Empresários, políticos e seus familiares vão poder repatriar e legalizar dinheiro escondido no exterior, inclusive nos casos da Lava Jato
Luiz Flávio Gomes
Está vencendo o prazo para que os delinquentes endinheirados (plutocracia criminosa) regularizem seus bens mandados para o exterior ilicitamente (em regra, para paraísos fiscais como Suíça, Bahamas, Panamá etc.). A lei de repatriação no Brasil foi aprovada em janeiro/16.
A repatriação de bens é algo corriqueiro na experiência internacional. Mudam as regras e as condições conforme cada país e cada momento histórico. Mas o direito penal, de qualquer modo, no mundo todo, trata as castas e os privilegiados de forma sempre diferenciada.
O governo já arrecadou com a regularização mais de R$ 7 bilhões de reais. A primeira lei que cuidou do tema já gerou muita polêmica, mas nada se compara em termos de despudor com o projeto de lei que está sendo discutido pelo novo bloco de poder (PMDB, PSDB, DEM etc.), que deve aprovar o novo texto com o possível apoio até mesmo do lulopetismo.
O corrupto lulopetismo caiu de paraquedas na presidência do clube das castas cleptocratas e lá permaneceu durante 13 anos (surrupiando o dinheiro público). Mas quem realmente mantém a linhagem escravocrata das regras do jogo da cleptocracia é o novo bloco de poder, que já tem mais de 500 anos de experiência na arte de roubar o dinheiro público e ficar impune.
Desse novo bloco de poder podemos esperar tudo, porque eles são institucionalmente mais fortes e moralmente tão depravados quanto os exploradores coloniais.
O que estão querendo aprovar?
novo prazo para a regularização dos bens no exterior;
uma equação fiscal mais favorável aos delinquentes, que pagariam menos impostos (menos que os 22% já previstos na lei vigente);
revogação do artigo que proíbe a repatriação em favor de agentes públicos e políticos e seus familiares;
mais flexibilização em relação à origem dos bens, o que permitiria repatriar ativos envolvidos inclusive com corrupção;
isso afeta a Lava Jato intensamente (porque deixará de recuperar grande parcela do dinheiro desviado);
a nova lei é descaradamente uma lavagem oficial de dinheiro, prevendo-se uma anistia penal ampla.
Por que todo mundo está querendo regularizar ativos ilícitos mandados para o exterior?
Porque os países estão fartos de tanta evasão fiscal e estão querendo controlar os trilhões de dólares que estão depositados em paraísos fiscais.
O Congresso brasileiro aprovou recentemente a Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, que foi assinada pelo Brasil durante Reunião de Cúpula do G-20, em Cannes, no ano de 2011.
A Convenção Multilateral constitui hoje o instrumento mais abrangente no âmbito da cooperação tributária internacional para combater a evasão fiscal e o planejamento tributário agressivo.
A entrada em vigor da Convenção permitirá ao Brasil o acesso a informações tributárias e financeiras de quase uma centena de países e jurisdições, com destaque para os modelos de intercâmbio automático de informações: o “Padrão para o Intercâmbio Automático de Informações Financeiras para Fins Tributários” (“Standard for Automatic Exchange of Financial Account Information in Tax Matters”), que permitirá à Receita Federal receber dados financeiros de interesse de todas as jurisdições signatárias, inclusive as de tributação favorecida; e o relatório de operações de grupos multinacionais (“Country by Country Reporting”), que incluirá as informações sobre as operações globais de tais grupos, sempre que possuam filiais no País (ver fazenda.gov.br).
Assim, com a internalização da Convenção Multilateral, o Brasil estará ampliando a sua rede de intercâmbio de informações e fortalecendo sua imagem internacional quanto à transparência em matéria tributária, confirmando seus compromissos perante o G20 e o Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins Tributários (ver fazenda.gov.br).
A Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) ameaça acionar o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal (STF) caso o Congresso Nacional aprove a flexibilização da lei de repatriação que permite a regularização de dinheiro enviado ilegalmente ao exterior. Em nota de repúdio, a Unafisco classifica de desfaçatez a tentativa de parlamentares de aprovar mudanças na lei permitindo a redução da tributação que é cobrada pela Receita em troca da regularização do dinheiro não declarado.
Os políticos, se aprovarem o novo texto como anunciado, estarão legislando em causa própria. Estão aprovando uma lei de anistia penal em benefício deles mesmos (e de seus familiares). A imoralidade é evidente.
Considerando-se o total desprestígio dos políticos assim como a contaminação de todos os poros do corpo social pelos princípios da desorganização, da anomia e da anaxia, é evidente que sua postura deveria ser outra, se quisesse restabelecer o princípio de autoridade e da moralidade.
Em lugar de buscar mais confiança o Parlamento brasileiro distingue-se pela prática do mal vil, desprezível, pelo lodo, pela baixeza, pela degradação e pela corrupção. A imoralidade se espalha pelos quatro cantos, expondo em suas vísceras toda casta de vícios que exasperam a cada dia mais a indignação da população brasileira.
Se a sociedade civil nada fizer, novos desmandos vão se consumar. Restaria contar com o STF para julgar a inconstitucionalidade dessa lei de anistia. Mas o STF vai ter coragem de enfrentar as castas corruptas intocáveis?
Luiz Flávio Gomes
Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.luizflaviogomes.com