Substituição tributária do ICMS nas operações interestaduais com armazéns gerais

Leandro Bonadia Fernandes

Introdução

Em momentos onde a proximidade dos clientes e a otimização logística não representam mais somente reserva de mercado e redução de custos, mas sim critério de sobrevivência dos negócios e manutenção da lucratividade, a utilização de Operadores Logísticos Multimodais vem se tornando realidade.

Dentre as alternativas logísticas existentes neste mercado tão engenhoso como o brasileiro, as armazenagens interestaduais nos Estados dos maiores clientes vêm ganhando espaço (traduzindo proximidade do cliente) e as equipes técnicas dos Armazéns Gerais estão cada vez mais especializadas no cumprimento das obrigações tributárias de seus depositantes, sobretudo no que concerne ao ICMS.

Esta especialização, sem dúvida, é um desafio e vem sendo constantemente colocada à prova com as inúmeras regras de substituição tributária do ICMS, tanto no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – “CONFAZ” (Convênios e Protocolos) quanto no estadual (Regulamentos e normas esparsas internas).

A intenção deste artigo é, portanto, alertar os Contribuintes sobre os potenciais reflexos da substituição tributária nas armazenagens interestaduais, indicando resumidamente caminhos para que as celeumas enfrentadas sejam solucionadas.

Das operações interestaduais com armazéns gerais

Antes de adentrarmos na questão central, importa ressaltar algumas particularidades das operações com Armazéns Gerais (ora identificado pela sigla “AG”), posto que determinados preceitos são fundamentais para a perfeita compreensão da substituição tributária em operações desta natureza.

Quando um contribuinte do ICMS (ora chamado de “Depositante”) armazena suas mercadorias em um AG localizado em outro Estado (para aproximar o estoque de seus clientes – operação focada neste artigo), esta operação, embora não demande faturamento propriamente dito e não corresponda a uma operação efetivamente comercial (i.e. carece de intuito mercantil), por disposição legal deve ser tributada pelo ICMS.

O AG, quando a mercadoria for vendida pelo Depositante a um determinado cliente (ora chamado de “Adquirente”) na Unidade Federada da armazenagem, deverá atuar como responsável tributário e recolher o ICMS da operação interna, à qual é atribuído o nome de “Remessa por Conta e Ordem de Terceiros”.

Em termos ilustrativos e sem falar por ora em substituição tributária, via de regra temos o seguinte cenário (conforme Convênio SINIEF s/nº de 1970):

Dos reflexos da substituição tributária do icms nas armazenagens interestaduais

Ocorre que, com a instituição e atualização constante das regras de substituição tributária, as operações acima estão recebendo interpretações distintas e sofrendo restrições por Autoridades Fiscais ao longo do território nacional, merecendo portanto atenção especial.

Um dos principais pontos que merece abordagem nesta estrutura, foco principal deste artigo, trata da primeira operação, qual seja, da armazenagem interestadual.

Isto porque, com a avalanche de regras que vêm sendo editadas ao longo dos anos, sobretudo de 2009 em diante, muitas empresas passaram a ter problemas em Postos de Fiscalização nas entradas dos Estados em função da falta de recolhimento do ICMS retido por substituição tributária (“ICMS-ST”).

Este problema, que ainda divide opiniões e acredito estar longe de uma solução harmônica, acaba gerando contratempos operacionais e muitas vezes desgastando as relações comerciais entre operador logístico (AG) e seus clientes (Depositantes), não somente pelo custo adicional gerado na operação mas também por conta do delay nas entregas de mercadorias (uma das maiores preocupações logísticas hoje em dia) e a inevitável incorrência em penalidades contratuais.

Com vistas a mitigar os riscos de enfrentar problemas desta natureza e acabar conhecendo-os da pior forma possível, ou seja, com o motorista do caminhão reportando a apreensão de mercadorias ou a liberação mediante ciência da lavratura de Auto de Infração, elenco abaixo alguns procedimentos prévios de suma importância:

1. Identificar se os Estados de origem (Depositante) e destino (AG) firmaram Convênios ou Protocolos junto ao CONFAZ para a substituição tributária do ICMS em relação às mercadorias em remessa para armazenagem;

– Neste caso, a depender dos Estados envolvidos e das regras decorrentes do Convênio/Protocolo firmado (1), é possível que a própria remessa para armazenagem enseje o recolhimento do ICMS-ST na origem (2).

2. Caso não tenham sido firmados Convênios/Protocolos, avaliar na legislação do Estado de destino (AG) se há regra para antecipar o recolhimento do ICMS na entrada do território estadual (“primeira barreira”) (3);

– Embora esta regra seja mais comum para adquirentes atacadistas e centros de distribuição (ou centrais de distribuição), há alguns Estados que a aplicam indiscriminadamente, independentemente da pessoa do adquirente ou da natureza da operação, sob o argumento de otimizar o controle arrecadatório em seu território (como já vivenciei caso pontual em Estado do centro-leste da região Nordeste).

3. Se não houver as exigências referidas acima, avaliar, também na legislação do Estado de destino (AG), se há regra impondo a substituição tributária na saída (interna) do AG (aqui estou falando do ICMS das operações subsequentes – ST, não do ICMS que o AG já é responsável por recolher “em nome do Depositante”, como visto inicialmente).

Ilustrando o cenário anterior com os apontamentos acima, teríamos:

(A) Verificar a existência de Convênios/Protocolos firmados entre os Estados, determinando a exigência na origem do ICMS-ST;

(B) Avaliar na legislação do Estado de destino se há exigência de antecipação do ICMS na entrada do território estadual;

(C) Avaliar na legislação do Estado de destino se o AG é responsável pelo ICMS-ST por ocasião das saídas (internas).

Agindo com a cautela cima, ainda que trabalhosa e especializada, os Depositantes e AGs tendem a mitigar os riscos de questionamento fiscal, sobretudo durante o trânsito da mercadoria.

Por derradeiro, destaco, como alternativa, que grande parte dos Estados já disponibilizou canal de acesso para a negociação e obtenção de Regimes Especiais para “deslocar” a substituição tributária para a saída (figura do “substituto universal”), inclusive no caso de AGs, sendo que alguns Estados já formalizaram regras específicas para este procedimento.

Existem também outras formas de “customizar” a substituição tributária via Regime Especial, sobretudo em casos onde as operações nitidamente não são aquelas que o legislador buscou atingir (gerando prejuízos reflexos aos contribuintes pleiteantes). Porém, nestes casos a avaliação deve realmente ser personalizada e as tratativas avaliadas caso a caso.

Notas

(1) Notem que a maioria dos Protocolos traz expressamente determinadas hipóteses de exclusão da regra de recolhimento do ICMS-ST na origem, porém sem tratar das operações específicas com AG. Como exemplo, vejamos o texto da vigente da cláusula segunda do Protocolo ICMS nº 31/09 (operações com eletroeletrônicos entre contribuintes de SP e MG): “Cláusula segunda – O disposto neste protocolo não se aplica: I – às transferências promovidas pelo industrial para outro estabelecimento da mesma pessoa jurídica, exceto varejista; II – às operações que destinem mercadorias a estabelecimento industrial para emprego em processo de industrialização como matéria-prima, produto intermediário ou material de embalagem; III – às operações que destinem mercadorias a sujeito passivo por substituição que seja fabricante da mesma mercadoria; IV – às operações interestaduais promovidas por contribuinte varejista com destino a estabelecimento de contribuinte localizado no Estado de São Paulo; V – às operações interestaduais destinadas a contribuinte detentor de regime especial de tributação que lhe atribua a responsabilidade pela retenção e recolhimento do ICMS devido por substituição tributária pelas saídas de mercadorias que promover. (…)”

(2) Sem entrar no mérito da plausibilidade jurídico-tributária ou não da exigência do ICMS-ST na origem no caso sub examine (que inclusive pode gerar distorções na base de cálculo e recolhimento do imposto retido), o fato é que as Autoridades Fiscais estão efetivamente manifestando este entendimento (embora não harmônico), como se verifica da seguinte resposta à consulta pelas Autoridades Fiscais Mineiras:
“Consulta nº 222/2010, PTA nº : 16.000319119-66, Origem: São Paulo – SP
Ementa: ICMS – Substituição Tributária – Peças, Componentes e Acessórios de Produtos Autopropulsados – Remessa para Armazém Geral – O estabelecimento industrial situado nas unidades da Federação com as quais Minas Gerais tenha celebrado protocolo ou convênio para a instituição de substituição tributária, nas remessas das mercadorias relacionadas na Parte 2 do Anexo XV do RICMS/02 para estabelecimento de contribuinte deste Estado, inclusive armazém geral, é responsável, na condição de sujeito passivo por substituição, pela retenção e pelo recolhimento do ICMS devido nas operações subseqüentes realizadas.”

(3) O Estado de São Paulo, ao tratar das operações específicas com AGs paulistas, “deslocou” a exigência do ICMS-ST da entrada para o momento da saída das mercadorias dos AGs, conforme se verifica dos §§ 2ºs dos artigos 313 (A a Z-19) do Regulamento do ICMS/SP (na redação do Decreto nº 54.375/09).

Leandro Bonadia Fernandes

Advogado e Consultor em São Paulo. Graduado em Direito pela Universidade Paulista. Especialista e Pós-Graduado em Direito Tributário pela Associação Paulista de Estudos Tributários – APET e pela Fundação Getúlio Vargas – GVlaw, respectivamente. Especializado em Planejamento Tributário pela Associação Paulista de Estudos Tributários – APET e em Gestão Tributária e Liderança pela Fundação Getúlio Vargas – GVpec.

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