Lei da subvenção pode prejudicar pesquisa e desenvolvimento
Edison Fernandes
Resultado da conversão em lei da conhecida Medida Provisória nº 1.185, a Lei nº 14.789, de 2023, alterou substancialmente a regulamentação do tratamento tributário das subvenções econômicas concedidas pelo Poder Público às empresas privadas. O foco do Ministério da Fazenda ao propor essa mudança parece ter sido o embroglio relativo aos incentivos e benefícios fiscais de ICMS. No entanto, usou-se uma bazuca para tentar matar uma mosca.
As subvenções econômicas estão previstas na Lei das Finanças Públicas (artigo 12, parágrafo 3º, inciso II da Lei nº 4.320, de 1964) e seu tratamento tributário havia sido estabelecido, inicialmente, pelo Decreto-lei nº 1.598, de 1977, e depois adaptado ao padrão internacional de relatórios financeiros (IFRS) por meio do artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014. Já escrevi em outra oportunidade: a solução legislativa combinava aspectos de finanças públicas, tributação e relações societárias e contábeis; por conta disso, era uma regulamentação que merecia elogio.
Os dispositivos das leis tributárias foram revogados expressamente pela Lei nº 14.789, de 2023, que no seu artigo 1º estabelece: “A pessoa jurídica tributada pelo lucro real que receber subvenção da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para implantar ou expandir empreendimento econômico poderá apurar crédito fiscal de subvenção para investimento”. Note-se que não se trata apenas de subvenção estadual – caso dos incentivos e benefícios do ICMS –, mas de qualquer ente da Federação, inclusive a própria União.
A regulamentação atual abre uma lacuna tão grande quanto perigosa às subvenções econômicas destinadas a fomentar a pesquisa e o desenvolvimento na área tecnológica (P&D). Tratarei neste espaço de apenas um exemplo, mas que vale para qualquer situação de recursos públicos não reembolsáveis destinados a P&D, sejam federais, estaduais ou municipais.
A Lei nº 11.540, de 2007, criou o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT. Ainda de acordo com essa lei, os recursos do FNDCT podem ser aplicados de maneira não reembolsáveis para concessão de subvenção econômica às empresas. Para ter acesso a essas subvenções, as empresas interessadas devem apresentar projeto, com começo, meio e fim, assumindo compromissos perante o Poder Público, em processos abertos por editais públicos. Portanto, o ente concedente da subvenção econômica avalia previamente a destinação dos recursos e avalia a prestação de contas durante e no fim do projeto.
A incerteza está exatamente em saber se essas subvenções econômicas – como por exemplo, com recursos do FNDCT – devem ser incluídas no cálculo dos tributos pelas empresas beneficiárias, em estrita aplicação da Lei nº 14.789, de 2023. Se assim for, no projeto a ser submetido ao FNDCT, deverá constar uma linha específica para a tributação dos respectivos recursos. O governo dá com uma mão e retira com a outra.
Além disso, a Lei nº 14.789, de 2023, disciplina as subvenções governamentais concedidas às pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real. Sabe-se, no entanto, que muitas empresas que se aventuram em P&D são de menor porte, várias no início de operação. Com isso, é provável que essas empresas optem pelo Simples Nacional ou mesmo pelo lucro presumido. Se for assim, a que regime jurídico essas empresas de menor porte estão sujeitas?
Há pouco mais de 10 anos escrevo neste espaço. Em diversos artigos defendi que o tributo está a serviço da política econômica, ou seja, o tributo não é um fim em si mesmo e não se presta apenas e tão somente à arrecadação. Ao que parece, o Ministério da Fazenda ao propor a MP 1.185 (convertida na Lei nº 14.789, de 2023) não atentou para esses dois fatores.
Edison Fernandes
Doutor em Direito pela PUC-SP, professor da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas