Tributação no Brasil: o poder de destruir
Por Jimir Doniak Jr.
29/12/2025 9:07 am
Publicado originalmente no Rota da Jurisprudência – APET
Os tributos são elemento indispensável para a vida em sociedade. Mais de uma vez foi afirmado ao longo da história que os tributos são o preço da liberdade, o preço da vida em sociedade. Sem eles não haveria polícia, estradas e ruas, limpeza nas áreas públicas, a organização mais comezinha na vida em sociedade. Isso porque não haveria condições de existência do Poder Público como o conhecemos.
Todavia, tal como a diferença entre o remédio e o veneno pode estar na dose, também os tributos podem envenenar e destruir a sociedade. Daí outra ideia muito repetida ao longo da história: o poder de tributar envolve o poder de destruir. Isso acontece quando a carga tributária é tão elevada que leva, de fato, ainda que aos poucos, à inviabilidade do exercício de atividades econômicas. A elevada tributação sufoca, mata, aos poucos, as atividades econômicas que garantem o bem-estar da sociedade.
A nosso ver, nos aproximamos, perigosamente, desse nível no Brasil dos dias atuais.
Nos últimos anos tivemos uma impressionante série de medidas tributárias que levaram a contínuos e crescentes aumentos de arrecadação. Vejamos algumas dessas medidas:
– Cancelamento de redução do PIS/COFINS de receitas financeiras.
– Retorno da tributação (PIS/COFINS e CIDE) sobre combustíveis.
– Antecipação do término do PERSE referente ao setor de turismo.
– Retirada do ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS/COFINS.
– Aumento dos tributos aduaneiros (“taxa das blusinhas”).
– Recriação do voto de qualidade no CARF favorável à manutenção de lançamentos fiscais.
– Reoneração da folha de pagamentos.
– Tributação periódica dos fundos exclusivos.
– Ônus sobre investimentos societários no exterior (off-shore) de pessoas físicas.
– Incidência dos tributos federais (IRPJ, CSL e PIS/COFINS) sobre benefícios tributários estaduais e subvenções de investimento.
– Instituição do chamado Pillar II por meio do aumento da CSL.
– Retirada de contas da base de cálculo dos juros sobre capital próprio – JCP.
– Aumento do IR na fonte sobre JCP.
– Incremento do IOF concernente a diversas operações.
– Criação de tributo alusivo às bets.
– Restrições à compensação de indébitos tributários.
– Redução genérica de benefícios tributários federais.
– Aumento da margem de lucro presumida no regime de lucro presumido.
– Após 30 anos, restabelecimento da tributação na fonte sobre dividendos.
– Criação do chamado IR-Mínimo sobre pessoas físicas.
– Aumento da CSL sobre certas empresas do setor financeiro.
Pode ser argumentado que algumas dessas medidas teriam uma justificativa em termos de política fiscal e até de justiça tributária.
No entanto, o conjunto das medidas é aterrador. É uma enorme quantidade de medidas tributárias em pouco espaço de tempo.
Em primeiro lugar, ela representou significativo aumento de carga tributária.
Todavia, não somente isso.
Cada novidade no cenário tributário traz consigo custos invisíveis, mas de grande relevância. Planos empresariais e econômicos, construídos a partir de certo cenário tributário, perdem a serventia e outros precisam ser feitos. Novas medidas jurídico-tributárias sempre trazem consigo dúvidas que já tinham sido superadas com as antigas. Sem poder prever exatamente o custo tributário das novas medidas, as empresas tendem a imaginar o pior cenário e fixam seus preços a partir dele. A inflação e o custo de vida em geral aumentam.
Outro ponto negativo: muitas dessas medidas parecem ter sido preparadas de forma açodada, sem maior reflexão, sem a troca de ideias entre diferentes setores da sociedade e da economia. O resultado são medidas falhas, lacunosas, geradoras de ainda maior insegurança jurídica.
Infelizmente, o Congresso Nacional muitas vezes tem se mostrado incapaz de aprimorar, de modo eficaz, as propostas do Executivo. É o que se viu na recente aprovação do retorno à tributação sobre os dividendos. Sem conseguir superar querelas políticas regionais, a má redação da Lei nº 15.270, de 26/11/2025, provocou uma corrida de final de ano entre as empresas para distribuírem dividendos. O resultado foi o esvaziamento do caixa das empresas (atrapalhando planos de investimento) e aumento de dólar (devido a remessas ao exterior).
Ainda há mais: algumas medidas foram adotadas sem o devido respeito a parâmetros jurídicos já consagrados, como a jurisprudência dos tribunais. Exemplar nesse sentido é o novo regime jurídico federal das subvenções para investimento e dos benefícios estaduais: insiste-se na tributação de créditos presumidos de ICMS enquanto o Superior Tribunal de Justiça – STJ tem posição consolidada no sentido de sua impossibilidade.
Veja-se, portanto, que não se trata somente do grande número de medidas tributárias. A qualidade delas também é deplorável.
Tudo isso ocorre em meio ao esforço coletivo de viabilizar a reforma tributária do consumo, que substituirá ICMS, ISS e PIS/COFINS por IBS, CBS e imposto seletivo. É uma mudança de enormes proporções e complexidade. Em lugar de Poder Público (Executivo e Congresso Nacional), empresas e contribuintes estarem focados nessa missão, a atenção fica dispersa, enfrentando a novidade tributária do mês ou, até, da semana. Não é coincidência que somente nos últimas dias de sessão a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei relativo à segunda lei complementar da reforma tributária do consumo que, entre outros pontos, institui o Comitê Gestor do IBS. Em quadro que beira o surreal, a reforma começará a ser implementada (ainda que como teste) em 2026 e até o final de 2025 o Comitê Gestor ainda não tinha uma lei regulamentando-o.
Nesse panorama lamentável, o Judiciário também apresenta seus problemas.
Reconhecemos ser equivocado pretender encontrar no Judiciário a solução para problemas de política tributária e de forma rápida. Isso é querer dele mais do que ele é capaz de entregar. O Judiciário não foi feito para isso. Ainda assim, algumas decisões judiciais agravam a situação.
É o que ocorre com um Supremo Tribunal Federal – STF demasiadamente sensível a questões orçamentárias. Muitas vezes esse dado é utilizado até mesmo como fundamento de mérito da decisão, como ocorreu em 2025 no julgamento a respeito da CIDE-Royalties (também chamara CIDE-Remessas).
A preocupação orçamentária aparece mais frequentemente no uso desmesurado da modulação de efeitos: o tributo ou o aumento tributário é inconstitucional, mas se tolera sua permanência no ordenamento jurídico para evitar maior impacto nas contas públicas. Os resultados são a paulatina perda da força normativa da Constituição e o estímulo à irresponsabilidade pelo Poder Público, que passa a se importar menos com a qualidade das normas, porque age na expectativa de que o Judiciário, ao final, aceitará (ainda que temporariamente) o tributo contrário à Constituição.
O STF passa a agir como se fosse um pai tolerante com as travessuras de seus filhos, que vão ficando mais irresponsáveis. Não à toa, chega-se a brincar que, em temas tributários, STF passou a significar Supremo Tesouro Federal.
Muitos escritórios de advocacia e de contabilidade têm percebido uma consequência do cenário atual: o aumento do número de saídas em definitivo do Brasil, quando contribuintes brasileiros deixam de ser residentes fiscais no Brasil. São empreendedores que preferem desenvolver seus negócios em outros países, jovens em busca de universidades estrangeiras ou recém-formados, executivos brasileiros que trabalham em multinacionais no Brasil e que conseguem vagas no exterior em suas empresas.
É particularmente triste ver aqueles com potencial de fazer o Brasil progredir deixarem nosso país e levarem seus sonhos, coragem, determinação, capacidade de trabalho para o progresso de outras nações.
Precisamos ter consciência de que o excesso de tributação leva à destruição. Precisamos evitar que isso ocorra com o Brasil.
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Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Especialista em Direito Societário pelo INSPER/SP e em Direito Internacional pelo Universitè Jean Moulin (Lyon III). Ex-conselheiro do CARF e autor de diversas obras com o tema da tributação.
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