Mudança em incentivos fiscais é necessária e arriscada para o produtor
Por Leonardo Roesler
30/12/2025 12:00 am
O Brasil ingressa em 2026 com uma mensagem política clara e, ao mesmo tempo, ambígua para o setor produtivo. Clara porque o Congresso, ao aprovar o PLP nº 128 2025 e as medidas correlatas, sinaliza que a era da renúncia tributária tratada como “normalidade permanente” está sendo encerrada, substituída por um regime que exige metas, prazo, mensuração e transparência. Ambígua porque, embora o discurso seja o de racionalizar gastos e fortalecer a responsabilidade fiscal, o desenho concreto do pacote combina 2 forças que nem sempre convivem em harmonia com a dinâmica empresarial: de um lado, corte linear de incentivos, e de outro, elevação seletiva de carga tributária, tudo isso em um ambiente em que previsibilidade e confiança já são ativos escassos. Para o empresário e o empreendedor, a pergunta decisiva não é se o Estado deve revisar benefícios, mas como fazê lo sem destruir a capacidade de investimento, sem desorganizar cadeias produtivas e sem transformar governança em burocracia paralisante.
Divulgação/CNIIndústria brasileira
Há um mérito inegável no ponto de partida. Incentivo fiscal é política pública e, como tal, deveria ser temporário, justificável e avaliável. No Brasil, contudo, benefícios frequentemente se perpetuam por inércia, alimentam disputas setoriais, favorecem assimetrias concorrenciais e, em muitos casos, deixam de prestar contas sobre o que entregam em contrapartida. A tentativa de enquadrar esses instrumentos em uma lógica de planejamento e avaliação é, em tese, saudável. O empresariado sério, que investe e gera emprego, não tem medo de transparência. O problema é quando a transparência é usada como substituta da estratégia, e quando a “avaliação” vira pretexto para reabrir, a cada ciclo, a insegurança normativa que impede decisões de longo prazo.
Corte em gastos tributários
O corte linear mínimo de 10% nos gastos tributários federais, por si só, já revela um traço preocupante do modelo. Corte linear é um atalho político, porque dispensa a escolha difícil de separar incentivos eficientes de incentivos improdutivos. É uma técnica que parece justa na superfície, mas pode ser profundamente injusta na prática, justamente porque setores e empresas não partem do mesmo ponto e não dependem dos mesmos instrumentos. Para muitos negócios, especialmente os que operam com margens apertadas ou que dependem de crédito e previsibilidade de fluxo de caixa, uma redução linear pode representar não apenas menor rentabilidade, mas inviabilização de investimentos já contratados, redução de escala e até descontinuidade de operação. Quando o Estado opta por “cortar em todos” para não enfrentar o debate qualitativo, transfere ao mercado o custo do seu próprio déficit de priorização.
É aqui que entra a principal tensão do novo regime: o discurso de governança pode conviver com uma execução baseada em metas e métricas, mas não pode conviver com instabilidade. O empresário aceita regras mais rígidas quando elas são estáveis e previsíveis. O que o empresário não suporta é a sensação de que toda regra é provisória e que todo planejamento será revisto por um novo ciclo de exigências, relatórios, indicadores e interpretações administrativas.
Se o PLP nº 128 2025 inaugura uma cultura de monitoramento sério, ótimo. Se inaugura uma cultura de “compliance fiscal expansivo” que aumenta custo de conformidade sem entregar segurança jurídica, então o resultado será perverso: empresas maiores conseguem absorver o custo, pequenas e médias não conseguem. Em outras palavras, um regime criado para “racionalizar” pode terminar concentrando mercado e punindo o empreendedor que mais precisa de fôlego.
Governança de informação
A promessa de condicionar incentivos a estimativa de impacto, prazo de vigência e monitoramento é moderna, mas depende de dois pilares que o Brasil historicamente fragiliza: qualidade técnica da administração e consistência institucional ao longo do tempo. Metas bem definidas exigem dados confiáveis. Avaliação periódica exige metodologia. Transparência exige padronização e governança de informação. Se o Estado não entregar esses pilares com profissionalismo, o setor privado ficará submetido a decisões erráticas, com risco de reinterpretações e cancelamentos por critérios mutáveis. E há um risco adicional, pouco comentado, de vazamento concorrencial: a divulgação de beneficiários e valores usufruídos, embora possa ser defensável sob a ótica do controle social, precisa ser calibrada para não expor estratégia comercial, estrutura de custos e posições competitivas, especialmente em mercados concentrados ou altamente disputados. Transparência não pode virar instrumento indireto de concorrência desleal.
Outro elemento do pacote é a elevação dirigida de tributação em setores específicos, como apostas online, fintechs, capitalização e o aumento do IRRF sobre JCP. É compreensível que o governo busque fontes de arrecadação para fechar contas, mas, para o leitor empresário, a leitura prática é simples: o Brasil continua preferindo ajustar o caixa via aumento de carga e rearranjo de bases, em vez de enfrentar com a mesma coragem o lado da despesa e o custo do Estado. Tributar apostas pode ser popular, tributar fintechs pode parecer “corretivo” do ponto de vista político, e elevar IR sobre JCP pode ser vendido como medida sobre grandes grupos. Mas o sistema econômico é um ecossistema. Quando se aumenta custo em segmentos que financiam, intermedeiam, inovam ou sustentam cadeias de pagamento e crédito, o efeito não fica restrito ao “alvo” político. Ele se espalha por custo de capital, precificação, investimento e apetite de risco, em um país onde a taxa de retorno exigida já é elevada.
A trava macroeconômica que limita novos incentivos quando o gasto tributário ultrapassa 2% do PIB também merece leitura cuidadosa. A ideia de freio estrutural é boa, mas pode produzir um efeito colateral perigoso: engessar instrumentos de política econômica justamente quando o país precisar reagir a choques setoriais, crises regionais ou mudanças globais. Incentivo fiscal, quando bem desenhado, é ferramenta anticíclica e de competitividade. Um freio automático sem governança excepcional clara pode transformar o Estado em espectador, incapaz de calibrar incentivos em momentos estratégicos. O que empresários desejam não é um Estado generoso, mas um Estado inteligente. E inteligência institucional exige espaço para escolhas qualificadas, não apenas proibições numéricas.
Incentivo vira ativo regulatório em 2026
Dito isso, é preciso reconhecer que o texto preserva exceções relevantes, como ZFM, Simples Nacional, cesta básica, filantropia e programas sociais. Isso evita um choque social imediato e protege segmentos estruturais. Contudo, o empreendedor que está fora dessas “ilhas de proteção” precisa se preparar para um Brasil em que a previsibilidade tributária continuará sendo a principal moeda. A partir de 2026, o empresário deve olhar para cada incentivo como um ativo regulatório com prazo, condicionantes e risco de revisão. E deve incorporar isso no valuation, no planejamento de expansão, na política de preços e, sobretudo, na governança interna. Quem não mapear dependências de incentivos e não simular cenários de redução, perde competitividade.
O ponto central, portanto, não é demonizar a revisão de benefícios. O Brasil precisa, sim, revisar renúncias. O que não pode é fazer isso com a lógica do improviso fiscal, tratando o setor produtivo como variável de ajuste recorrente. A redução de incentivos, se vier acompanhada de simplificação, estabilidade normativa, melhor ambiente de negócios e redução de custo de conformidade, pode até ser absorvida. Se vier acompanhada apenas de corte linear, novas obrigações acessórias e aumento seletivo de carga, o recado para o capital será negativo. E capital, quando não confia, adia investimento.
Há uma janela de oportunidade aqui. Se o governo e o Congresso quiserem transformar o PLP nº 128 2025 em um marco de modernização real, precisam ancorar três compromissos públicos. Primeiro, metodologia objetiva e transparente de avaliação, com critérios setoriais claros e previsíveis, evitando decisões discricionárias. Segundo, segurança jurídica, com vedação prática a mudanças retroativas, respeito a períodos de transição e proteção a investimentos feitos sob confiança legítima. Terceiro, contrapartida institucional de simplificação, reduzindo obrigações redundantes e acelerando decisões administrativas, porque não há governança possível com um Estado que demora, interpreta mal e muda de entendimento conforme o vento.
Redesenhando a relação entre Estado e setor produtivo
Para o empresário e o empreendedor, a conclusão é pragmática. O país não está apenas “cortando incentivos”. Está redesenhando a relação entre Estado e setor produtivo, com mais controle e mais arrecadação no curto prazo, e com a promessa de mais racionalidade no médio prazo. A promessa pode ser boa. O risco é que ela seja executada como burocracia fiscal e aumento de custo. O Brasil precisa escolher. Ou usa a revisão de incentivos para construir um ambiente de negócios melhor e mais previsível, ou usa a revisão para fechar o caixa de 2026 e empurra o custo para quem investe, produz e emprega.
E se houver um ponto em que o empresariado deve ser firme é este: ajuste fiscal não pode significar, de novo, penalizar o setor produtivo enquanto a ineficiência estatal permanece intocada. Incentivo fiscal não é favor. Quando bem estruturado, é ferramenta de competitividade e desenvolvimento. Quando mal estruturado, é distorção. O PLP nº 128 2025 pode ser o começo de uma correção histórica. Mas só será virtuoso se vier acompanhado de estabilidade, método e respeito à livre iniciativa. Sem isso, será apenas mais um capítulo da velha história brasileira em que o empreendedor é chamado a pagar a conta da desordem.
Mini Curriculum
é advogado tributarista, sócio do escritório RCA Advogados, conselheiro certificado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, mestre em Administração e Finanças pela Ohio University, com especializações em Direito Empresarial e Direito Tributário, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e graduado em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi), em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e em Direito, com Dupla Titulação Internacional, pela Universidad de La Rioja, na Espanha.
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