STJ veda alteração do fundamento legal da CDA na execução fiscal

Por João Colussi

13/10/2025 12:00 am

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos, firmou a tese no Tema 1.350 de que não é possível à Fazenda Pública, mesmo antes da sentença nos embargos à execução, substituir ou emendar a Certidão de Dívida Ativa (CDA) para incluir, complementar ou modificar o fundamento legal do crédito tributário. Em termos simples, após a constituição do crédito e a inscrição em dívida ativa, não se pode trocar a base normativa que sustenta o título executivo no curso da execução fiscal.

A importância prática é evidente. A CDA espelha o lançamento e a inscrição; mexer no fundamento jurídico do crédito — como trocar o dispositivo legal que o embasa ou requalificar a natureza do tributo — não é correção de forma, mas revisão material do lançamento. E revisão material não se faz por emenda do título em juízo: exige retorno à via administrativa, com contraditório, eventual novo lançamento (se ainda viável) e nova inscrição.

Essa orientação convive com a possibilidade, já consolidada, de corrigir erros materiais ou formais da CDA até a sentença em embargos, desde que não se altere o lançamento nem o sujeito passivo. Seguem válidas correções de numeração, CPF/CNPJ, datas, pequenas inexatidões descritivas ou ajustes aritméticos que não atinjam a essência do crédito. O que se veda é interferir na “alma” do título: o suporte normativo do lançamento.

Alguns exemplos ajudam a visualizar o alcance. Primeiro, se o município ajuizou execução por ISS, mas a legislação citada na CDA refere-se a IPTU, não cabe “corrigir” a base legal do título no processo; o caminho é refazer o lançamento e inscrever nova CDA. Segundo, se a Fazenda pretende acrescentar, na CDA já em execução, dispositivos que não integraram o lançamento para justificar multa diversa, também não pode: trata-se de alteração do fundamento legal, que reclama novo lançamento. Terceiro, se a CDA traz o CNPJ do devedor com um dígito trocado, a emenda é possível, pois se trata de erro formal, sem modificação do sujeito passivo nem do fundamento do crédito.

Efeitos para a Fazenda e para o contribuinte
Os efeitos práticos são relevantes para ambas as partes. Para a Fazenda, a tese exige maior rigor na constituição e na inscrição do crédito: identificado vício substancial, a providência adequada é voltar ao procedimento administrativo e refazer o lançamento, com atenção aos prazos decadenciais e prescricionais. Para contribuintes, o entendimento reforça a impugnação de títulos que tentem “consertar” a base legal no curso da execução; por outro lado, vícios meramente formais, quando sanáveis sem tocar o mérito do lançamento, não conduzem, por si, à extinção da execução.

Por ter sido proferida na sistemática dos repetitivos, a decisão vincula os órgãos do Poder Judiciário em casos semelhantes, nos termos do regime de precedentes qualificados do Código de Processo Civil. Na prática, também orienta a atuação de órgãos e tribunais administrativos, que devem alinhar seus procedimentos ao entendimento consolidado, sob pena de retrabalho institucional e provável revisão judicial. Processos em curso com decisões divergentes tendem a passar por juízo de retratação nos tribunais de origem, e execuções baseadas em emendas indevidas do fundamento legal da CDA têm elevada probabilidade de insucesso.

Em síntese, o STJ reforçou a segurança jurídica na execução fiscal: a emenda da CDA não pode servir para reescrever a motivação legal do lançamento. Se o vício é de fundamento, a solução não está no processo executivo, mas na reconstrução administrativa do crédito, com novo lançamento e nova inscrição, quando cabível.

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é sócio da área tributária do escritório Mattos Filho.

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