Suspensão de imunidade de contribuições sociais: futurologia para entidades beneficentes

Thais de Laurentiis

Tributário
A imunidade das entidades beneficentes de assistência social relativamente às contribuições sociais tem como matriz constitucional o artigo 195, §7º da Constituição, cujo texto delega à lei a função de dar os parâmetros necessários, tanto para os contribuintes como para as autoridades certificadoras e fiscalizadoras, a respeito do gozo da imunidade.

Dentro desse contexto da competência que lhe foi outorgada pelo artigo 195, §7º da CF, o tema dos requisitos para a fruição da imunidade (remuneração de dirigentes, certidões negativas, manutenção de escrituração contábil, não distribuição de resultados, etc.) trazidos pela lei ordinária em contraposição à disciplina da lei complementar — artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN) —, foi motivo de conhecidíssimas disputas [1].

Porém, esse não é hoje o nosso foco. O ponto que buscamos explorar nesta coluna diz respeito ao procedimento para suspensão ao direito à imunidade dessas entidades e do respectivo lançamento para cobrança de contribuições sociais eventualmente devidas ao fisco federal.

Assolapado por mudanças legislativas, decisões do STF e imprecisões conceituais, o Carf será instado a se manifestar sobre a matéria de forma mais precisa do que fora feito até o presente momento. É o que pensamos, com base na experiência, na jurisprudência do Carf e num quê de futurologia.

Regra declarada inconstitucional pelo STF e subsequente inovação legislativa

Durante a vigência da Lei nº 12.101/2009, o seu artigo 32 cuidava da sequência de atos para suspensão da imunidade e consequente cobrança de contribuições sociais sobre fatos geradores passados, com a seguinte determinação: constatado o descumprimento dos requisitos exigidos para fruição de imunidade pela entidade beneficente ou de assistência social, a fiscalização da Secretaria da Receita Federal deveria lavrar auto de infração relativo ao período correspondente e relatar os fatos que demonstrassem o não atendimento dos requisitos para o gozo da imunidade.

O §1º do citado artigo 32 esclarecia o caput, explicando que a suspensão da imunidade ocorreria automaticamente sobre todo período em que se constatasse o descumprimento dos requisitos legais. O dispositivo afirmava ainda que o lançamento correspondente teria como termo inicial a data da ocorrência da infração que lhe deu causa.

Todavia, essa disposição fora entendida como contrária à Constituição pelo STF, em 2020, por ocasião do julgamento da ADI nº 4.480/DF. A razão para a declaração de inconstitucionalidade material do artigo 32, §1º da Lei nº 12.10/2009 encontra-se sintetizada no seguinte trecho do voto do ministro relator, Gilmar Mendes:

O referido dispositivo, a meu ver, encontra-se em clara afronta ao inciso LV do artigo 5º da Constituição, uma vez que determina a “suspensão automática” do direito à isenção, sem a garantia do contraditório e da ampla defesa, conforme assegurado no citado dispositivo constitucional.

Nesses termos, entendo estar eivado de inconstitucionalidade material o artigo 32, § 1º, da Lei 12.101/2009.

Spacca
Justamente porque foi declarada tal inconstitucionalidade do dispositivo, ofensivo ao direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa, o procedimento previsto para disciplinar a suspensão de imunidade tributária foi amplamente reformado pela Lei Complementar nº 187/2021, que revogou inteiramente a Lei nº 12.101/2009.

Numa síntese, o procedimento é agora demarcado pelo artigo 38 da LC 187/2021 da seguinte forma: o processo administrativo fiscal (PAF) para a cobrança das contribuições sociais está condicionado à instauração de processo administrativo anterior, que avaliará a observância dos requisitos legais para a fruição da imunidade pela autoridade certificadora competente, no qual o contribuinte poderá defender o cumprimento de todas as delimitações estabelecidas pela lei (artigo 3º, incisos I a VIII da LC 187/2021).

Por isso é que o dispositivo determina que o PAF fique suspenso, aguardando a decisão sobre o cancelamento ou não da certificação pela autoridade competente (artigo 38, §2º da LC 187/2024).

Frisamos que a certificação da contribuinte permanecerá válida até a data da decisão administrativa definitiva sobre o seu cancelamento (artigo 38, §5º da LC 187/2024). Finalizado o processo administrativo perante a autoridade executiva federal com o cancelamento a certificação, a Receita será comunicada para que haja lavratura do respectivo auto de infração ou que seja dada continuidade ao processo administrativo fiscal suspenso, sendo que os efeitos do cancelamento da imunidade tributária retroagirão à data em que houver sido praticada a irregularidade pela entidade (artigo 38, §6º da LC 187/2024).

Aproximação ao procedimento da Lei nº 9.430/96
Percebe-se que tal determinação do artigo 38 da LC 187/2021 em muito se aproxima à regra para os lançamentos dos tributos federais, há muito conhecida, segundo a qual, para a suspensão da imunidade tributária é indispensável a expedição de prévio ato declaratório suspensivo do benefício – ato declaratório executivo (ADE) –, conforme o rito previsto no artigo 32 da Lei nº 9.430/96 [2].

Vale ressaltar que embora o artigo 32 da Lei nº 9.430/1996 faça remissão ao artigo 150, VI, “c” da Constituição, a qual se refere unicamente a “impostos” (não a “tributos”, de modo a abarcar igualmente as contribuições) para suspensão de imunidades e lançamentos tributários correspondentes, a 1ª Turma da CSRF já se manifestou no sentido de que se trata de regra obrigatória não só para os impostos, mas também outras espécies tributárias (PIS/Cofins no caso concreto julgado no Acórdão nº 9101-005.857).

Pois bem. A leitura do artigo 32 da Lei nº 9.430/1996 não deixa dúvidas de que, para a suspensão da imunidade por falta de observância dos requisitos legais, a fiscalização tributária expedirá notificação fiscal, na qual relatará os fatos que determinam a suspensão do benefício, indicando inclusive a data da ocorrência da infração.

A partir daí, a entidade poderá, no prazo de trinta dias da ciência da notificação, apresentar as alegações e provas contra tal suspensão. Ato subsequente, a RFB decidirá sobre a procedência das alegações da entidade, expedindo ADE, no caso de improcedência, dando, de sua decisão, ciência à entidade.

Somente a partir daí, quando já efetivada a suspensão da imunidade, a entidade interessada poderá, no prazo de trinta dias, apresentar impugnação ao ato declaratório, a qual será objeto de decisão pela DRJ competente.

A seu turno, a fiscalização de tributos federais lavrará auto de infração, se for o caso, contra o qual entidade interessada disporá de todos os meios legais para impugnar os fatos que determinam a suspensão do benefício.

O Carf já teve a oportunidade de bem definir tais passos, sendo que merece destaque, pela didática, o Acórdão 1201-003.440.

Verifica-se, portanto que, atualmente, não pode haver a constituição de crédito tributário contra entidade imune, sem que, previamente, tenha sido prolatada decisão administrativa de exclusão/suspensão da imunidade ou isenção, tanto nos termos do artigo 32 da Lei nº 9.430/96, quanto nos termos do artigo 38 da LC nº 187/2021, esse último especialmente destinado às contribuições sociais.

Desrespeito ao procedimento da LC 187/2021 é causa de nulidade
Assim, qualquer lançamento de crédito tributário federal apenas pode ser constituído após procedimento específico para a suspensão da imunidade, o qual assegura à entidade beneficente de assistência social a apresentação de alegações e provas para instruir a decisão a ser tomada pela autoridade certificadora competente.

Autos de infração que eventualmente afastem a imunidade e, ao mesmo tempo, realizem lançamentos dos créditos tributários para cobrança de contribuições sociais, na contramão da legislação ora vigente (artigo 38 da LC 187/2021), trazem a seguinte consequência: no mesmo exíguo prazo contado em dias corridos, os contribuintes deverão apresentar alegações e provas para se defender contra as acusações que ensejaram o afastamento da imunidade e, ainda, apresentar alegações e provas para se defender contra o efetivo lançamento do crédito tributário.

Tal situação representa afronta ao direito de contraditório e defesa dos contribuintes, conforme a inteligência firmada pelo STF no julgamento da ADI 4.480, sendo, portanto, causa de nulidade, nos termos do artigo 59, inciso II, do Decreto 70.235/72.

Qual nulidade? Vício material ou formal?
Nesse ponto, cumpre lembrar que são anuláveis as autuações fiscais que apresentam vícios nos pressupostos protocolares (vício formal), os quais integram o procedimento preparatório do lançamento; e nulas aquelas que apresentam vícios nos requisitos substanciais (vício material), os quais decorrem da norma jurídica tributária.

Os vícios formais, ao contrário dos materiais, são aqueles que não interferem no litígio propriamente dito, ou seja, correspondem a elementos que não se relacionam a critérios de subsunção da norma individual e concreta com a norma geral e abstrata que institui o tributo.

Ou seja, circunscrevem-se a exigências legais para a garantia da integridade do lançamento como ato de ofício, mas não pertencem ao seu conteúdo material. É o caso da assinatura do fiscal autuante, por exemplo.

De outro lado o vício material é aquele que macula a exigência, recaindo sobre a própria constituição do crédito exigido, posto que vinculado à aferição e caracterização de elementos sine qua non para a existência materialidade tributável, atingindo, por conseguinte, o próprio lançamento.

Especificamente sobre o tema ora em apreço, a dúvida que exsurge então é se eventual desrespeito do procedimento previsto no artigo 38 da LC 187/2021 implica vício formal ou material

A 1ª Seção de Julgamento do Carf, acostumada com o tema em razão da longevidade do citado artigo 32 da Lei nº 9.430/96 — que como visto acima, apresenta rito semelhante àquele atualmente trazido ao artigo 38 da LC 187/2021 —, reconhece que a ausência de ato declaratório de suspensão da imunidade, como requisito para lavratura do auto de infração tributário, enseja a nulidade por vício material do lançamento.

Tal entendimento prevalece tanto no âmbito das turmas ordinárias (e.g. Acórdãos 1401-006.860) como da 1ª Turma da CSRF (e.g. 9101-003.586 e 9101-005.857).

Ocorre que, recentemente a 2ª Turma da CSRF, proferiu julgamento sobre a matéria em sentido oposto, o que merece nossa atenção. Trata-se do Acórdão nº 9202-011.148, de 28 de fevereiro de 2024.

Antes de adentrar especificamente no tema ao qual se dedica a presente coluna, cumpre destacar a questão da própria competência para julgamento do caso no Carf.

O caso sob julgamento no Acórdão nº 9202-011.148 dizia respeito à CSLL, o que poderia causar espanto, uma vez que a competência originária para essa matéria é da 1ª Seção de Julgamento do Carf, e não da 2ª (artigo 43, II do Ricarf).

Embora não seja mencionado no julgado e a par das nossas críticas sobre o tema, infere-se que a razão para essa alocação é a norma permissiva de extensão de competência de matéria alheia àquelas tradicionalmente conhecidas das três seções de julgamento do Carf, posta no artigo 46, I do Regimento Interno.

Interessante ainda destacar que o voto vencido do julgado inicia afirmando que embora a CSLL seja uma contribuição social, por força do artigo 6º da Lei nº 7.689/1988 (dispositivo que traz a essa contribuição as disposições legais do imposto de renda), seria necessário observar a Lei 9.430/96 para a resolução da lide.

Frise-se que (1) o voto vencedor não apresentou qualquer divergência com relação a esse ponto; (2) esse argumento não é o mesmo daquele apresentado pela 1ª Turma da CSRF para extensão da Lei nº 9.430/96 para as contribuições sociais, uma vez que tal extensão acontece inclusive relativamente ao PIS/Cofins (cf. Acórdão nº 9101-005.857), que em nada tomam emprestado os elementos identificadores do IRPJ.

Passando especificamente à dúvida sobre a natureza do vício atinente ao desrespeito ao rito posto no artigo 32 da Lei nº 9.430/96, o voto vencedor apresenta a divergência que prevaleceu no Colegiado, no sentido de que a existência de ato declaratório suspensivo de imunidade é requisito essencial para o lançamento da CSLL em razão da suspensão da imunidade. Todavia, a sua falta representa, no entendimento do Colegiado, vício de natureza formal, pois diria respeito ao procedimento de lavratura do auto de infração.

Disto já se percebe a clara divergência a respeito da interpretação do artigo 32 da Lei nº 9.430/96, quando comparamos o Acórdão 9202-011.148 aos julgamentos da 1ª Seção do Carf sobre o tema.

Teremos um contencioso sobre a nova lei? Um novo tema para o Pleno?
Há ainda mais um ponto interessante sobre o Acórdão nº 9202-011.148: olhando para o período de apuração lá em julgamento (2008), voto vencedor afirma: “veja-se, por exemplo, o que se tem na fiscalização das contribuições previdenciárias. Não há exigência legal a que o Fisco lavre – previamente — um ato de suspensão da isenção/imunidade para, a partir de então, constituir o crédito que entender cabível, desde que, por óbvio, exponha os motivos pelos quais entende que o sujeito passivo não faz jus ao benefício”.

Ocorre que, com o advento da LC 187/2021, há desde então previsão de procedimento prévio de suspensão da imunidade para o âmbito das contribuições sociais (inclusive as contribuições previdenciárias, portanto), o qual condiciona o lançamento tributário (artigo 38 da LC 187/2021).

Por conseguinte, se infelizmente a fiscalização federal não observar o artigo 38 da LC 187/2021, como não observa muitas vezes o artigo 32 da Lei nº 9.430/96, num futuro próximo, a 2ª Seção do Carf se deparará, inclusive julgando casos de sua competência originária, mais recorrentemente com um contencioso já conhecido pela 1ª Seção, a respeito do efeito da falta de observância do rito legal previsto para suspensão de imunidade e subsequente lavratura de auto de infração de contribuições sociais.

Que, nesse futuro, haja amadurecimento sobre a matéria, do contrário, restará ao Pleno da CSRF uniformizar as decisões divergentes das Turmas da CSRF, por meio de resolução, tendo muitas entidades beneficentes de assistência social sofrido com longos períodos de desgastante durante a espera da palavra final do contencioso administrativo. Que, jogadas as cartas, tenhamos um belo final, ficando a tragédia destinada àqueles que buscam a futurologia para o realismo pessimista da cartomante de Machado de Assis.

[1] Especificamente sobre o Cebas, já pudemos escrever na seguinte oportunidade: https://www.conjur.com.br/2021-mar-03/direto-carf-permanece-exigencia-cebas-imunidade-contribuicoes-sociais/ .

[2] Sobre o tema a nulidade de autos de infração antes da notificação de suspensão da imunidade: https://www.conjur.com.br/2020-jun-24/direto-carf-carf-anula-autos-lavrados-antes-notificacao-suspensao-imunidade/

Thais de Laurentiis

advogada, sócia do escritório Rivitti e Dias Advogados, doutora e mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP, com período na Sciences Po/Paris, especialista pelo Ibet, graduada pela Faculdade de Direito da USP, árbitra no CBMA, professora do mestrado profissional do IBDT, professora de Direito Tributário em cursos de pós-graduação e extensão universitária e ex-conselheira titular do Carf na 1ª e da 3ª Seção de Julgamento.

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