Discussão sobre índice de atualização de créditos representados por precatórios
Kiyoshi Harada
Penso que a discussão acerca do índice de correção monetária a ser aplicado sobre os créditos representados por precatórios deveria cessar ao menos no âmbito federal e para o exercício de 2014.
Como se sabe, o § 12, do art. 100 da CF na redação dada pela Emenda Constitucional nº 62/2009 prescreveu que:
"a atualização de valores de requisitórios, após a sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios".
Nos autos da ADI nº 4.425 o Plenário do STF julgou esse parágrafo parcialmente inconstitucional resultando na supressão da referência à remuneração básica da caderneta de poupança.
Antes de terminar o julgamento com a modulação dos efeitos da decisão o Acórdão foi publicado no DJe do dia 19-12-2013, deflagrando o seu efeito. Disso decorreram inúmeros problemas.
Enfocaremos neste artigo o problema relacionado com a correção monetária dos valores consignados nos precatórios.
Por força da publicação do Acórdão foi inserido na Lei nº 12.919 de 24-12-2013, que aprovou as Diretrizes Orçamentárias para o exercício de 2014, o art. 27 do seguinte teor:
"A atualização monetária dos precatórios, determinada no § 12 do art. 100 da Constituição Federal, inclusive em relação às causas trabalhistas, previdenciárias e de acidente do trabalho, observará, no exercício de 2014, a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Especial – IPCA-E do IBGE".
Assim, ao menos no âmbito da União não deverá continuar a discussão durante o exercício de 2014, pois está assegurada a aplicação do IPCA-E do IBGE.
Resta verificar a natureza vinculante dessa Lei de Diretrizes Orçamentárias. A LDO, a exemplo da Lei Orçamentária Anual – LOA – e Lei do Plano Plurianual – PPA – é uma lei de efeito concreto de duração determinada. Serve para, entre outras coisas, orientar a elaboração da proposta orçamentária.
Tendo a LDO fixado o IPCA-E como índice de correção dos valores concernentes a requisitórios judiciais presume-se que a LOA de 2014 consignou a verba necessária ao pagamento dessas atualizações.
A lei orçamentária, apesar de sua peculiaridade, quer por ter natureza concreta, quer pela sua vigência temporária, tem o efeito de lei material, tanto é que o STF vem admitindo o controle abstrato de suas normas.
Dessa forma, na esfera da União durante o exercício de 2014 os valores dos precatórios devem ser corrigidos pelo IPCA-E. Qualquer que seja a orientação doutrinária ou jurisprudencial acerca da natureza jurídica da LDO – se é lei apenas no sentido formal, ou também no sentido material – o certo é que por se tratar de instrumento legislativo aprovado pela União, aquele art. 27 da LDO tem efeito vinculativo em relação a valores consignados nos precatórios de responsabilidade da União.
Contudo, é importante a definição do STF quanto ao índice de atualização de precatórios em âmbito nacional (União, Estados e Municípios) e de forma permanente, já que foi considerado inconstitucional o emprego da TR que não está vinculada à inflação. Sem essa definição a insegurança jurídica tomará conta do País, abarrotando os tribunais com discussões acerca da utilização de um dos índices entre as dezenas existentes.
Realmente, o emprego da TR para atualização de débitos resultantes de condenação judicial só serve para estimular o poder público inadimplente a continuar com a política de desvios de recursos financeiros destinados ao pagamento de precatórios.
Cumpre ao Judiciário, que detém a jurisdição em regime de monopólio estatal, zelar pela correta aplicação do direito afastando aquelas normas que atritam com a finalidade última da jurisdição que é a de promover a distribuição de justiça.
Resta claro que não é justo o poder público inadimplente utilizar-se de um índice para corrigir as contas de poupança abertas voluntariamente pelos interessados e que não tem vinculação com o processo inflacionário, com a atualização de débitos resultantes de condenação judicial que devem ser pagos pelo seu exato valor atualizado em termos de poder aquisitivo da moeda.
Kiyoshi Harada
Sócio fundador da Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos - CEPEJUR. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo e ex-Diretor da Escola Paulista de Advocacia.