais e esclarecimentos de fatos, confere maior segurança à solução dos casos.
A advogada lembra que hoje o Carf já adota uma sistemática parecida à do plenário virtual do STF para causas de menor valor, que são decididas por turmas extraordinárias. Ali, a deliberação pode ocorrer por meio do depósito de votos pelos membros do colegiado e sem um tempo único de debate. A forma de julgamento não é totalmente conhecida e o Carf não chama de plenário virtual, segundo a advogada. Além disso, acrescenta, o contribuinte sempre pode pedir a realização de sustentação oral, em sessão não virtual.
O plenário virtual é apenas uma das novidades previstas para 2024. Conforme antecipou o Valor, o Carf planeja ter novas turmas e realizar sessões extraordinárias no ano que vem. O objetivo é dar maior celeridade e reduzir o estoque de processos. Até setembro, o colegiado tinha 86,3 mil processos em estoque, que somavam R$ 1,137 trilhão.
Todas essas medidas devem ampliar o volume de trabalho do órgão para ajudar no objetivo do governo de arrecadar R$ 54,7 bilhões em 2024 com o retorno do voto de qualidade – o desempate por presidente da turma julgadora, representante do Fisco.
Sem o aumento da carga de trabalho, a previsão é que a arrecadação com os julgamentos caia para R$ 36,5 bilhões, nos cálculos da Receita Federal, o que dificultaria ainda mais a intenção da Fazenda de buscar o déficit zero no ano que vem.
Outro empecilho é a atual greve de auditores fiscais, iniciada na segunda-feira, que já provocou a suspensão de sessões do Carf por falta de quórum. Segundo o Unafisco Nacional, que representa a categoria, um dos objetivos da paralisação é alterar o Decreto nº 11.545, de 2023, que teria criado travas que descaracterizam o bônus de eficiência.