Zona Franca de Manaus e a novela da tributação dos créditos presumidos de ICMS
Pedro Neves Marx, Gustavo Vaz Faviero
Passados quase quatro anos do início do julgamento do Tema nº 843 pelo Supremo Tribunal Federal, referente à inclusão créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, os contribuintes ainda aguardam um desfecho do caso.
Reprodução
Relembrando: a partir do voto do então ministro Marco Aurélio, foi firmada a maioria em favor do contribuinte para afastar a tributação de PIS e Cofins incidentes sobre benefícios fiscais estaduais, sob o fundamento de que tais valores são, na verdade, uma renúncia fiscal, não podendo ser considerados espécie de receita.
Contudo, houve pedido de destaque pelo ministro André Mendonça, convertendo o trâmite virtual em presencial, reiniciando o julgamento do tema. Com isso, pode haver mudança de entendimento daqueles que se posicionaram favoravelmente aos contribuintes, permanecendo inalterados apenas os votos proferidos pelos Ministros aposentados.
Nesse ínterim, com a promulgação da Lei nº 14.789/23, o debate ganhou maior relevância devido à revogação do artigo 1º, § 3º, X, da Lei nº 10.637/02 e do artigo 1º, § 3º, IX, da Lei nº 10.833/03. Tal revogação restabeleceu a incidência do PIS e da Cofins sobre as receitas provenientes de subvenções governamentais (crédito presumido de ICMS).
Apesar de ter abrangência nacional, o Tema nº 843 impacta especialmente as indústrias localizadas na Zona Franca de Manaus (ZFM). Isso porque, dentre os inúmeros incentivos a ela concedidos, o crédito estímulo de ICMS previsto na Lei nº 2.826/03 é o que mais se destaca, uma vez que pode reduzir a zero a carga fiscal estadual.
Eventual tributação desse incentivo afetaria profundamente a política de desenvolvimento econômico idealizada para a ZFM, comprometendo sobremaneira a viabilidade de seu projeto industrial.
Não se pode esquecer que, diferentemente de outros benefícios, os incentivos fiscais outorgados à ZFM recebem proteção constitucional expressa desde a sua promulgação (artigos 40, 90 e 92-A do ADCT).
Spacca
Esse arcabouço constitucional traz consequências práticas ao tema, pois o STF já reconheceu, em diversas oportunidades, que a limitação de benefícios da ZFM não é possível em razão da posição federativa diferenciada que lhe foi conferida.
Um exemplo prático a ser mencionado é o caso do creditamento do IPI nas aquisições de insumos não-tributados ou sujeitos à alíquota zero (Tema 322/STF). Apesar de o Supremo ter a interpretação no sentido de que não é possível o creditamento nessas hipóteses, caso a operação envolva a ZFM, essa regra geral pode não ser aplicada e o creditamento ser autorizado.
Probabilidade de distinguishing
Assim, retornando ao Tema nº 843, mesmo na hipótese de o julgamento ser desfavorável aos contribuintes, deve ser realizada uma espécie de excepcionalização (“distinguishing”) no que se refere aos benefícios concedidos às empresas situadas na ZFM, pois o precedente que está sendo analisado não abrange situações envolvendo as empresas instaladas na região.
De maneira acertada, o juízo da 1ª Vara Cível Federal de Manaus, no processo nº 1034037-34.2024.4.01.3200, reconheceu o distinguishing, determinou a não suspensão da tramitação do processo e considerou que o crédito presumido de ICMS concedido pelo Estado do Amazonas não pode ser tributado por PIS/Cofins.
Espera-se que a decisão acertada sirva como alicerce para os próximos capítulos dessa longa disputa.
Pedro Neves Marx, Gustavo Vaz Faviero
Pedro Neves Marx
é advogado, mestrando em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV- SP) e especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) e em Processo Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).
Gustavo Vaz Faviero
é advogado e professor, mestrando em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) e em compliance pela Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).