Transação tributária e a regularização de R$ 200 bi

Por João Colussi e Marcelo Guimarães Francisco

A transação como hipótese de extinção do crédito tributário estava prevista no Código Tributário Nacional (CTN) desde 1966 e, a despeito de discussões sobre sua eventual eficácia e potencial de regularizar as dívidas ativas, gerando receita para a União, sua implementação pendia da edição de leis e normas que as regulamentasse.

Esse processo só começou a avançar após mais de meio século, em 2019, quando foi editada a Medida Provisória nº 899/2019, convertida na Lei nº 13.988/2020. Em 2020, foi publicada a Portaria ME nº 247, que disciplinava os critérios e procedimentos para transação por adesão relativa a contenciosos de relevante controvérsia jurídica e de pequeno valor. Na sequência, foi publicado edital para transação relativa ao contencioso envolvendo a amortização das despesas de ágio.

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Passado um ano, em 2021, surge o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, programa de transação voltado ao setor de eventos, regulando a possibilidade de transação de créditos inscritos em dívida ativa da União, prevendo a concessão de descontos e parcelas calibradas de acordo com a capacidade de pagamento de cada contribuinte.

Já neste ano, foram publicadas as Portarias PGFN nº 6757/2022 e RFB nº 208/2022, agregando maior tração à modalidade de recuperação de créditos pela via da transação, regulamentando as normas relativas aos créditos de competência da PGFN e daqueles ainda em trâmite no contencioso administrativo, de competência da Receita Federal, desta vez de forma ampla, não mais restrita aos contribuintes do setor de eventos.

No turbilhão dessas medidas, a transação representa importante marco por provocar uma mudança na cultura na relação entre Fisco e contribuinte. Quando se trata de matéria tributária, não se pode compreender interesse público apenas como o aumento da arrecadação a qualquer custo, pois asfixiar o contribuinte poderá provocar o resultado inverso ao pretendido.

Isso se concretizou em ambas as portarias, PGFN nº 6757/2022 e RFB nº 208/2022, nas quais há previsão de que um dos objetivos da transação é viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira do sujeito passivo, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora e do emprego dos trabalhadores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Os avanços da transação tributária, como forma eficiente de arrecadação, são surpreendentes, revelando que foi subestimada, pois, à época da edição da Medida Provisória nº 899/2019, a exposição de motivos indicava que a projeção conservadora de arrecadação com a transação em 2021 seria de R$ 5,914 bilhões.

Em 2020, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) reportou que foram negociados mais de 800 mil débitos no valor de R$ 81,9 bilhões, envolvendo cerca de 60 mil pessoas físicas e 140 mil pessoas jurídicas. De acordo com o mesmo relatório, atualizado com dados relativos ao ano de 2021, a transação representou arrecadação de nada menos que R$ 200 bilhões, sendo 20% do total da receita.

Salta aos olhos a cifra de R$ 200 bilhões como “valor regularizado por transação tributária”, somente no ano de 2021. Na esfera federal, somadas as transações de 2020 e 2021, os números oficiais montam R$ 300 bilhões.

Para os céticos, há que se rememorar que, historicamente, a PGFN recupera, anualmente, menos de 1% dos créditos inscritos em dívida ativa. Nesse ritmo, seriam consumidos mais de cem anos para recuperar o estoque atual, equivalente a R$ 2,8 trilhões.

Vale lembrar os respectivos valores inscritos em dívida ativa e os valores recuperados a cada ano – cerca de 1%, para que se tenha um parâmetro. Em 2017, o estoque da dívida ativa montava exatos R$ 2 trilhões e o valor recuperado foi de R$ 26,1 bilhões; em 2018, o estoque cresce para R$ 2,19 trilhões com a recuperação de 23,9 bilhões, sendo R$ 11 bilhões em programas oferecendo benefícios fiscais; em 2019, o estoque salta para R$ 2,43 trilhões e o recuperado foi de R$ 24,47 bilhões; em 2020, o estoque montava 2,5 trilhões e o valor recuperado foi o equivalente a R$ 25,7 bilhões.

Por João Colussi e Marcelo Guimarães Francisco

João Colussi e Marcelo Guimarães Francisco são, respectivamente, sócio e advogado do escritório Mattos Filho

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