O formalismo excessivo nas obrigações acessórias e a vedação à exigência exclusiva da dctf como meio de confissão de dívida

Por Pablo Juan Estevam Morais; Roberto Rodrigues de Morais

30/12/2025 12:00 am

I – INTRODUÇÃO
Mais uma vez o TRF-4 trazendo precedente significativo no tributário!
Disserto que a atividade da Administração Tributária encontra limites não apenas na legalidade estrita, mas também nos princípios constitucionais que regem o sistema tributário e o próprio exercício da função administrativa.

Entre esses limites destaca-se a vedação ao formalismo excessivo, especialmente quando a imposição de determinada obrigação acessória passa a funcionar como obstáculo injustificado ao reconhecimento de direitos do contribuinte.

Nesse contexto, assume especial relevância a recente decisão da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que afastou a exigência de retificação da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) como meio exclusivo de confissão de dívida, quando já existentes outros instrumentos oficiais idôneos capazes de comprovar a constituição e a extinção do crédito tributário.

II – AS OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS E SEUS LIMITES NO CTN
Nos termos do artigo 113, § 2º, do Código Tributário Nacional, a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto prestações positivas ou negativas
“no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”.

A própria sistemática do CTN revela que as obrigações acessórias possuem natureza instrumental, sendo inadmissível sua utilização como mecanismo de restrição a direitos subjetivos do contribuinte quando o interesse fiscal já foi plenamente atendido.

A função da obrigação acessória não é criar entraves formais, mas permitir o controle e a fiscalização da obrigação principal.

Quando a Administração Tributária já detém ciência inequívoca do fato gerador, do montante devido e da quitação do tributo, a exigência de nova formalidade passa a extrapolar os limites do interesse público.

III – A AUTOREGULARIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E A FINALIDADE DA LEI Nº 14.740/2023
A Lei nº 14.740/2023 instituiu programa de autorregularização tributária com o objetivo de estimular o cumprimento espontâneo das obrigações fiscais, privilegiando a conformidade tributária e a eficiência arrecadatória.

A norma não condiciona a fruição do direito à adoção de uma única forma declaratória, mas sim ao atendimento dos requisitos materiais, notadamente a confissão do débito e sua quitação. Interpretar a lei de modo a exigir exclusivamente a DCTF, em detrimento de outros meios oficiais igualmente eficazes, significa desvirtuar sua finalidade.

A hermenêutica tributária contemporânea repele interpretações que elevem a forma à condição de fim em si mesma, sobretudo quando inexistente qualquer prejuízo à fiscalização.

IV – O PRECEDENTE DO TRF-4 E O AFASTAMENTO DO FORMALISMO EXCESSIVO
No julgamento do processo nº 5036690-82.2024.4.04.7200, a 1ª Turma do TRF-4 manteve sentença concessiva de mandado de segurança para afastar a exigência de DCTF retificadora como condição para adesão ao programa de autorregularização.

Restou comprovado que a contribuinte:
– quitou integralmente o tributo;
– retificou a EFD-Contribuições;
– indicou o Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal (TDPF);
– comprovou o pagamento, inclusive mediante utilização de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL.
Diante desse conjunto probatório, o Tribunal reconheceu que a Administração Tributária já possuía plena ciência do débito e de sua extinção, tornando injustificada a imposição de nova exigência formal.

V- A RAZOABILIDADE, A PROPORCIONALIDADE E A INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS

A exigência exclusiva da DCTF, nessas circunstâncias, viola o princípio da razoabilidade, previsto no artigo 2º da Lei nº 9.784/1999, bem como os princípios da proporcionalidade, da finalidade e da eficiência administrativa (art. 37, caput, da Constituição Federal).
Além disso, a insistência em formalidade inútil afronta o artigo 156, inciso I, do CTN, que reconhece o pagamento como causa de extinção do crédito tributário. Uma vez extinto o crédito, não subsiste fundamento jurídico para obstaculizar o exercício de direito legalmente previsto.
VI – A JURISPRUDÊNCIA APLICÁVEL
6.1 – Do Superior Tribunal de Justiça – Formalismo excessivo

EMENTA

TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. FORMALISMO EXCESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. FINALIDADE DA NORMA ATINGIDA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO AO FISCO.

As obrigações acessórias possuem natureza instrumental. O rigor formal não pode prevalecer quando demonstrado que a finalidade da norma foi plenamente atendida, inexistindo prejuízo à Administração Tributária. O formalismo exacerbado viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
(STJ, AgInt no REsp 1.646.415/SC, Segunda Turma)
6.2 – Do Superior Tribunal de Justiça – Vedação ao uso da obrigação acessória como sanção indireta
EMENTA

TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. UTILIZAÇÃO COMO MEIO DE RESTRIÇÃO A DIREITO DO CONTRIBUINTE. IMPOSSIBILIDADE.

A obrigação acessória não pode ser utilizada como sanção indireta ou como instrumento de restrição ao exercício de direito, quando inexistente prejuízo à fiscalização e atendida a finalidade arrecadatória.

(STJ, REsp 1.221.170/PR, Primeira Turma)
6.3 – Do Supremo Tribunal Federal – Razoabilidade e limites à atuação administrativa
EMENTA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. TRIBUTÁRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. LIMITES À ATUAÇÃO ESTATAL.

A Administração Pública está vinculada não apenas à legalidade estrita, mas também aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo vedadas exigências desnecessárias ou destituídas de utilidade prática.

(STF, RE 627.106/PR, Tribunal Pleno)
6.4 – Do Supremo Tribunal Federal – Prevalência da finalidade sobre o formalismo

EMENTA

TRIBUTÁRIO. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS FISCAIS. PREVALÊNCIA DA FINALIDADE SOBRE O FORMALISMO.
O excesso de formalismo, dissociado de qualquer ganho à arrecadação ou à fiscalização, afronta o Estado de Direito e o princípio da finalidade do ato administrativo.

(STF, AI 791.292 AgR, Segunda Turma)
6.5 – Do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Exigência exclusiva de DCTF

EMENTA

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORREGULARIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. LEI Nº 14.740/2023. EXIGÊNCIA DE DCTF RETIFICADORA. FORMALISMO EXCESSIVO.

Comprovada a quitação integral do débito e a ciência inequívoca do Fisco por outros meios oficiais, é desarrazoada a exigência exclusiva de DCTF retificadora, por desvirtuar a finalidade da norma.

(TRF-4, Processo nº 5036690-82.2024.4.04.7200, 1ª Turma)

VII – CONCLUSÃO

A exigência de obrigação acessória específica como meio exclusivo de confissão de dívida, quando já existentes outros instrumentos oficiais idôneos e eficazes, configura formalismo excessivo e afronta princípios basilares do Direito Tributário e do Direito Administrativo.

O precedente do TRF-4, em consonância com a jurisprudência do STF e do STJ, reafirma que a forma não pode se sobrepor à realidade material, sobretudo quando o crédito tributário já se encontra extinto.

Trata-se de orientação relevante para a tutela da segurança jurídica e para a contenção de práticas administrativas incompatíveis com a finalidade da legislação tributária contemporânea.

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Pablo Juan Estevam Morais
Advogado Tributarista

Roberto Rodrigues de Morais
Especialista em Direito Tributário.

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