
- Comentário Editorial
Entes federados devem incluir IBS e CBS na base de cálculo do ICMS, ISS e IPI: judicialização à vista?
A reforma tributária brasileira vem ganhando corpo a partir da promulgação da Lei Complementar nº 214/2025, que instituiu o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS). Essa lei é a peça central da nova arquitetura tributária; ela vem na esteira de discussões legislativas e de propostas anteriores (como a PEC 45/2019 e a PEC 110/2019) que buscavam simplificar o sistema, reduzir distorções e racionalizar a cobrança de impostos sobre o consumo de bens e serviços.
O período de transição previsto na regulamentação da reforma ocorrerá em fases, escalonando-se a entrada em vigor dos novos tributos, assim como os ajustes na partilha entre os entes federativos, sendo que a CBS tem previsão de cobrança a partir de 2027, enquanto o IBS (com receita partilhada entre estados, DF e municípios) será implantado de forma gradual a partir de 2029, com mecanismos transitórios e regimes diferenciados até a plena implementação do IBS e da CBS a partir de 2033. Ainda está em tramitação o PLP n° 108/2025, que cria o Comitê Gestor e o regulamento da LC 214/2025, sendo estes os instrumentos legais para operacionalizar a reforma, buscando mitigar choques econômicos e orçamentários.
Uma questão sensível que surge com a transição é a forma de tratar os “impostos antigos” na base de cálculo dos novos tributos, isto é, se e como os valores pagos de ICMS, PIS/Cofins, ISS, ISS, IRPJ/CSLL comporão as bases do IBS e da CBS. Essa questão ganhou contornos práticos após julgamentos recentes que demonstraram interpretações divergentes sobre inclusão/exclusão de tributos na base de cálculo de outros tributos. O tema 69 do STF, a chamada “tese do século”, reconheceu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, mas algumas cortes superiores e o próprio STJ têm decidido, a partir de uma teia de decisões conhecidas como “teses filhotes” que, por exemplo, tributos como PIS/Cofins podem compor a base de cálculo de outros tributos. Essa discussão jurisprudencial demonstra que o tratamento da inclusão de “imposto antigo” na base do novo pode gerar muita controvérsia.
É preciso ter em conta que a não-cumulatividade aparece como um dos pontos fundamentais da reforma tributária, onde o novo IBS e a CBS devem operar com mecanismos amplos de crédito para evitar a tributação em cascata, isto é, permitir o crédito do imposto pago nas etapas anteriores, mitigando a cumulatividade que onera a produção e o investimento. A própria estrutura da LC 214 traz regras gerais e regimes diferenciados com objetivo explícito de não-cumulatividade e de definição clara de créditos e exclusões para dar previsibilidade ao sistema.
Acontece que foi veiculada notícia na última semana em que representantes das três esferas de poder entendem que o silêncio da Lei Complementar n° 214/2025, especificamente em relação ao tema dos “impostos antigos” comporem a base dos novos impostos criados, é motivo para cumulatividade desses tributos, alegando que, caso não ocorra desta forma, a arrecadação seria reduzida de forma crítica. Para evitar leituras como esta, já existe projeto de lei tramitando no Congresso Nacional (PLP n°16/2025) para que se inclua textualmente a não-cumulatividade dos tributos nos dispositivos legais que os regem, seguindo o que preceitua o § 1º, do art. 156-A, da Constituição Federal.
A inclusão de “tributos antigos” na base de cálculo do IBS e da CBS pode representar um rompimento com o princípio da não-cumulatividade, desconsiderando, inclusive, a própria natureza jurídica desses tributos, cujo ônus é suportado pelo consumidor final e não integram a receita bruta das empresas.Tal medida deverá aumentar a carga tributária, inflacionar artificialmente os preços dos bens e serviços, elevar os custos de conformidade e ainda dificultar a fiscalização, indo totalmente de encontro ao espírito da reforma, que pregava a simplificação do sistema como um todo. Caso se entenda pela inclusão do IBS e CBS na base de cálculo dos demais tributos, certamente a judicialização será o caminho necessário para os contribuintes.