ICMS – Estoque final no encerramento da atividade não configura fato gerador do imposto

Por Rafael Santiago Araujo

19/02/2015 12:00 am

1. Introdução

O Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestação de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS, é tributo previsto no artigo 155, II, da Constituição Federal de 1988, que através deste comando normativo conferiu aos Estados e ao Distrito Federal a competência para legislar sobre o referido gravame.

Visando traçar normas gerais acerca do ICMS, em cumprimento ao disposto no artigo 146, III, “a”, c/c artigo 155, § 2º, XII, da Constituição Federal, foi editada a Lei Complementar nº 87/96, que substituiu o Decreto-lei nº 406/68 e o Convênio ICMS nº 66/88, devendo tal norma ser observada relativamente aos preceitos que não contrariarem a Carta Magna.

Assim, tendo sido estabelecido o arcabouço do ICMS através da legislação federal, aos Estados compete legislar concorrentemente sobre o imposto em questão, nos moldes do artigo 24, da Lei Maior, isto é, em observância aos parâmetros gerais já delineados pela União.

2. Fato Gerador e Estoque Final

Em linhas gerais, como cediço, o fato gerador do ICMS é a circulação de mercadorias, no momento da sua saída do estabelecimento do contribuinte, consoante a dicção do artigo 2º de sua lei de regência (LC 87/96).

Todavia, adentrando especificamente ao tema ora proposto, tem-se observado em algumas legislações estaduais a tentativa subversiva de se equiparar à circulação de mercadorias a mercadoria constante do estoque final no momento do encerramento das atividades do contribuinte.

A exemplo, cite-se as os Regulamentos do ICMS dos Estados da Bahia (inciso I do § 1º do art. 2º do RICMS/BA-97), Ceará (inciso II do § 3º do art. 3º do RICMS/CE-97) e São Paulo (inciso I do artigo 3º do RICMS/SP-2000).

Ocorre que, em que pese a legislação do ICMS ser de competência estadual, esta, como já frisado, deve observar as normas gerais estabelecidas para o imposto em comento, não podendo, inclusive, inovar quanto à sua regra matriz, isto é, in casu, ao seu critério material.

Isso porque, na esteira do artigo 146, III, “a”, da Constituição da República, cabe à lei complementar, no tocante aos impostos discriminados na Constituição, definir os respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

Aliás, é consabido que o fato gerador do ICMS fora definido pela Lei Complementar nº 87/96, não podendo ser modificado ou revisto por norma inferior, qual seja, os respectivos decretos estaduais, sob pena de grave afronta o princípio da reserva legal.

Portanto, indubitável que nem mesmo a própria lei ordinária dos Estados poderiam estabelecer ou modificar critério material de incidência para o ICMS diferente daquele já delimitado pela Lei Complementar nº 87/96, o que, por conseguinte, tampouco seria possível à mera disposição regulamentar.

3. Posição Jurisprudencial

Por fim, cumpre-nos trazer à baila o posicionamento jurisprudencial da referida discussão perante a Suprema Corte.

Felizmente, houve, recentemente, entendimento do Supremo Tribunal Federal favorável ao contribuinte, estabelecendo assim a segurança jurídica das relações, ao firmar o seu compromisso de guardião da Constituição, pregando o respeito às normas gerais em matéria de direito tributário.

A questão foi levada ao Supremo através de um Agravo Regimental em Recurso Extraordinário nº 763332, sob a relatoria do Ministro Roberto Barroso, cuja ementa merece transcrição:

“(…) AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ICMS. DECRETO ESTADUAL QUE RELACIONA O FATO IMPONÍVEL AO ESTOQUE FINAL. AFRONTA À RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. O Estado do Ceará estabeleceu, por intermédio de ato infralegal, hipótese de incidência do ICMS diversa daquela prevista na Lei Complementar nº 87/1996. Ao assim proceder, a Administração tributária local violou a reserva de lei complementar para dispor sobre a materialidade do imposto. Agravo regimental a que se nega provimento (…).”   (STF – ARE: 763332 CE, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 19/08/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-170 DIVULG 02-09-2014 PUBLIC 03-09-2014)

Destarte, não restam dúvidas de que as legislações estaduais que estipulam/acrescentam tal critério material para o ICMS aviltam a reserva de lei complementar instituída pelo poder constituinte originário.

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Advogado Tributarista em São Paulo.

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