Auditorias calculam custos de clientes com reforma tributária
Por Felipe Laurence — De São Paulo
Clientes dos quatro maiores escritórios de auditoria do mundo, Deloitte, PwC, EY e KPMG já estão buscando serviços para fazer uma espécie de “modelagem de custos” com a criação de um novo sistema tributário brasileiro. O motivo é o ambiente de incertezas sobre o aumento de carga tributária e de como ficará a conversão dos créditos fiscais. As empresas também tentam saber como lidar com o longo período de transição, da forma antiga para a nova tributação. A informação é de sócios das “Big Four” ouvidos pelo Valor.
“Uma das preocupações que ouvimos dos nossos clientes é como eles vão atuar no período de transição da reforma, que será bem longo, de sete anos, com um escalonamento progressivo de tributos”, diz Carolina Verginelli, sócia de consultoria tributária da Deloitte. “E ainda vão ter que fazer todo um compliance tributário para conviver com os dois sistemas ao mesmo tempo nesta fase”, acrescenta.
A proposta de reforma tributária foi aprovada na Câmara dos Deputados no início de julho e, agora, está em tramitação no Senado. O novo sistema tributário prevê a substituição de cinco impostos federais e estaduais, o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, por três tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS), federais, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), subnacional.
O período de transição, que se inicia no ano de 2026, começa com a implementação do IBS e do CBS, seguida pela extinção do PIS, Cofins e IPI em 2027, redução escalonada do ICMS e ISS a partir de 2029 e implementação plena do novo sistema tributário a partir do ano de 2033.
“Temos visto procura por serviços de modelagem de custos e impacto da variação de carga tributária para saber quais serão os efeitos no negócio”, explica Bruna Felizardo, sócia especialista em tributos indiretos da EY. Ela diz, contudo, que a ausência da alíquota no novo sistema impede uma modelagem fidedigna do que irá acontecer.
A alíquota do IVA não será definida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC), já que os legisladores deixaram o assunto para lei complementar. Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária, vem dizendo que esse número deve ficar em torno de 25%.
Caso a alíquota fique nesse patamar, segundo explica Marcus Vinicius Gonçalves, sócio-líder da área tributária da KPMG, irá se confirmar um dos temores dos clientes, que é o aumento na carga tributária, em especial para empresas de serviços e de valor adicionado, como telecomunicações. Já o setor produtivo deve ter uma redução.
“No fim do dia, o projeto caminha para um equilíbrio tributário”, diz Gonçalves. “Setorialmente alguns terão benefícios e outros fatalmente verão um aumento de carga, mas, no geral, a aceitação dos nossos clientes ao projeto vem sendo positiva”, afirma o especialista.
Em relação à versão da reforma aprovada na Câmara, surpreendeu o número de exceções à alíquota padrão, de acordo com Romero Tavares, sócio de consultoria tributária da PwC. Segundo ele, isso reduz a expectativa de crescimento econômico pós-reforma e aumenta os temores de que a alíquota pode ser maior do que o esperado.
Na visão de Tavares, haverá sobrecarga no período de transição para o novo sistema tributário, “mas há a expectativa de reestruturação das cadeias produtivas para gerar maior eficiência”.
Agora, é importante que as empresas comecem a realizar um levantamento de créditos tributários referentes à compensação do PIS, Cofins e ICMS aos quais podem ter direito, orienta Carolina, da Deloitte, já que esse mecanismo será extinto após o fim do período de transição.
“Parece muito tempo até 2032, mas nessas questões de crédito tributário, que dependem do trâmite dos processos junto à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com demora em razão do volume de pedidos, já estamos instruindo as companhias a realizarem esse levantamento para trabalhar em cima deles agora”, comenta Carolina.
A devolução dos créditos do PIS e Cofins, para Gonçalves, da KPMG, ficou bem amarrada na reforma e será tudo em curto prazo, mas a sistemática referente aos créditos de ICMS será um problema. “Tem setores com muito acúmulo de créditos que não vão conseguir usar até 2032 e, inevitavelmente, vão perdê-los”, alerta. “Estamos debatendo estratégias com clientes”, diz.
Ter um plano de ação bem estruturado para implementar os principais pontos da reforma, reavaliar estruturas de custo e analisar as mudanças sistêmicas que vão acontecer será especialmente importante para as companhias de capital aberto, diz Bruna, sócia da EY. Um choque tributário poderia, eventualmente, impactar o preço de ações na bolsa.
Mesmo que a PEC da reforma tributária ainda seja avaliada pelas comissões do Senado Federal, para as firmas de auditoria, poucas mudanças devem ocorrer no projeto que afetem as empresas. Para elas, agora as discussões devem ficar em torno do papel dos Estados e municípios.
“Há que se trabalhar melhor a discussão sobre as possíveis contribuições estaduais, o que na prática seria um novo tributo”, afirma o sócio da PwC. “Seria importante o Senado evitar a aprovação desse instrumento para não diluir ainda mais a reforma”, acrescenta. “A questão da neutralidade tributária é importante para as empresas.”