Ambev derruba no Carf multa milionária
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
Os contribuintes conseguiram um importante precedente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) contra a multa aplicada por descumprimento de obrigação acessória. O entendimento adotado pelos conselheiros foi o de que a penalidade só pode ser imposta se existir erro ou omissão de informações no documento fiscal, e não quando há divergência de interpretação entre Receita Federal e empresa sobre pagamento de tributo.
O julgamento foi realizado na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção, que afastou multa de R$ 140 milhões aplicada à Ambev. A decisão é importante, segundo advogados, por ser unânime e estar bem fundamentada. Não há ainda, acrescentam, precedente na Câmara Superior – última instância do Carf. A penalidade é de 3% sobre valor de imposto omitido, inexato ou incorreto prestado na declaração.
No caso, a Receita Federal multou por entender que seria incorreto compensar estimativas mensais devidas pelo contribuinte, na opção de apuração pelo lucro real, com Imposto de Renda pago no exterior entre 2016 e 2017. Para a fiscalização, declarar essas informações na Escrituração Fiscal Contábil (ECF) seria errado e passível de sanção.
Em sua defesa, porém, a Ambev alegou que a aplicação da penalidade deveria respeitar os princípios da moralidade e da boa-fé e que não há qualquer orientação expressa da Receita Federal em sentido contrário ao procedimento adotado no preenchimento da ECF. E acrescentou que a fiscalização considerou incorreta a compensação, e não o preenchimento do documento fiscal.
A empresa ainda argumentou que não é minimamente razoável admitir que a multa pela apresentação da ECF com inexatidão, incorreção ou omissão possa ser muito mais alta do a aplicada a quem deixa de apresentar a obrigação acessória.
Ambas as punições estão previstas no artigo 8º-A do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014. No inciso I, ficou estabelecido multa de 0,25% a quem deixar de apresentar o livro fiscal e registros contábeis. Já quem apresentar os registros com inexatidões, incorreções ou omissões, fica sujeito a multa de 3% do lucro líquido, conforme o inciso II.
O relator do caso é o conselheiro Flávio Machado Vilhena Dias, representante dos contribuintes. Ele afirma, em seu voto, concordar com a Ambev. Para ele, “a leitura da norma legal em questão não pode levar à conclusão evidentemente absurda de que toda e qualquer divergência da fiscalização quanto à forma como contabilizados determinados valores pelos contribuintes ensejaria a aplicação da multa em questão”.
De acordo com o conselheiro, o fiscal intimou o contribuinte para retificar suas declarações, para que fizesse constar que as estimativas não teriam sido quitadas com os créditos do Imposto de Renda pago no exterior. Como a empresa não retificou os documentos, para fazer constar nelas o que a fiscalização entendia como correto, acrescenta, “viu a ‘mão punitiva’ do Estado lhe ser aplicada, sem qualquer respaldo na legislação em vigor, o que não se pode admitir” (processo nº 15746.720390/2020-43).
O tributarista Leandro Cabral, sócio do escritório Velloza Advogados, considera a decisão importante. Segundo ele, a Receita Federal tem aplicado a multa quando há apenas divergência de interpretação com o contribuinte, e não erros ou omissão no preenchimento da ECF.
Ele lembra que cada vez mais as empresas têm novas obrigações acessórias a cumprir, nas três esferas – federal, estadual e municipal -, e que, por conta de toda essa complexidade, os erros tendem a ficar mais frequentes.
“Mas, no caso das grandes empresas, via de regra, elas passam por uma auditoria externa. Então é muito difícil ter erro por falta de recolhimento de tributo. Elas têm uma espécie de ‘double check’”, diz o advogado.
Para Cabral, como a decisão foi unânime na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção, os contribuintes ganharam um bom precedente. Ele afirma que pesquisou e não encontrou nenhum julgamento da Câmara Superior do Carf sobre essa multa para a ECF ou similar.
Fernanda Rizzo, do escritório Vieira Rezende Advogados, destaca que o caso é bastante relevante e que, inclusive, tem um parecido no escritório. Foi cobrada a mesma multa de 3%, também de valor milionário, por suposta incorreção na declaração fiscal. “Mas não estava incorreta e sim prestada de maneira diferente do que pretendia a fiscalização”, diz a tributarista, acrescentando que esse caso ainda não foi julgado pelo Carf.
O julgado da Ambev é importante, explica a advogada, porque expressamente define que a divergência de entendimento sobre a tributação de determinado fato não enseja multa por declaração incorreta, ainda que eventualmente o contribuinte esteja equivocado na maneira de apurar o tributo.
Ela ainda lembra que as multas nesses casos podem representar valores expressivos, pois são calculadas sobre o montante informado “com vício” e não sobre o tributo não pago – que pode sequer existir. Assim, como a base de cálculo é o suposto vício, a multa poderá ultrapassar o montante do tributo, o que aumentaria a arrecadação.
“O julgado [do Carf], nesse sentido, contribui para dar freio a esses tipos abusivos de autuação”, diz Fernanda Rizzo.
Procurada pelo Valor, a Ambev informou, por nota enviada pela assessoria de imprensa, que não comenta casos em andamento. “Vale pontuar, no entanto, que acreditamos ser possível uma mudança nesse ambiente de litígio, promovendo maior o diálogo entre contribuintes e Fisco, de modo que as regras sejam claras para os dois lados, evitando diferentes interpretações e promovendo segurança jurídica”, afirma na nota.