Tributação de benefício fiscal e o crédito presumido
Francisco Leocádio e Túlio Terceiro Neto Parente Miranda
Recentemente a Medida Provisória (MP) nº 1.185/2023 trouxe profundas alterações nas regras de tributação das subvenções para investimento, assim consideradas as desonerações e vantagens tributárias concedidas às empresas em contrapartida para implementação ou expansão de empreendimentos econômicos. Em paralelo, tramita no Congresso Nacional, em regime de urgência, o Projeto de Lei (PL) nº 5.129/2023, com teor semelhante.
Atualmente, em conformidade com o artigo 30, da Lei nº 12.973/2014, as receitas de subvenção para investimento não são tributadas, podendo não ser computadas no lucro real, desde que seus valores sejam registrados em reserva de lucros e somente utilizados para absorção de prejuízos ou aumento do capital social, sendo vedada a distribuição de lucros aos sócios e situações a ela equiparadas por lei.
Com o advento do novo regramento normativo, caso haja a conversão em lei, as subvenções, inclusive para investimento, devem passar a ser incluídas na base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins. Em compensação, será concedido um crédito fiscal somente de IRPJ, que poderá ser compensado ou ressarcido pelo contribuinte, desde que atendidos os requisitos da lei.
No entanto, caso venha a ser instaurado esse modelo, a mudança não deve conduzir à tributação do crédito presumido de ICMS.
Nessa linha, ainda em 2017, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos Embargos de Divergência (EREsp) nº 1.517.492/PR, decidiu que a União não teria competência para tributar os créditos presumidos de ICMS, de modo que seus valores não caracterizariam lucro, renda ou receita tributável.
A Corte Superior entendeu que a tributação pelo IRPJ e pela CSLL do crédito presumido de ICMS ofenderia o pacto federativo, visto que a União estaria cobrando tributos sobre receitas renunciadas por outro ente da federação, o que configuraria uma indevida intromissão na política fiscal de um Estado-membro e iria de encontro à imunidade recíproca, que proíbe as pessoas políticas de cobrar impostos umas das outras.
Depois do julgamento, a União passou a defender que o entendimento adotado pelo STJ deveria ser revisto, pois teria sobrevindo a Lei Complementar nº 160/2017, que, embora tivesse flexibilizado o regime normativo de tributação dos benefícios fiscais de ICMS, manteve as citadas exigências do artigo 30 da Lei nº 12.973, para excluir tais valores da base cálculo do IRPJ e CSLL.
O STJ, em sucessivos julgamentos, afastou a argumentação fazendária, sustentando que as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 160 não seriam relevantes para a tributação do crédito presumido de ICMS, pois independentemente da sua classificação fiscal e contábil (subvenção para custeio, subvenção para investimento ou recuperação de custo) a conclusão do julgamento não seria afetada.
Logo, segundo as razões de decidir da Corte Superior, os valores dos créditos presumidos de ICMS poderiam não ser computados no lucro real, não sendo necessário para tanto registrá-los em reserva de lucros e destiná-los ao aumento do capital social ou absorção de prejuízo.
Essa linha de raciocínio ainda foi reforçada pelo recente julgamento do Tema nº 1.182 de recurso repetitivo, por meio do qual o STJ, em precedente vinculante, reconheceu que o crédito presumido de ICMS tem peculiaridades em relação aos demais benefícios fiscais (tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros), pois tem uma natureza positiva, correspondendo a transferências de recurso do Estado ao contribuinte por meio de concessão de créditos escriturais. Ou seja, a concessão desse tipo de benefício fiscal representaria uma efetiva renúncia do Estado, uma vez que não há o “efeito de recuperação” nas etapas subsequentes, ao passo em que nos demais benefícios ocorre um “diferimento de incidência” do imposto, já que, em regra, o Estado consegue recuperar nas etapas posteriores os valores que deixaram de ser recolhidos.
O órgão julgador, ao tratar do alcance do julgamento do EREsp nº 1.517.492, concluiu que a orientação da 1ª Seção apenas excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, não se estendendo aos demais benefícios fiscais do imposto estadual.
Tendo em vista que a Corte Superior, inclusive em decisão de observância obrigatória, adotou o posicionamento de que a União não pode tributar o crédito presumido de ICMS, independentemente do regramento legal conferido às subvenções tributárias, as mudanças que venham a ser promovidas, com a eventual instauração de nova disciplina normativa, não devem alcançá-lo.
Assim, seguindo a sólida posição do STJ, a quem incumbe a missão uniformizar a interpretação das leis, o regime de tributação do crédito presumido de ICMS não deve sofrer modificação, de maneira que a União permanece desprovida de poder para tributá-lo.
Espera-se, portanto, que, nesse contexto, a jurisprudência do tribunal seja respeitada, mantendo-se seus posicionamentos estáveis, íntegros e coerentes, como impõem o princípio da segurança jurídica e, expressamente, o próprio artigo 926 do CPC.
Francisco Leocádio e Túlio Terceiro Neto Parente Miranda
Francisco Leocádio e Túlio Terceiro Neto Parente Miranda são, respectivamente, mestre e doutor em direito tributário pela PUC-SP, professor da pós-graduação da PUC-SP, coordenador e professor do IBET e sócio do Souza Okawa Advogados; e mestre em direito tributário pela USP, professor do IBET e sócio do Rivitti Dias Advogados