Possibilidade de aproveitamento de crédito de ICMS por empresa adquirente de boa-fé

Thiago Santos Alfama / André Azambuja da Rocha

Tratando-se de imposto não-cumulativo, cada aquisição de mercadoria sujeita à incidência do ICMS gera, para seu adquirente, contribuinte desse tributo, crédito fiscal correspondente ao valor do imposto, destacado na nota fiscal emitida pelo vendedor.

Logo, não deve ter influência, para o pleno exercício desse direito creditório, irregularidades praticadas pelo emissor desse documento fiscal, se com estas não foi cúmplice o destinatário da mercadoria que ingressou em seu estabelecimento guarnecida por nota fiscal inidônea.

Isso porque, em situações como esta, há que ser observado o princípio da boa-fé. Não podem ter eficácia contra terceiros de boa-fé atos jurídicos, como os atinentes à emissão de documentos fiscais, em cuja consecução esses terceiros, por serem pessoas estranhas a tais atos, não têm como intervir.

Falta, ao terceiro, poder de polícia para tanto, que é concedido apenas à Administração Tributária, porquanto esta é que detém competência para fiscalizar todos os contribuintes.

Se a empresa pagou o ICMS da operação, quando da aquisição, pode, por força do princípio da não-cumulatividade, ter direito ao crédito.

Imagine-se, toda vez que alguma empresa comprar produtos, para evitar casos de nota fiscal inidônea, terá que solicitar uma série de documentos que comprovem a regularidade fiscal. Seria o caos!

Sinceramente, tal exigência é irreal. Ou será que o Fisco gostaria que fosse pago novamente o imposto, para daí ter direito ao crédito. Por óbvio, isto seria inadmissível.

Por certo que resta muito improvável uma empresa que adquire mercadoria normalmente de outra empresa, possa constatar ou imaginar que esta encontra-se irregular junto ao Fisco.

Seria impossível, uma empresa, detectar e/ou diagnosticar quaisquer vícios, pois, tendo sido devidamente pago o produto e entregue a mercadoria, não caberia ao funcionário (que recebe a mercadoria e/ou àquele que escritura os livros) verificar a sua situação fiscal e, ainda, sua existência física.

Imagine-se, uma empresa de grande porte com a aquisição e entrada diária de inúmeros bens, vindo de diversos fornecedores, como poderia ficar pesquisando a situação de cada um e, outrossim, exigindo documentos e informações. Impossível!

Logo, proibir a fruição de crédito de ICMS, na hipótese de nota fiscal inidônea, quando esta, em seu aspecto, em sua aparência, nada tem de irregular, é responsabilizar terceiro por obrigação tributária acessória que não lhe cumpria.

Ademais, as operações de compra e venda de mercadorias entre estabelecimentos industriais ou comerciais são normalmente realizadas dentro da confiança mútua que rege o fechamento de negócios mercantis.

Dessa forma, como exigir-se, então, que o estabelecimento adquirente de mercadoria indague, previamente, se é regular a inscrição cadastral do vendedor, se são exatas e autênticas as declarações contidas na nota fiscal emitida ou se este continua funcionando no endereço cadastrado junto aos órgãos competentes?

Ora, a nota fiscal, por si só, evidentemente, já representa uma presunção de regularidade da origem da mercadoria, de tal modo que não se configura razoável exigir da empresa adquirente qualquer diligência adicional.

Correto é que, se a nota fiscal contiver todos os elementos e caracteres legalmente exigidos para sua impressão e emissão, o ICMS nela destacado é passível de apropriação pelo contribuinte destinatário.

O crédito de ICMS, escriturado e compensado pelo contribuinte adquirente de mercadoria, por força da sistemática da não-cumulatividade desse imposto, é legítimo na exata medida em que corresponder, efetivamente, a operações de entrada de mercadorias no estabelecimento.

Assim, tendo sido demonstrado que a nota fiscal denominada inidônea deu entrada física e efetiva de mercadorias no estabelecimento, tem-se como induvidosamente caracterizada a sua boa-fé, razão suficiente para conferir-se plena legitimidade aos créditos de ICMS aproveitados.

Aliás, diante da efetiva comprovação e inexistindo qualquer vício detectado na nota fiscal, deve ser deixado de lado as normas infraconstitucionais que vedam a utilização do crédito, sejam estas legais ou regulamentares, havendo de prevalecer sobre elas o princípio constitucional da não-cumulatividade, inserto no art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal.

Tal preceito da legislação federal, como se vê, confere respaldo de regra jurídica positiva aos argumentos expostos, indo ao encontro, há entendimento no Superior Tribunal de Justiça submetido ao regime previsto no art. 543-C do CPC (recurso repetitivo):

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS DE ICMS. APROVEITAMENTO (PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE). NOTAS FISCAIS POSTERIORMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ.
1. O comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação (…)
6. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
(REsp 1148444/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 27/04/2010)

Tratando-se de "operações e prestações" realizadas e devidamente comprovadas pela empresa adquirente, que estejam inseridas numa cadeia negocial, não há que se impedir o direito ao crédito, sob a assertiva fiscalista de que o emitente das notas fiscais é inidôneo (art. 23 da LC 87/96).

Conclui-se, portanto, que, em matéria de vedação a crédito de ICMS oriundo de nota fiscal inidônea, o direito pretoriano construído pelo Superior Tribunal de Justiça prestigia a boa-fé do contribuinte adquirente de mercadoria (Resp nº 1.148.444-MG).

Dessa forma, a empresa que adquiriu de boa-fé mercadoria não pode ser sofrer autuação ou qualquer penalidade imposta pelo Fisco, devendo, ainda, sempre ser reconhecido o seu o direito ao crédito fiscal.

Thiago Santos Alfama / André Azambuja da Rocha

Thiago Santos Alfama - Advogado do escritório Rocha, Ferracini, Schaurich & Advogados Associados S/S.

André Azambuja da Rocha - Advogado do escritório Rocha, Ferracini, Schaurich & Advogados Associados S/S.

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