Nova tributação com IVA pode redesenhar o mercado imobiliário

Por Alline Guimarães Marques

01/09/2025 12:00 am

Com a aprovação da reforma tributária no Brasil e a previsão de implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o setor imobiliário se depara com mudanças estruturais profundas. A substituição de tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS por um modelo de tributação unificado promete simplificação, mas também traz desafios significativos, especialmente no que se refere à incidência sobre operações imobiliárias. A aplicação do IVA nas atividades de aquisição, venda, construção e locação de imóveis altera a lógica econômica e jurídica que hoje rege o setor.

Agência Brasil
A construção civil, por exemplo, poderá passar a gerar créditos tributários sobre insumos adquiridos, o que, em tese, seria benéfico. No entanto, a efetiva utilização desses créditos dependerá da tributação das saídas, ou seja, da venda ou locação dos imóveis, o que pode afetar o fluxo de caixa das empresas e comprometer a neutralidade esperada do imposto.

No caso da venda de imóveis novos, especialmente por incorporadoras, a substituição do regime atual por um sistema de IVA pode acarretar aumento da carga tributária se não forem criadas regras específicas ou regimes de transição que preservem os benefícios atualmente existentes, como o Regime Especial de Tributação (RET).

Em relação à locação, existe uma preocupação legítima quanto à sua possível inclusão no campo de incidência do IVA. Atualmente, a locação de imóveis residenciais não é tributada pelo ISS, mas com o novo modelo tributário, essa imunidade pode ser revista, o que teria efeitos diretos tanto para locadores quanto para locatários. O repasse de custos, por meio de reajuste nos aluguéis, surge como uma das alternativas do mercado, mas tal movimento pode pressionar o acesso à moradia, especialmente nas grandes cidades.

Atratividade de investimentos
Sob o ponto de vista da atratividade dos investimentos, a adoção do IVA traz incertezas. Pequenos investidores, que tradicionalmente veem o imóvel como um ativo seguro para geração de renda passiva, podem se sentir desencorajados diante de uma maior complexidade tributária e de uma carga potencialmente mais elevada.

Por outro lado, grandes incorporadoras e fundos de investimento possuem maior estrutura para absorver os impactos da mudança e adaptar suas estratégias de forma mais eficiente. Ainda assim, mesmo para esses agentes, a ausência de regras claras sobre a apropriação de créditos, a eventual não cumulatividade parcial e a transição entre regimes são fatores que podem inibir lançamentos e desestimular novos projetos.

Os impactos não se limitam à rentabilidade. Há um risco concreto de desaceleração nos investimentos imobiliários, especialmente em um período de transição marcado por incertezas. A ausência de previsibilidade fiscal pode adiar decisões estratégicas e comprometer a atratividade do setor como um todo.

Nesse cenário, a adaptação do mercado será crucial. Além do repasse de custos e reajuste contratual, espera-se uma revisão profunda nos modelos de incorporação e na estruturação jurídica dos empreendimentos, com destaque para o fortalecimento do planejamento tributário como instrumento essencial de viabilidade econômica.

Regulamentação após reforma
Apesar dos desafios, é importante destacar que os efeitos do IVA no setor imobiliário dependerão em grande medida da regulamentação infralegal que acompanhará sua implementação. O sucesso da reforma, neste segmento, exigirá regras específicas que considerem as particularidades do mercado, como ciclos longos de maturação de projetos, regimes de afetação patrimonial, e a necessidade de manutenção de políticas públicas voltadas à habitação social.

A criação de regimes diferenciados para determinados tipos de empreendimentos, a definição clara sobre a incidência (ou não) do imposto na locação residencial e a viabilidade de regimes compensatórios, como um novo RET adaptado ao IVA, são caminhos possíveis para mitigar os efeitos negativos.

A médio e longo prazo, a reforma poderá trazer benefícios se for acompanhada de segurança jurídica, estabilidade normativa e coerência na interpretação das regras fiscais.

A previsibilidade tributária será determinante para que investidores, nacionais e estrangeiros, continuem enxergando o setor imobiliário brasileiro como um ambiente atrativo e confiável para alocar capital. Caso contrário, o aumento da complexidade e o risco de litígios podem comprometer a competitividade do país frente a outras economias emergentes.

Em última análise, o êxito do novo modelo dependerá da sua capacidade de promover justiça fiscal sem comprometer o crescimento econômico e o acesso à moradia, pilares essenciais para um desenvolvimento urbano sustentável.

Mini Curriculum

é advogada, servidora pública do Tribunal de Contas do DF, mestre em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo IDP/DF, especialista em Direito Tributário pela Escola Educacional Damásio/SP, com titulação em ESG pela Universidade Panthéon Sorbonne – Paris/França e titulação em Direito Público e Privado 4.0 pela Universidade de Coimbra (Portugal), membro do grupo de estudos Reforma Tributária e Jurisdição Constitucional pelo IDP/DF e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/ CE.

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