Bar que vende só taça de vinho perde benefício fiscal
Por Marcela Villar — De São Paulo
Quem for a um restaurante ou um wine bar no Estado de São Paulo e só pedir uma taça de vinho, sem petisco ou prato para acompanhar, vai encarecer a carga tributária para o estabelecimento no fim do mês. A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) decidiu que apenas o consumo da bebida não dá direito ao regime especial de ICMS aplicado ao setor, que garante alíquota reduzida de 3,2%.
Nos casos em que a bebida é ingerida sem alimento, incide o percentual padrão do imposto estadual para o produto, de 25%. O entendimento está na Consulta Tributária 28675/2023, publicada no dia 25 de março. Apesar de ser específica para vinho, a decisão vale para outros tipos de bebidas alcoólicas, na visão de tributaristas, e vincula os auditores fiscais do Estado.
Para especialistas, o entendimento da Fazenda paulista traz uma complexidade desnecessária para o benefício e pode levar restaurantes a não cumprir a regra. Ou então a oferecer gratuitamente uma porção de pão, queijo ou amendoim, para ter direito ao regime fiscal favorecido.
O entendimento, acrescentam, também afeta a apuração de créditos de ICMS. Pela alíquota cheia, o contribuinte teria direito a se creditar. Pela reduzida, não.
A consulta foi feita por uma empresa que vende vinhos em garrafas para clientes levarem para casa e também em taças, as quais normalmente são acompanhadas de refeição na loja. A dúvida era como ficaria a apuração do ICMS nos casos em que os clientes apenas bebem sem consumir um alimento no local.
O estabelecimento não sabia qual a forma correta de efetuar o lançamento dos documentos fiscais de entrada do vinho, mencionando que “haverá uma dificuldade em diferenciar, pois o vinho que acompanha a refeição e o que não acompanha saíram da mesma garrafa”. No registro de entrada e na nota fiscal, seria preciso analisar se haverá ou não o crédito.
Para a Sefaz, as bebidas alcoólicas “não são produtos essenciais como alimentos, de modo que não se enquadram, pela legislação tributária, no conceito de alimentos” e não podem se beneficiar do regime especial do Decreto nº 51.597/2007.
A orientação da secretaria é que a empresa faça “um controle interno relativo às quantidades de vinho revendido para o contribuinte (em garrafas ou taças) e de vinho consumido juntamente com a refeição”. O registro deve ser feito “da forma que melhor atender às necessidades da consulente”, e ficar “à disposição do Fisco para eventual fiscalização”.
Segundo Gabriel Baccarini, sócio do Cascione Advogados, o regime especial foi criado para tornar mais simples a tributação do ICMS para o setor, composto em maioria por pequenos e médios negócios. “O ICMS é um dos tributos mais complexos no sistema brasileiro e exige uma complexidade na apuração. Para a contabilidade, o decreto foi o meio do caminho encontrado para que esses estabelecimentos consigam fazer o recolhimento de um jeito mais formal”, afirma.
A complexidade na gestão é a principal dificuldade trazida pelo entendimento da Sefaz-SP, diz Francielle Sezotzki, tributarista do Cascione. “Vai exigir um controle absurdo dos contribuintes”, afirma. “O contribuinte vai precisar segregar aquilo que vai poder gerar crédito ou não, vai ter que fazer um controle quase que por litro”, adiciona.
É também o que enfatiza Baccarini. “Não dá para acreditar que um bar da esquina vai ter dois controles para apuração de bebidas. Causa estranheza, porque há uma desconexão com a realidade, apesar de entendermos o que o Fisco quis colocar.”
Para o advogado Pedro Siqueira, sócio do Bichara Advogados, a resposta do órgão inova e restringe o que está na lei. “Quando o estabelecimento tiver como atividade preponderante a venda de alimentos, vai poder se valer do decreto”, afirma. Segundo ele, bares, padarias e restaurantes sempre apuraram o ICMS considerando toda a venda de produtos, inclusive as bebidas. E não elas em separado.
Ao que parece, o contribuinte que fez a consulta, acrescenta, queria enquadrar a venda de vinhos dentro do conceito dos 3,2%. “A garrafa que o cliente leva para casa de fato não está dentro do benefício, porque não está se exercendo a atividade de restaurante, mas de empório, de uma loja de vinho. Mas para a maioria dos restaurantes o que deve prevalecer é o que consta no decreto”, completa Siqueira.