Simples Nacional e a Nova Tributação de Dividendos: Por que a Isenção Continua Intocada

Por Marcelo Magalhães Peixoto e Edmar Oliveira Andrade Filho

04/12/2025 3:49 pm

A sanção da Lei 15.270/2025, originada do PL 1.087/2025, instaurou um debate amplo e relevante a respeito dos efeitos da nova tributação mínima do IRPF e da retenção de 10% sobre dividendos que ultrapassem o valor mensal de R$ 50 mil.

A intensidade dessa discussão decorre do impacto que tais mudanças podem exercer sobre diferentes categorias de contribuintes. Nesse contexto, surgiu uma discussão específica e altamente relevante: afinal, as empresas optantes pelo Simples Nacional teriam “perdido” a tradicional isenção dos lucros distribuídos aos seus sócios?

A indagação é legítima, mas a resposta técnica, constitucional e sistemática é clara: não houve qualquer perda da isenção em nossa opinião. O Simples Nacional permanece regido pelo seu próprio conjunto de normas estruturantes, incluindo a isenção integral dos lucros distribuídos aos sócios, e tal elemento não pode ser modificado, reduzido ou suprimido por meio de lei ordinária. Trata-se de um ponto sólido e inalterado, independentemente das mudanças promovidas na tributação das altas rendas no Brasil.

1. O Simples Nacional como regime constitucionalmente protegido e a impossibilidade de alteração pela Lei 15.270/2025

O Simples Nacional não constitui apenas uma modalidade administrativa ou um método alternativo de recolhimento de tributos. Ele representa um verdadeiro regime jurídico especial, previsto expressamente no art. 146, III, “d”, da Constituição Federal.

Por essa razão, a sua disciplina normativa depende necessariamente de Lei Complementar, instrumento legislativo qualificado, dotado de hierarquia superior em relação à lei ordinária e reservado a matérias estruturais da ordem tributária. Há, nesse caso, reserva de lei complementar a impedir a alteração por lei ordinária. Não se trata de atribuir maior peso hierárquico à lei complementar, mas, simplesmente, respeitar a vontade da Constituição que, nesse ponto, veda o emprego de lei ordinária. No mais, a Lei Complementar nº 123/2006, trata do tema de um modo global, de modo que o seu regime jurídico abrange também os sócios e rendo em vista o fato irretorquível que a tributação dos dividendos (cogitada na LC 123) não é matéria estranha ou incompatível com o mandamento da Constituição que manda atribuir tratamento tributário diferenciado a pequenas empresas.

A LC nº 123/2006, responsável pela instituição e sistematização do regime, estabelece que, havendo escrituração contábil regular, ou, na falta dela, até o limite do lucro fiscal presumido, os lucros distribuídos aos sócios são isentos do Imposto de Renda da Pessoa Física.
Essa regra não é acidental, tampouco periférica: ela integra a essência funcional e econômica do Simples Nacional, sendo considerada parte de sua espinha dorsal normativa.
A isenção dos lucros não funciona como um favor fiscal eventual, mas como elemento intrínseco ao modelo, de modo que retirá-la implicaria alterar a própria natureza do regime.

É nesse ponto que se torna evidente a limitação da Lei 15.270/2025. Embora seja uma lei ordinária relevante, voltada a modificar o IRPF e introduzir mecanismos de tributação mínima voltados a elevar a proporcionalidade do sistema, ela não possui a aptidão constitucional necessária para alterar regimes especiais previstos em Lei Complementar em relação ao imposto eventualmente devido na distribuição de dividendos.

O Supremo Tribunal Federal, em jurisprudência amplamente consolidada, afirma de modo reiterado que a lei ordinária não pode revogar, restringir, contrariar ou reinterpretar norma estabelecida por Lei Complementar nos casos em que esta (a Lei Complementar) decorre de preceito constitucional específico. Essa vedação é categórica.

Assim, qualquer tentativa de limitar ou suprimir a isenção dos lucros do Simples, ainda que de forma indireta ou implícita, violaria; a LC 123/2006, que tem primazia porquanto veicula matéria sob reserva de lei complementar estabelecida pelo art. 146 da Constituição.

Importante observar também que a Lei 15.270/2025 não alterou de forma expressa, tácita ou sistêmica nenhum dispositivo da LC 123. Não houve revogação textual, alteração semântica, incompatibilidade lógica ou reinterpretação obrigatória. A legislação ordinária simplesmente não alcança o núcleo normativo do Simples.

A tributação mínima do IRPF, prevista nos arts. 16-A e 16-B, não tem o poder jurídico de transformar em tributável aquilo que a Lei Complementar, de forma clara e inequívoca, qualifica como isento. A base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Físicas não pode ser reconstruída artificialmente para desrespeitar a proteção conferida pela LC 123. Não existe, portanto, qualquer fundamento para se considerar que a nova lei ordinária teria modificado um regime constitucionalmente blindado.

2. A preservação estrutural do Simples Nacional

Em razão de sua conformação constitucional e da técnica legislativa adequada ao tema, o Simples Nacional permanece absolutamente íntegro. As empresas optantes continuam apurando e recolhendo tributos por meio do DAS, sem qualquer alteração estrutural em sua carga tributária.
Do mesmo modo, os lucros distribuídos aos sócios, desde que respaldados por escrituração contábil regular ou observando o limite do lucro fiscal presumido, permanecem totalmente isentos de Imposto de Renda da Pessoa Física.

Não existe, na Lei 15.270/2025, qualquer previsão de retenção de IRRF de 10% sobre dividendos distribuídos por empresas do Simples Nacional. Tal hipótese, para ser juridicamente válida, deveria constar de Lei Complementar, o que não ocorreu. É igualmente impossível, ponto de vista jurídico, que a tributação mínima do IRPF atinja bases de cálculo que a LC 123 expressamente protegeu. Convém salientar que a tributação mínima pode ocorrer para os beneficiários dos lucros do SIMPLES para todos os demais rendimentos, exceto os dividendos calculados de acordo com a referida LC.

Em síntese, a estrutura jurídica do Simples Nacional permanece estável, coerente com as normas constitucionais e plenamente funcional. Sua lógica, seus fundamentos e suas finalidades, especialmente as relacionadas ao estímulo à formalização, ao empreendedorismo e à competitividade das micro e pequenas empresas, continuam preservados.

Conclusão

O Simples Nacional continua fiel à sua concepção original: um regime unificado, simplificado e constitucionalmente protegido. A isenção dos lucros distribuídos aos sócios permanece integralmente válida, pois nenhuma lei ordinária dispõe de força normativa suficiente para alterar esse ponto sem incorrer em flagrante violação ao texto constitucional.

Embora a Lei 15.270/2025 introduza efeitos relevantes na tributação de altas rendas e na disciplina geral do IRPF, ela encontra limite intransponível quando busca alcançar matéria reservada à Lei Complementar.

A isenção permanece. O regime jurídico permanece. E a segurança jurídica, nesse ponto, deve permanecer sólida, íntegra e assegurada pelo próprio desenho constitucional do Simples Nacional. Trata-se de uma opção estrutural da Constituição, blindada contra alterações por lei ordinária e reafirmada ao longo de décadas de prática administrativa coerente.

Contudo, é prudente aguardar a interpretação que será formalmente adotada pela Receita Federal. E, caso haja qualquer decisão que desvirtue o modelo constitucional ou que comprometa a eficácia da isenção assegurada às micro e pequenas empresas, as medidas judiciais cabíveis deverão ser imediatamente propostas para garantir a preservação do regime e a proteção dos contribuintes.

Notas de rodapé
1. Constituição Federal, art. 146, III, “d”.
2. Lei Complementar 123/2006, arts. 3º, 13 e 14.

Fonte: Rota da Jurisprudência – APET

Mini Curriculum

Marcelo Magalhães Peixoto (Presidente Fundador da APET)
e
Edmar Oliveira Andrade Filho (Doutor em Direito pela PUC/SP).

Continue lendo