Entendimento sobre a incidência de ISS ou de ICMS no licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador
Gabriel Paulino Marzola Batiston
Introdução
Atualmente, em virtude da arrecadação de tributos, os Municípios e os Estados vêm travando discussões acirradas sobre a incidência de ISS ou de ICMS no licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador (softwares).
Nas decisões proferidas pelos Tribunais Superiores acerca da matéria, verificamos que há a diferenciação entre o "Software sob Encomenda" e o "Software de Prateleira", pois, segundo estes, dependendo da finalidade (prestação de serviço ou venda de mercadoria), incidirá ISS ou ICMS.
No entanto, verificaremos a seguir que o assunto não é tão simples.
I – Da incidência do ISS
A Constituição Federal dispõe em seu artigo 156, inciso III, que compete aos Municípios instituírem impostos sobre serviços de qualquer natureza.
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…)
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
Cabe a lei complementar regular sobre as alíquotas máximas e mínimas, a incidência do imposto e a forma e condições do imposto sobre a prestação de serviços, conforme disposto no §3º e incisos do artigo supracitado.
Art. 156. (…)
(…)
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;
II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.
III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
A lei complementar que regula o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) é a número 116/2003, que diz em seu artigo 1º:
Art. 1º. O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
Desta forma, sempre que o fato gerador constar na lista anexa da lei complementar 116/2003 incidirá o ISS.
II – Da incidência do ICMS
O art. 155, inciso II da Constituição Federal diz que os Estados e o Distrito Federal são competentes para instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS):
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
A regulamentação do ICMS será mediante lei complementar, conforme reza o §2, inciso XII, alíneas a à i, do artigo supracitado:
Art. 155. (…)
(…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
XII – cabe à lei complementar:
a) definir seus contribuintes;
b) dispor sobre substituição tributária;
c) disciplinar o regime de compensação do imposto;
d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços;
e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a";
f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b;
i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.
A lei complementar 87/96 (Lei Kandir) regula e dispõe sobre a incidência do ICMS:
Art. 2º O imposto incide sobre:
I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
II – prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;
III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
V – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.
§ 1º O imposto incide também:
I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;
II – sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
III – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.
§ 2º A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua.
Assim, qualquer das situações acima constituem fato gerador do ICMS.
III – Software sob Encomenda e Software de Prateleira e a incidência de ISS ou ICMS segundo a jurisprudência
Primeiramente, cumpre distinguirmos o software sob encomenda do software de prateleira, sendo que o primeiro é definido como um programa de computador produzido de forma personificada para atender a necessidades específicas de determinado usuário, onde as partes firmam contrato de licença ou cessão de uso, enquanto o segundo é definido como um programa de computador criado em larga escala e vendido de forma impessoal para clientes que o compram como uma mercadoria qualquer, também por meio de contratos de adesão.
Tal distinção é necessária, pois, os Tribunais Superiores vêm decidindo que sobre a venda de software sob encomenda incide o ISS, e sob a venda de software de prateleira incide o ICMS.
Neste sentido, o item III do julgamento do Recurso Extraordinário nº 176.626-3, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/11/1998, DJ 11/11/1998, dispõe:
EMENTA: (…). III. Programa de computador ("software") : tratamento tributário: distinção necessária.
Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de "licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador" – matéria exclusiva da lide -, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado "software de prateleira" (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio".
E também o Recurso Especial nº 216.967, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 28 de agosto de 2001, DJ 22/04/2002:
EMENTA TRIBUTÁRIO – PROGRAMAS DE COMPUTADOR -DL 406/8 – INCIDÊNCIA DO ISS OU DO ICMS.
1. Esta Corte e o STF posicionaram-se quanto às fitas de vídeo e aos programas de computadores, diante dos itens 2 e 24 da Lista de Serviços.
2. Os programas de computador desenvolvidos para clientes, de forma personalizada, geram incidência de tributo do ISS.
3. Diferentemente, se o programa é criado e vendido de forma impessoal par clientes que os compra como uma mercadoria qualquer, esta venda é gravada com o ICMS.
4. Hipótese em que a empresa fabrica programas específicos para clientes.
5. Recurso improvido.
Ambos os julgados supracitados decidem que se o software for desenvolvido de forma personalizada, incide ISS, e, se o software for vendido de forma impessoal como uma mercadoria qualquer, incide ICMS.
IV – Os programas de computador e a Lei 9.609/98 e Lei Complementar 116/2003
Embora a discussão sobre a incidência de ISS ou ICMS no licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador esteja pacificada nos tribunais superiores, cumpre destacarmos que os julgados mencionados foram decididos sobre a égide da Lei 7.646/87.
Entretanto, entre estes julgados, tivemos a criação da Lei 9.609/98, que em seu artigo 9º dispõe que o uso de programas de computador no País será por meio de contrato de licença:
Art. 9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.
Ou seja, só poderá ser usuário/comprador de programa de computador aquele que firmou contrato de licença.
Portanto, quando um usuário/comprador se dirige a uma revenda de programas de computador, ele está aderindo a um contrato de licença.
Desta forma, este usuário/comprador está praticando o fato gerador previsto no art. 1º c/c item 1.05, ambos da Lei Complementar 116/2003, que assim dispõem:
Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.
Conforme o item acima, o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação é fato gerador para o ISS.
V – Conclusão
Diante do exposto, entendemos descabida a distinção entre software sob encomenda e software de prateleira para fins de tributação, pois, o uso de ambos se dá pela ocorrência de contrato de licença ou cessão de direitos de uso, portanto, são fatos geradores do ISS.
Gabriel Paulino Marzola Batiston
Advogado e Consultor Tributário, formado em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP.
Cursando MBA em Gestão Tributária na Fundace-USP