Split payment e fluxo de caixa na reforma

Por Daniel Loria

01/12/2025 12:00 am

Escrevi neste espaço (22/8) sobre o sistema fechado que está sendo criado com a reforma tributária do consumo. O Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) brasileiro funciona como um circuito elétrico em que cada empresa se conecta ao elo anterior (seu fornecedor) e ao elo seguinte (seu cliente), sem falhas ou interrupções. O débito tributário pago por uma empresa se transforma em crédito da próxima. Esse fluxo se repete até chegar ao consumidor final, que pagará o preço líquido e o IVA destacado.

O sistema se apoia em cinco pilares. Toda operação gera débito e crédito. Toda operação é lastreada por documento fiscal eletrônico. O crédito é igual ao débito. O crédito nasce na data em que o débito é pago pelo fornecedor. E o split payment permite ao adquirente pagar diretamente ao governo o tributo devido pelo seu fornecedor, na data da liquidação financeira da operação.

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O split foi concebido para operações entre empresas (B2B) como condição para o governo vincular o crédito ao pagamento do débito. Essa vinculação cria lastro financeiro e dá segurança ao ente público para ressarcir rapidamente saldos credores acumulados. Ela elimina a inadimplência tributária na cadeia e previne fraudes com notas frias, que custam bilhões de euros à União Europeia. Ao aumentar a conformidade, o sistema permite que a alíquota de referência seja menor para todos.

O split funciona como garantia dos créditos para as empresas. Ele é, justamente, a peça que falta em outros países. Na Índia, por exemplo, o crédito está vinculado ao pagamento do débito. Mas sem split, o comprador não tem como confirmar a validade dos seus créditos. Não é raro que, anos depois, o Fisco questione créditos pela inadimplência do fornecedor.

Segundo integrantes do governo, o split começará a operar em 2027, em caráter opcional, nas operações B2B. Esse desenho favorece a adaptação gradual e cria incentivos à adesão. A tendência é que adquirentes passem a exigir meios de pagamento com split dos seus fornecedores para proteger seus créditos.

Da perspectiva do fluxo de caixa, de acordo com nossas estimativas, o split não deve causar impacto negativo na maior parte dos casos.

A tecnologia do split brasileiro será inteligente. A retenção considerará os créditos disponíveis do fornecedor. Se o tributo destacado em nota for de R$ 26, mas houver R$ 20 em créditos acumulados, o split será aplicado apenas sobre os R$ 6 restantes. É um avanço enorme em relação a modelos adotados em outros países, onde a retenção excessiva prejudica o capital de giro.

Nas vendas, o tributo continuará sendo devido pelo regime de competência, como ocorre hoje com ICMS, ISS e, em geral, com PIS e Cofins. A emissão da nota fiscal gera o débito, e o vencimento deve permanecer por volta de D+30. O split só será acionado se o prazo médio de recebimento das vendas for inferior ao prazo de vencimento do tributo.

Nas compras, o efeito tende a ser neutro ou positivo. O crédito nascerá na data em que o fornecedor pagar o tributo, por compensação ou pagamento tradicional. Caso a venda ocorra no dia 5 e haja créditos suficientes, o crédito será reconhecido no próprio dia 5, antecipando o fluxo em comparação ao modelo atual, em que o crédito só se torna disponível no mês seguinte. Nas compras parceladas, o crédito também será reconhecido na data do pagamento do tributo pelo fornecedor – e não ao longo das parcelas.

Outras novidades da reforma aliviarão o caixa das empresas. Em 2027, com a extinção do PIS e da Cofins, não haverá mais a cobrança de 4,65% sobre receitas financeiras. Do lado das despesas financeiras, as empresas terão direito a crédito sobre o tributo que incide no spread bancário, estimado em 10,8% para 2027. Essa regra vale inclusive para o estoque de endividamento.

Pode, sim, haver pressão no caixa com a reforma – mas não por conta do split, e sim da trajetória das alíquotas.

Em 2027 e 2028, a transição tende a ser suave. A alíquota da CBS deve ficar na faixa de 9%, próxima dos atuais 9,25% de PIS e Cofins, com cálculo por fora e mais créditos disponíveis. Já as empresas no regime cumulativo, que pagam 3,65% e geram créditos de 9,25%, enfrentarão ajuste maior.

O período de 2029 a 2033 tende a ser mais crítico. As alíquotas de ICMS e ISS serão incorporadas ao IBS, elevando a alíquota combinada para cerca de 11% (2029), 13% (2030), 15% (2031), 17% (2032) e, no salto final, 28% (2033), nas estimativas do governo.

Mesmo com essa evolução de alíquotas e a eventual saída maior de caixa nas compras, para fins de resultado, o custo dos insumos será reduzido, já que todos os tributos pagos na cadeia serão recuperados como crédito.

O maior desafio de curto prazo será a renegociação de preços. A partir de 2027, a prática de preços brutos deixará de existir. Os preços serão líquidos de IVA, exigindo que cada empresa calcule a carga atual, estime a carga futura e compartilhe o ajuste com fornecedores e clientes. Essa conversa será recorrente ao longo dos anos de transição.

Ao final, a reforma mudará a dinâmica de formação de preços, reduzirá o custo de insumos, tornará o peso dos tributos mais transparente ao consumidor e, com organização adequada, permitirá manter o fluxo de caixa equilibrado. Cada empresa precisará recalibrar seus modelos, dialogar com seu ecossistema e compreender o impacto real que o IVA trará para o seu negócio.

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sócio do Loria Advogados e ex-diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda

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