Crimes tributários. Condição de procedibilidade da ação penal

Kiyoshi Harada

Os crimes tributários estão previstos no art. 1º da Lei nº 8.137/90. Todas as condutas tipificadas nos cinco incisos desse artigo pressupõem supressão ou redução de tributo. São, pois, crimes de natureza material em que se exige o resultado naturalístico.

Doutrina e jurisprudência continuam denominando esse crime contra a ordem tributária de crime de sonegação fiscal, então previsto na Lei nº 4.729/65, e que se classifica como crime de mera conduta, não se exigindo o resultado naturalístico.

É certo que o inciso I, do art. 2º da Lei nº 8.137/90 incorporou o disposto no inciso I, do art. 1º da Lei nº 4.729/65 ao dispor:

“I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se total ou parcialmente, de pagamento de tributo.”

Apesar de o art. 2º da Lei nº 8.137/90 prescrever que “constitui crime da mesma natureza”, isto é, crime contra ordem tributária, o certo é que aquele art. 2º só descreve crimes de mera conduta não se exigindo que haja supressão ou redução do tributo.

Daí porque utilizar indiferentemente a expressão “crime contra ordem tributária” e “crime de sonegação fiscal,” sem distinguir as hipóteses do art. 1º e do art. 2º da Lei nº 8.137/90, pode ensejar confusão na definição do tipo objetivo: no primeiro caso, não haverá crime sem supressão ou redução do tributo; no segundo caso, basta a intenção do agente de suprimir ou reduzir o tributo.

No crime contra a ordem tributária a constituição prévia do crédito tributário configura condição de procedibilidade da ação penal. Não basta a intenção do agente de suprimir ou reduzir tributos, impondo-se a efetiva supressão total ou parcial do crédito tributário. É o que dispõe a súmula vinculante nº 24 do STF:

“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, I, a IV, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.”

Três observações se impõem com relação a essa súmula vinculante.

Primeira observação

O enunciado da súmula refere-se a crime material contra a ordem tributária para deixar bem claro que não se estão submetidos ao efeito vinculante os crimes de mera conduta referidos no art. 2º da Lei nº 8.137/90, apesar da expressão aí consignada: “constitui crime da mesma natureza.”

Segunda observação

Apesar do campo de abrangência da súmula vinculante não alcançar a conduta descrita no inciso V, o certo é que a conduta aí descrita integra o crime de natureza material, exigindo-se a supressão ou redução do tributo.

Muito provavelmente a não inclusão do inciso V resultou de omissão involuntária por ocasião da elaboração do enunciado da súmula vinculante de nº 24.

Terceira observação

A expressão “lançamento definitivo do tributo,” utilizada na referida súmula vinculante, consoante escrevemos, não corresponde àquele referido no art. 145 do CTN, mas o esgotamento da discussão administrativo do crédito tributário que tem início com a impugnação apresentada pelo contribuinte notificado do ato do lançamento.[1]

De fato, o enunciado da súmula vinculante nº 24 reflete o posicionamento adotado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal que se filiou à corrente doutrinária majoritária, segundo a qual o crédito tributário só se tem por definitivamente constituído com a final manifestação da administração tributária, quer por esgotamento dos recursos previstos em lei, quer pela não interposição tempestiva dos recursos cabíveis.

Na verdade, o procedimento administrativo do lançamento encerra-se com as providências previstas no art. 142 do CTN que normalmente culmina com a lavratura do auto de infração. O contribuinte notificado desse auto de infração lavrado pode assumir uma das seguintes condutas: (a) efetuar o pagamento do crédito tributário extinguindo-o definitivamente; ou (b) apresentar impugnação administrativa dando nascimento ao processo administrativo tributário para solucionar a lide dele decorrente. O órgão julgador de cúpula é um colegiado composto de representantes do fisco e dos contribuintes, portanto, sem legitimidade para praticar atos de lançamento tributário que é atribuição exclusiva da autoridade administrativa competente (art. 142 do CTN).

Somente o servidor público efetivo integrante da carreira de auditor fiscal, ou agente fiscal, ou ainda de inspetor fiscal etc. pode promover o lançamento tributário que é um ato administrativo vinculado. Não há como o colegiado de segunda instância administrativa, CARF ou CSRF na esfera de União, proceder ao lançamento tributário definitivo. Cabe-lhe, isto sim, confirmar ou desconstituir no todo ou em parte o lançamento tributário definitivamente efetuado pelo agente fiscal competente.

Assim esclarecido o conteúdo da súmula vinculante nº 24 não é possível a apresentação de denúncia por crime contra ordem tributária enquanto sob discussão administrativa o crédito tributário cobrado pelo fisco. Nem é possível ao fisco promover a representação penal antes da finalização da discussão administrativa do crédito tributário, por força da expressa proibição do art. 83 da Lei nº 9.430/96 considerado constitucional pelo STF.

SP, 25-8-14.

Nota:

[1] Cf. nosso Crimes contra a ordem tributária. São Paulo: Atlas, 2012, p.238

Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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