A resolução do Senado e os créditos de ICMS

Joaquim Rolim Ferraz e Ubaldo Juveniz Jr. – No dia 21 de junho de 2007, o Senado Federal publicou a Resolução nº 7, retirando do ordenamento jurídico, dentre outros dispositivos, o artigo 3º da Lei nº 6.556, de 1989, do Estado de São Paulo – que havia majorado de 17% para 18% a alíquota do ICMS prevista no inciso I do artigo 34 da Lei nº 6.374, de 1989 -, tendo em vista ter sido, reiteradamente, considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os contribuintes que recolheram o ICMS com a alíquota de 18% têm, agora, direito incontestável ao indébito do valor correspondente à diferença de 1% paga a maior por força do dispositivo reconhecido inconstitucional.
Todavia, o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o pálio do artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN), têm entendido que, para a restituição de tributos indiretos, dentre eles o ICMS, é necessária a prova de que o contribuinte de direito não repassou o valor do tributo inconstitucionalmente cobrado ao contribuinte de fato ou de estar por este autorizado a repetir o indébito. Este entendimento dificulta e até mesmo impossibilita o ressarcimento aos contribuintes. Por esta razão, acaso os contribuintes não se insurjam contra a jurisprudência atual, poderão ter ganho a disputa em torno da inconstitucionalidade do aumento em 1% do tributo, mas não levarão o benefício respectivo.

De início, adiantamos que entendemos não ser possível a aplicação do artigo 166 do CTN às compensações tributárias. O STJ pacificou o entendimento de que, na restituição de créditos tributários referentes a tributos indiretos, com fundamento no artigo 166 do CTN, exige-se a prova da não-repercussão do tributo ou autorização do contribuinte de fato para proceder à restituição. O Supremo, por sua vez, editou, primeiramente, a Súmula nº 71, que estabelece que “embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto”, e, a posteriori, a Súmula nº 546, que diz que “cabe restituição do tributo pago indevidamente quando reconhecido por decisão que o contribuinte ‘de jure’ não recuperou do contribuinte ‘de facto’ o quantum respectivo”.

O artigo 170 do CTN não impôs ao contribuinte a condição de provar a não-repercussão contemplada pelo artigo 166 da mesma lei. A referida prova é aplicável apenas para efeito de restituição, sendo defeso ao interprete impor tal óbice, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade, de acordo com o artigo 150, inciso I da Constituição Federal. Para o professor Paulo de Barros Carvalho, os únicos requisitos para a compensação são 1) a reciprocidade de obrigações; 2) a liquidez das dívidas; 3) a exigibilidade das prestações; e 4) a fungibilidade das coisas devidas.

Deve prevalecer a circunstância jurídica, e não a econômica, para efeito de compensação de indébito tributário

Na lição de Hugo de Brito Machado, a classificação dos tributos em diretos e indiretos, conforme a quem caiba assumir o real ônus da incidência tributária, não é absoluta: “A classificação dos tributos em diretos e indiretos não tem, pelo menos do ponto de vista jurídico, nenhum valor científico. É que não existe critério capaz de determinar quando um tributo tem o ônus transferido a terceiro e quando é o mesmo suportado pelo próprio contribuinte. O imposto de renda, por exemplo, é classificado como imposto direto. Entretanto, sabe-se que nem sempre o seu ônus é suportado pelo contribuinte. O mesmo acontece com o IPTU, que em se tratando de imóvel alugado é quase sempre transferido para o inquilino.”

Com efeito, não é possível afirmar que o contribuinte de direito do ICMS transferiu o encargo para o consumidor final, contribuinte de fato eleito por parte da doutrina e acolhido pelos tribunais, sendo indissociável da natureza da exação em razão do princípio da não cumulatividade e da capacidade contributiva. Entendemos que existe somente contribuinte: o de direito, indicado por lei competente e submetido ao regramento tributário, sendo irrelevante a repercussão para o consumidor final. Para Eduardo Domingos Botallo, “somente o contribuinte chamado de jure é parte da relação jurídica tributária; conseqüentemente, somente a ele é atribuível o título jurídico; somente a ele cabe o direito de repetição do tributo indevido e nenhuma condição adicional se lhe pode ser imposta para o exercício desse direito”.

O suposto contribuinte de fato não guarda com o fisco ou com o contribuinte de direito qualquer relação jurídica tributária. Estes têm sua relação regrada pelo direito privado. Cabe ao contribuinte escolhido por lei arcar com o pagamento do tributo. Já o suposto contribuinte de fato – leia-se, o consumidor final – paga o preço do produto ou do serviço. Ressalte-se que a relação entre o contribuinte de direito e o de fato não é oponível ao fisco, em razão do artigo 123 do CTN.

Para Luciano Amaro, o montante objeto do indébito tributário não é sequer tributo, por extrapolar o valor devido pelo contribuinte e, por conseqüência, não há que se perquirir se é direto ou indireto. Impor que, em sede de tributos indiretos, o contribuinte de direito que efetivamente recolheu aos cofres públicos o encargo deva provar que não repassou o ônus tributário no preço do produto ou serviço somente interessa ao fisco e encoraja o Estado a praticar inconstitucionalidades, enriquecendo-se ilicitamente, pois mesmo após o reconhecimento, pelo Supremo, da inconstitucionalidade da exação, valor algum será restituído ou compensado. Deve prevalecer, pois, a circunstância jurídica – e não a econômica – para efeito de compensação de indébito tributário.

Joaquim Rolim Ferraz e Ubaldo Juveniz Jr. são advogados e sócios do escritório Juveniz Jr. Advogados Associados

Fonte: Valor Online

Data da Notícia: 29/08/2007 00:00:00

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