Os crimes contra a ordem tributária e os direitos constitucionais do acusado
Adriano Martins Pinheiro
Escrito em 06.04.2010
O presente trabalho versa sobre os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Além disso, abordam-se os crimes praticados por particulares; por funcionários públicos.
I – Introdução
Este trabalho consiste em um resumo objetivo, que procurou utilizar uma linguagem simples, evitando a prolixidade forense, a fim de tornar-se acessível a qualquer interessado. Por conta disso, dispensamos as tergiversações jurisprudenciais e doutrinárias. No entanto, não abrimos mão do entendimento da melhor doutrina e do entendimento mais atual, que tem se perfilhado nos tribunais.
Considerando os muitos questionamentos acerca do tema, abordamos e pesquisamos as principais vertentes da Lei n º 8.137/90, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.
Ao tratar dos crimes contra a ordem tributária a referida lei dispõe capítulos acerca dos crimes praticados por particulares; dos crimes praticados por funcionários públicos e dos crimes Contra a Economia e as Relações de Consumo.
II – infrações previstas
Os crimes praticados por particulares constituem-se no ato de suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as condutas descritas no artigo 1º e seus incisos.
Em apertada síntese, as condutas consubstanciam-se em omissão de informações às autoridades fazendárias; fraude à fiscalização tributária; falsificações ou alterações em notas fiscais, faturas, duplicatas ou outro documento relativo à operação tributável, dentre outras práticas. Destarte, perfaz o crime de sonegação fiscal, aquele que presta declarações falsas às autoridades fazendárias, visando ao não pagamento de tributos federais devidos.
A pena para tais condutas é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa e detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, no caso do artigo 2º.
O artigo 3º versa acerca dos crimes praticados por funcionários públicos, que se constituem em crime funcional contra a ordem tributária. A pena é de, de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, e multa.
Vale transcrever as condutas penalizadas:
I – extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;
II – exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
III – patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público.
Também são previstos os crimes Contra a Economia e as Relações de Consumo. É o que preconiza a disposição do artigo 4º da lei em questão.
Em suma, o artigo supra mencionado prevê as condutas que constituem crime contra a ordem econômica, como, por exemplo: abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante ajuste ou acordo de empresas; formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes; discriminar preços de bens ou de prestação de serviços por ajustes ou acordo de grupo econômico, com o fim de estabelecer monopólio, ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência; dentre outros diversos. A pena para tais ilícitos é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão, ou multa.
Insta ressaltar que a lei sob análise, em seu artigo 11, rege:
“Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.”
III – Os direitos do acusado sob o pálio da Constituição Federal
Não se pode olvidar das diretrizes constitucionais que balizam a legislação penal. Em simples palavras, pode-se dizer por meio de tais princípios que o Estado busca evitar a aplicação injusta de sanção penal.
Consectariamente, a Constituição Federal prevê em seu artigo 5º, inciso LV:
“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
Tal preceito é fundamental, uma vez que ao se acusar alguém, obviamente, deverá ser concedida a oportunidade de resposta, de forma plena e satisfatória. Não se poderia admitir que o acusado tivesse tolhido seu direito de conhecer os atos processuais e de reagir contra estes.
Não obstante a competência, seriedade e notório saber jurídico de nossos Ilustres Procuradores, por vezes, a atuação do advogado de defesa é indispensável para que se evitem condenações indevidas. Tanto é assim, que dispõe o artigo 133 da Constituição Federal:
“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
Noutra senda, a Carta Política assegurou o “habeas corpus” no rol de Direitos e Garantias Fundamentais, em seu artigo 5º, LXVIII, “in verbis”:
“conceder-se-á “habeas-corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”
Tal remédio constitucional permite o trancamento de inquérito policial ou ação judicial, garantindo a proteção do cidadão contra ilegalidade ou abuso de poder, como acima transcrito.
Grandes debates já foram travados acerca da ação penal movida sem o devido esgotamento da via administrativa. Vale dizer, o entendimento sedimentado é no sentido de que não há se pode iniciar a ação penal contra o acusado, se a questão não foi exaurida no âmbito administrativo.
Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal pacificou o assunto, assentando que o exaurimento da via administrativa é condição de procedibilidade da ação penal nos crimes contra a ordem tributária, vez que o delito previsto no artigo 1º, da Lei nº 8.137/90, é material ou de resultado.
Por corolário, é o entendimento adotado pelos Egrégios Tribunais, como, em 26.01.2010, publicou-se a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
RECURSO ‘EX OFFICIO’ Habeas Corpus’ – Concessão da ordem para trancar inquérito policial – Crime contra a Ordem Tributária – Ausência de procedimento administrativo – Inexistência de crédito tributário formalizado – Falta de Justa Causa para a ação penal – Súmula Vinculante n. 24, do STF – Recurso não provido – (voto 8174). (TJSP – Reexame Necessário: REEX 990092770934 SP / Resumo: recurso ‘ex Officio’ / Relator(a): Newton Neves / Julgamento: 12/01/2010 / Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Criminal / Publicação: 26/01/2010).
Nota-se que a ação de crime contra a ordem tributária foi trancada, por meio de “habeas corpus”, por conta da inexistência de crédito tributário, o que caracterizou a falta de justa causa para a referida ação penal.
Vale consignar que o juízo condenatório requer provas consistentes de que o réu tenha, de alguma forma, concorrido para o crime, sendo insuficiente para tanto a meras alegações. É a aplicação do princípio “in dubio pro reo”, ou seja, a dúvida impõe a absolvição.
Neste sentido, cumpre transcrever a decisão infra, que manteve a absolvição do acusado, com espeque na ausência de prova inequívoca e, ato contínuo, a dúvida a favor do réu:
“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, I E II, DA LEI N. 8.137/90). IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. PRETENDIDA A CONDENAÇÃO, POR REPUTAR COMPROVADA A AUTORIA DELITIVA. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA DE QUE A ACUSADA, AGINDO DOLOSAMENTE, PARTICIPOU OU CONTRIBUIU PARA A PRÁTICA DELITIVA. CONDUTA QUE NÃO PODE SER PRESUMIDA APENAS POR SUA CONDIÇÃO DE SÓCIA DA EMPRESA, SOB PENA DE SE VER RECONHECIDA A RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APELO NÃO PROVIDO”. (TJSC – Apelação Criminal: APR 764160 SC 2008.076416-0 / Relator(a): Tulio Pinheiro/Julgamento: 03/04/2009 / Segunda Câmara Criminal).
Por outro prisma, fácil observar na prática forense que são frequentes as absolvições decorrentes de existência de nulidade nos atos administrativos, que tornam processos inválidos, no todo ou em parte. Outrossim, há casos em que o suposto ilícito já se encontra prescrito, devendo ser arguida a prescrição pelo patrono do acusado, a fim de que a ação penal seja julgada extinta.
IV – O atual entendimento dos Tribunais
A título de exemplo, abordaremos decisões recentes, atinentes à matéria em tela. Para tanto, mencionaremos os acórdãos proferidos pelos Tribunais, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça.
O STJ, com acórdão publicado em 08.06.2008, decidiu que a ausência de intimação do advogado dativo afronta a legislação processual penal, ensejando a imediata soltura do acusado (paciente), caso esteja preso. Vale sua transcrição:
“1. A decretação da nulidade absoluta do acórdão é medida imperiosa quando se verifica que o julgamento do recurso foi realizado em que se procedesse à intimação pessoal do defensor dativo, em flagrante afronta ao disposto no art. 370, § 4º, do Código de Processo Penal e ao art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50. 2. Ordem concedida, a fim de que se proceda a novo julgamento do recurso de apelação, com a intimação prévia do defensor dativo do Paciente, com a expedição de alvará de soltura em seu favor, salvo se por outro motivo estiver preso.” (STJ; HC 129.971; Proc. 2009/0035749-8; PR; Quinta Turma; Relª Minª Laurita Hilário Vaz; Julg. 14/05/2009; DJE 08/06/2009).
Lado outro, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisão publicada no dia 25.03.2010, julgou extinta punibilidade em decorrência do escoamento de prazo prescricional. Vejamos:
“CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. Decorrência do lapso prescricional entre as datas dos fatos e o
recebimento da denúncia e entre esta data e a publicação da sentença. Extinção da punibilidade dos apelantes de rigor. Prejudicada a análise do mérito dos recursos.” (TJSP; APL 990.08.103630-4; Ac. 4047809; Rancharia; Quarta Câmara de Direito Criminal D; Rel. Des. Lucas Tambor Bueno; Julg. 13/08/2009; DJESP 25/03/2010).
Adriano Martins Pinheiro
Advogado. Atuante em escritório de Advocacia em São Paulo/SP. Articulista e colaborador de diversos sites e jornais locais. Assistente de pesquisas jurídicas