Imunidade na cobrança de ICMS relativo ao gás liquefeito de petróleo derivado de petróleo (GLP-P) versus gás liqueifeito de petróleo derivado de gás natural
Milena Abdalla Chicarelli
RESUMO: Pretendemos com o presente artigo, expor um panorama a respeito da imunidade alcançada pelo gás liquefeito de petróleo derivado de petróleo (GLP-P). Apesar do referido art. 155, § 2º X,’b’ imunizar as operações interestaduais com as referidas mercadorias, não estendeu essa prerrogativa ao gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural (GLP-GN) pelo fato de não ser derivado de petróleo. O art. 2º, XVIII do Decreto 7.382/2010 diz que o gás natural é extraído de reservatórios petrolíferos e mesmo assim a interpretação que o Fisco faz a respeito da legislação aplicável ao assunto não corresponde com a realidade. Isso é demonstrado a cada parágrafo desse breve artigo. A norma jurídica para pertencer ao Ordenamento Jurídico precisa ser válida, significa buscar então seu fundamento de validade em outra norma hierarquicamente superior. Não há que se falar em alteração desse preceito Constitucional por meio de Emendas à Constituição. A despeito dessas Emendas algumas vezes agravarem a situação do contribuinte não podem dar novo fundamento de validade inclusive às normas que surgem em desacordo à ordem constitucional. O benefício da imunidade deve ser também concedido do GLP-GN com base nos fundamentos elencados no presente artigo.
PALAVRAS-CHAVE: GLP-P, GLP-GN, petróleo, gás, ICMS, , imunidade
ABSTRACT: We intend to expose through the current article a panorama with respect to the immunity achieved by liquified petroleum gas derived from petroleum (LPG-P). Even though art. 155, § 2º X,’b’ provides immunity to these merchandises in interstate operations, it did not extend this prerogative to the liquified petroleum gás derived fron natural gás (LPG-NG) due to the fact it is not derived from petroleum. The art. 2º, XVIII do Decreto 7.382/2010 says that the natural gas is extracted from petroleum reserves but still the Tax Authority (Fisco) interpretation of applicable legislation on the topic does not correspond to reality. This is demonstrated through each paragraph of this brief article. The legal norm to belong to the Legal System needs to be valid, which requires to search for the basis of its validity in another hierarchically superior norm. There is no reason to discuss the alteration of this constitutional precept through Amendments to the Constitution. Despite these Amendments sometimes worsening the situtation of the taxpayer they cannot provide new valid foundations including Standards that arise in disagreemnt to the constitutional order. The benefit of immunity must be also granted to LPG-NG on the basis of the concepts listed in the present article.
KEY WORDS: GLP-P, GLP-GN, petroleum, gas, ICMS, immunity.
Sumário: Introdução; 1.Razão subjacente para a imunidade do GLP-P; 2. A Emenda Constitucional 33/2001; 3. GLP-P versus GLP-GN; Conclusão, Bibliografia
INTRODUÇÃO
À atividade petrolífera é essencial a existência de um regime fiscal equilibrado e harmonioso que leve em consideração a realidade do setor, para tanto é preciso conjugar a dinâmica peculiar e complexa desta atividade ao Direito Positivo, especialmente observando os princípios e normas gerais do direito tributário.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 começou-se a tributar com ICMS a circulação interestadual com combustíveis e lubrificantes, ocorre que naquele momento o texto de lei não fez qualquer menção que distinguisse os regimes jurídicos entre GLP-P (gás liquefeito de petróleo derivado de petróleo) e GLP-GN (gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural). Posteriormente se fez necessário diferençar o regime jurídico dos referidos produtos conforme dispõe o art. 155, §2º X, ‘b’ da Constituição Federal.
Apesar do referido art. 155, § 2º X,’b’ imunizar as operações interestaduais com as referidas mercadorias, não estendeu essa prerrogativa ao GLP-GN pelo fato de não ser derivado de petróleo. Seria interessante que o gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural pudesse usufruir do mesmo regime jurídico tributário que o derivado de petróleo, visto que é mais benéfico ao meio ambiente e à sustentabilidade.
O Fisco interpretou que mesmo que o gás natural seja extraído diretamente de reservatórios petrolíferos não deverá gozar da referida norma imunizante. É com esse entendimento que o fisco onera demasiadamente a operação envolvendo o GLP-GN não restando muitas opções para diversos grupos econômicos no sentido de aumentar a sua comercialização frente ao GLP-P.
•RAZÃO SUBJACENTE PARA A IMUNIDADE DO GLP-P
Parte da dogmática entende que a norma de imunidade é uma limitação constitucional ao poder de tributar, data máxima vênia, temos que discordar com tal afirmação visto que a imunidade não exclui, tampouco suprime competência tributária, pois analisando a semântica dos termos “suprimir” bem como “excluir”, temos por “suprimir” o ato de anular, cancelar e por “excluir” pressupõe algo que antigamente era incluído e agora foi expulso, e, portanto excluído.
A norma imunizadora está demarcando a competência tributária dos entes que detém aptidão legiferante, no momento da tomada de decisão, o legislador levará em consideração uma série de valores, circunstâncias para que decida deixar, determinadas matérias, de fora do campo tributável.
PAULO DE BARROS CARVALHO (2011, p.173) afirma que com relação às imunidades tributárias, podemos colocá-las como:
“classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”.
Apesar do referido art. 155, § 2º X,’b’ imunizar as operações interestaduais com as referidas mercadorias, não estendeu essa prerrogativa ao GLP-GN pelo fato de não ser derivado de petróleo. Estudos da petrobrás, concluiram que o GLP-GN é fonte de energia mais limpa que o derivado de petróleo e com menor custo de manutenção para os equipamentos que fizerem uso desse combustível. A própria lei do petróleo 9.478/97 destaca em seu artigo1º o seguinte:
“As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão os seguintes objetivos: (…) IV- proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia; (…), VI- incrementar, em bases econômicas, a utilização do gás natural; (…); VIII- utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis; (…); X- atrair investimento na produção de energia; (…) XI- ampliar a competitividade do País no mercado internacional” (grifos nossos).
Vale lembrar a questão da sustentabilidade que já é objeto de discussão de todas as convenções, fóruns internacionais. Apesar de tudo, o cientista do direito continua produzindo o ato de valorar inadequadamente à realidade.
O art. 2º, XVIII do Decreto 7.382/2010 explica que:
“Gás natural ou gás, todo hidrocarboneto que permaneça em estado gasoso nas condições atmosféricas normais extraído diretamente a partir de reservatórios petrolíferos ou gaseíferos cuja composição poderá conter gases, úmidos, secos, residuais”. (grifos nossos)
Como foi possível perceber pela simples leitura da lei, o gás liquefeito de petróleo derivado de gás natural (GLP-GN) é extraído de reservatórios petrolíferos, no entanto, entende o Fisco que somente o gás liquefeito de petróleo derivado de petróleo (GLP-P) é que deve se beneficiar da imunidade relativa à cobrança de ICMS..
•A EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2001
Nosso ordenamento jurídico é um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide, ordenadas sintaticamente.A norma mais importante é a Constituição Federal, e é a partir dela que outras normas hierarquicamente inferiores retiram seus fundamentos de validade.
Conforme o direito positivo, uma norma jurídica para pertencer ao Ordenamento Jurídico precisa ser válida, significa buscar então seu fundamento de validade em outra norma hierarquicamente superior.
Conforme entendimento de ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA:
“Conhecida a estrutura hierárquica do ordenamento jurídico, torna-se relativamente fácil ao intérprete ou ao aplicador do Direito dirimir qualquer conflito interno de normas. Tratando-se de normas de hierarquia diversa, prevalecerá à superior, isto é a de mais alta hierarquia, porque à outra, exatamente por contraditá-la, faltará”
É possível tomar o direito positivo como conjunto de normas jurídicas válidas em um ordenamento. À norma constitucional, instância mais elevada do sistema jurídico, compete estabelecer quais os procedimentos a serem seguidos para que a norma possa ingressar no sistema.. Não há que se falar em alteração desse preceito Constitucional por meio de Emendas à Constituição., a despeito dessas Emendas algumas vezes agravarem a situação do contribuinte não podem dar novo fundamento de validade inclusive às normas que surgem em desacordo à ordem constitucional.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2005, p.60)
“(…) Emenda Constitucional – diferentemente de uma nova Constituição – não é ruptura com o ordenamento jurídico anterior, mas, pelo contrário, funda-se nele, nele se integra e representa sua continuidade, donde seria inadmissível entender que tem o efeito de “constitucionalizar”, ainda que daí para o futuro, leis originariamente inconstitucionais. Deveras, tal intelecção, propiciaria fraude ao próprio ordenamento, pois ensejaria e confortaria sua burla, efetuável mediante produção de leis inconstitucionais em antecipação a emendas futuras (…). ”
Às Emendas Constitucionais é dada a prerrogativa de complementar algum preceito constitucional, tomando-o como base. Acontece que a Emenda Constitucional 33/2001 acrescentou os §4º e §5º ao art.155 da Constituição Federal.
Esse §4º menciona a hipótese do inciso XII, ‘h’ do referido art. 155 da Constituição Federal, determina que caberá à Lei Complementar definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez qualquer que seja sua finalidade, hipótese esta que não se aplicará o disposto no §2º inciso X ‘b ’ (que dispõe que não incidirá o imposto ICMS sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica).
•GLP-P versus GLP-GN
Além do apelo jurídico filosófico, também observamos o aspecto econômico do presente tema. Curioso o fato de que a própria lei do petróleo 9.478/97 destaca em seu artigo1º o seguinte:
“As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão os seguintes objetivos: (….) IV- proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia; (….), VI- incrementar, em bases econômicas, a utilização do gás natural; (….); VIII- utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis; (….); X- atrair investimento na produção de energia; (…) XI- ampliar a competitividade do País no mercado internacional”. (grifos nossos)
Diversos estudos realizados comprova que o GLP-GN é mais benéfico ao meio ambiente do que o GLP-P. A própria empresa Comgás se ocupou em detalhar todos os possíveis benefícios do GLP-GN derivado de gás natural frente ao GLP-P derivado de petróleo conforme quadros abaixo.
Como podemos observar, o GLP-GN tem considerável vantagem frente ao GLP-P, porém ainda assim nossos legisladores não se atentaram para esse fato. O monopólio para a comercialização de gás sempre existiu ficando a cargo de empresas estaduais distribuidoras como também ao próprio Governo Estadual. Esses são os responsáveis pela política local de uso desse gás, logicamente não podendo infringir qualquer dispositivo sobre o assunto que esteja ressaltado em lei de hierarquia superior. Ocorre que os Governos são inúmeros e podem criar seus próprios sistemas de regulamentação do preço através de Convênios.
CONCLUSÃO
Como dissemos adrede exposto, após averiguar a respeito da Em relação à imunidade prevista no art. 155, §2 º, X, ‘b’ da Constituição Federal chegamos às seguintes conclusões:
• A respeito da imunidade prevista no art. 155, II, 2º X, ‘b’ da Constituição Federal, entendemos que a utilização do termo “operações que se destinem”, significa dizer que somente a saída estará coberta por tal norma imunizadora e dessa forma ocorrerá à tributação na entrada da mercadoria no outro Estado e não fará jus ao uso dessa imunidade.
• Entendemos que a referida imunidade deve ser estendida ao GLP-GN e, portanto não ensejar a cobrança de ICMS. Não poderá portanto o imposto acrescer no valor final do produto.
• O direito positivo é formado por um conjunto de normas jurídicas válidas dentro do Ordenamento Jurídico e estruturadas na forma hipotético-condicionais.. É a Constituição Federal a norma máxima que está localizada no topo da pirâmide e que deve dar fundamento as demais normas hierarquicamente inferiores.Interpretamos que à Lei Complementar e à Emenda Constitucional não compete restringir o instituto da imunidade.
• O GLP-GN é comprovadamente por pesquisas, uma fonte renovável, sustentável e economicamente mais viável que o GLP-P, contudo não lhe foi concedido o benefício da imunidade do ICMS nas operações de circulação de mercadoria interestadual.
BIBLIOGRAFIA
CARDOSO, Auta Alvez. Gás como Fonte de Energia Sustentável. A Importância de sua Desoneração Fiscal. in Heleno Taveira Torres (coord), Tributação no Setor de Petróleo., São Paulo,:Quartier Latin, 2005.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 27ed, São Paulo: Malheiros,2010.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23ed, São Paulo: Saraiva, 2011.
CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro.11ed., Rio de Janeiro: Forense,2010.
GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Exigência em relação à Extração de Petróleo, Dialética n° 100/2004
MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Leis originalmente inconstitucionais compatíveis com emenda constitucional superviniente” in Heleno Taveira Torres (coord), Teoria Geral da obrigação Tributária (Estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges), São Paulo, Malheiros, 2005
www.comgas.com.br
Milena Abdalla Chicarelli
Advogada; Mestranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Especialista em direito tributário pelo COGEAE- PUC;
MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios - Fundação Getúlio Vargas –FGV;
Professora assistente da Pós Graduação lato sensu do COGEAE- PUC-SP;
Integrante do Grupo de Estudos Tributários do Prof. Dr. Paulo de Barros Carvalho.