Lucros ou dividendos distribuídos por optantes do simples nacional: um novo argumento em defesa da não-tributação – 2ª parte

Por Edmar Oliveira Andrade Filho e Marcelo Magalhães Peixoto

11/12/2025 4:23 pm

No estudo anterior, publicado no Rota da Jurisprudência, demonstramos que a Lei nº 15.270/2025 não possui força normativa para afastar a isenção dos lucros distribuídos por empresas optantes do Simples Nacional. Naquela oportunidade, enfatizamos a centralidade do art. 14 da LC 123/2006 e a impossibilidade de sua revogação ou restrição por meio de lei ordinária, dada a reserva constitucional de lei complementar.

Retomamos agora o tema a partir de uma chave interpretativa complementar, desenvolvida por nós, autores deste estudo, e debatida na reunião da APET realizada em 10 de dezembro, que contou com a participação especial dos professores Roberto Quiroga Mosqueira, Fabiana Del Padre Tomé e Renato Nunes.

As contribuições dos convidados não introduziram essa nova tese, pois o primeiro a falar na reunião foi o Edmar Andrade, mas corroboraram sua pertinência, reforçando, no contexto do debate, a necessidade de examinar não apenas a reserva de lei complementar discutida na primeira parte, mas também o âmbito subjetivo de incidência da Lei nº 15.270/2025.

A convergência interpretativa observada na mesa, com a adesão dos debatedores, fortaleceu ainda mais a compreensão de que a conclusão pela não-incidência sobre o Simples Nacional é robusta e tecnicamente inevitável.

Essa nova chave interpretativa, agora sistematicamente organizada, consolida, e, a nosso ver, praticamente torna incontornável, a conclusão de que a nova tributação não alcança os optantes do Simples Nacional.

1. O alcance normativo do novo art. 10 da Lei nº 9.249/1995

O art. 3º da Lei nº 15.270/2025 alterou o caput do art. 10 da Lei nº 9.249/1995, estabelecendo que a isenção dos lucros apurados a partir de janeiro de 1996 somente se aplica às pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, no lucro presumido ou no lucro arbitrado.

Essa redação é clara quanto ao conjunto de contribuintes abrangidos pela nova disciplina. Ela dirige-se exclusivamente às três modalidades clássicas de apuração do IRPJ.

O legislador não incluiu, nem por silêncio, nem por implicitude, as empresas optantes do Simples Nacional.

No Direito Tributário, especialmente ao definir sujeitos passivos, não há espaço para ampliação analógica. Portanto, a ausência de previsão expressa não é lacuna, mas opção legislativa consciente.

Assim, não é possível aplicar a retenção de 10% aos dividendos distribuídos por empresas do Simples. A isenção do art. 14 da LC 123/2006, portanto, permanece integralmente preservada.

2. A tentativa de alcance pelo “imposto mínimo”: um problema constitucional

Pode surgir dúvida a partir do art. 16-A da Lei nº 15.270/2025, que inclui “rendimentos isentos” na base do imposto mínimo. À primeira vista, lucros do Simples poderiam ser englobados.

Contudo, essa leitura é inconstitucional, pois:
(i) Viola a reserva de lei complementar

Lei ordinária não pode restringir ou esvaziar isenção prevista em lei complementar, especialmente uma isenção decorrente de comando constitucional expresso (art. 146, III, “d”).

(ii) Afeta a estrutura do regime especial

A LC 123/2006 não concede um benefício isolado; ela estrutura um regime constitucionalmente protegido. A isenção dos lucros integra seu núcleo essencial.

(iii) Configura esvaziamento indireto da LC 123

Ao incluir lucros do Simples na base do imposto mínimo, a lei ordinária produziria uma restrição oblíqua, portanto inconstitucional, à isenção expressa da LC 123.

A isenção da LC 123/2006 alcança integralmente: a tributação na fonte; e a tributação na declaração.
Logo, não há espaço para que dividendos do Simples componham a base do imposto mínimo.

3. A força sistêmica da LC 123/2006 e sua primazia sobre a Lei 15.270/2025

A LC 123/2006 tem papel estruturante no ordenamento: ela define um regime de proteção constitucional às micro e pequenas empresas.

A isenção dos lucros distribuídos não é acessória nem eventual; é parte essencial da arquitetura econômica e funcional do regime. Alterar ou restringir esse elemento significaria desfigurar o próprio Simples, o que é juridicamente impossível mediante lei ordinária.

A jurisprudência consolidada do STF confirma que, lei ordinária não revoga, não modifica, não restringe, e não reinterpretar norma de lei complementar em matéria constitucionalmente reservada.

Assim, a Lei 15.270/2025 não tem aptidão para atingir o núcleo da LC 123/2006.

4. Conclusões

Da análise conjunta, reforçada pelo debate ocorrido na APET em 10 de dezembro, emergem duas conclusões firmes:
(a) A Lei nº 15.270/2025 não revogou, não alterou e não restringiu a isenção dos dividendos distribuídos por optantes do Simples Nacional.
Sua disciplina dirige-se exclusivamente às pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real, presumido ou arbitrado.

(b) A tentativa de incluir dividendos do Simples na base do imposto mínimo é inconstitucional, por reduzir o alcance de isenção estruturante prevista em lei complementar sob reserva constitucional.

Assim, permanece sólida a conclusão: a isenção dos lucros e dividendos distribuídos por empresas optantes do Simples Nacional segue integralmente válida, tanto na fonte quanto na declaração do beneficiário.

Mini Curriculum

Edmar Oliveira Andrade Filho – Advogado, contador e consultor tributário e societário. Doutor e mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). É professor e palestrante em cursos de Pós-Graduação em Direito Empresarial e em seminários, simpósios e congressos sobre Direito e Contabilidade. Sócio na Prognose Consultoria Empresarial, com sede em São Paulo.

Marcelo Magalhães Peixoto – Presidente-fundador da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET). Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Especialista em Direito Tributário pelo IBET/IBDT. Advogado e Contabilista com mais de vinte e cinco anos de experiência profissional. Sócio da Magalhães Peixoto Advogados. Autor e coautor de diversos livros sobre Direito Tributário. Ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (CARF/MF). Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP).

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