Crédito presumido na cadeia do agronegócio para IBS/CBS (parte 1)
Por Fábio Pallaretti Calcini
22/08/2025 12:00 am
No artigo desta semana trataremos da análise inicial do instituto do crédito presumido para fins de IBS e CBS na cadeia do agronegócio, tema que será objeto inclusive de nossa palestra, no grandioso e relevante evento “VII Congresso Nacional de Direito Agrário”, sediado em Uberlândia (MG) entre os dias 20 e 22 de agosto.
Além disso, não poderia deixar de prestar, com muita dor no coração, minha homenagem e palavras de eterna gratidão ao querido mestre de todos nós, o professor dr. Paulo de Barros Carvalho, que nos deixou recentemente. Seu falecimento causa um vazio que, inegavelmente, não será preenchido, uma vez que sua trajetória e legado é incomparável.
Que Deus continue a zelar por ti querido e grande professor!! Obrigado por tudo!
IBS/CBS: não cumulatividade e previsão constitucional do crédito presumido
Como é de conhecimento, o setor do agronegócio recebeu um regime diferenciado do IBS e da CBS, como enuncia o artigo 9º, da Emenda Constitucional n. 132/2023:
Art. 9º A lei complementar que instituir o imposto de que trata o art. 156-A e a contribuição de que trata o art. 195, V, ambos da Constituição Federal, poderá prever os regimes diferenciados de tributação de que trata este artigo, desde que sejam uniformes em todo o território nacional e sejam realizados os respectivos ajustes nas alíquotas de referência com vistas a reequilibrar a arrecadação da esfera federativa.
Entre as pilastras mestras deste regime diferenciado para o agronegócio, temos a possibilidade de produtor rural (pessoa física ou jurídica) não ser contribuinte regular de IBS e CBS, levando o respectivo fornecimento de bens e serviços por estes a gerar crédito presumido, quando da aquisição por contribuintes:
4º O produtor rural pessoa física ou jurídica que obtiver receita anual inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), atualizada anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e o produtor integrado de que trata o art. 2º, II, da Lei nº 13.288, de 16 de maio de 2016, com a redação vigente em 31 de maio de 2023, poderão optar por ser contribuintes dos tributos de que trata ocaput.
5º É autorizada a concessão de crédito ao contribuinte adquirente de bens e serviços de produtor rural pessoa física ou jurídica que não opte por ser contribuinte na hipótese de que trata o § 4º, nos termos da lei complementar, observado o seguinte:
I – o Poder Executivo da União e o Comitê Gestor do Imposto de Bens e Serviços poderão revisar, anualmente, de acordo com critérios estabelecidos em lei complementar, o valor do crédito presumido concedido, não se aplicando o disposto no art. 150, I, da Constituição Federal; e
II – o crédito presumido de que trata este parágrafo terá como objetivo permitir a apropriação de créditos não aproveitados por não contribuinte do imposto em razão do disposto no caput deste parágrafo.
O texto constitucional, portanto, ao estabelecer que na cadeia do agronegócio teríamos produtores rurais não contribuintes, o quais, quando do fornecimento de bens e serviços, não gerariam crédito ordinário da não cumulatividade, dada a não tributação da operação, trouxe a previsão do crédito presumido.
Com relação ao crédito presumido, a Emenda Constitucional determina que a Lei Complementar irá autorizar ao Poder Executivo e Comitê Gestor revisar, anualmente, o seu respectivo valor. Todavia, caberá à Lei Complementar os critérios para tal revisão.
Spacca
Por sua vez, o texto constitucional traça com clareza o objetivo que deverá o crédito presumido concretizar, ou seja, “permitir a apropriação de créditos não aproveitados por não contribuinte do imposto”. Naturalmente, ao leitor mais atento, poderia questionar: mas este direito ao crédito presumido, apropriando de créditos não aproveitados por não contribuinte somente se aplica ao IBS, tendo em vista a expressão “imposto”?
Verdadeiramente, não me parecer se esta a pretensão do legislador constitucional, configurando falha técnica de redação, pois, o produtor rural, quando não contribuinte, ele será de ambos os tributos — IBS e CBS — de tal sorte que a consequência natural será a concessão de crédito presumido levando em consideração ambas as espécies tributárias. Bem por isso, há de se ler a expressão “imposto” como tributo, mais especificamente IBS e CBS.
Natureza jurídica: não se trata de benefício ou incentivo
Um aspecto relevante a ser analisado e fixado como premissa diz respeito ao fato de que o crédito presumido na cadeia do agronegócio não configura benesse ou incentivo fiscal.
Esta afirmação já resulta do que dispõe o artigo 156-A, § 1º, X, preceituar que: “não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição;”
Vejam que o constituinte diferenciou incentivos e benefícios financeiros ou fiscais de outros tratamentos tributários, como o caso dos regimes específicos, diferenciados ou favorecidos.
Ora, o crédito presumido é resultado do regime constitucional diferenciado e favorecido, que prevê este direito aos adquirentes (contribuintes) de produtos e serviços de produtor rural não contribuinte. Trata-se de um direito subjetivo do adquirente contribuinte regular de IBS/CBS e não uma mera benesse, principalmente, no setor do agronegócio, diante de suas características e finalidades. [1]
Não cuida de pura e simples concessão, a fim de “beneficiar”, simplesmente, o setor, uma vez que resulta de princípios regentes da presente reforma tributária, notadamente, a não cumulatividade e neutralidade.
A Constituição, tratando do IBS e CBS, a partir da Emenda Constitucional n. 132/2023, enuncia no art. 156, § 1 e VII [2] que:
1º O imposto previsto nocaput será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte:
(…)
VIII – será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição;
Se há neutralidade, a decisão negocial de adquirir de produtor rural contribuinte ou não contribuinte não pode ser decorrente do crédito ser o básico ou o presumido.
Daí porque, o constituinte reconheceu que, no caso do crédito presumido, visando observar a neutralidade e não cumulatividade na cadeia [3], ele deverá, nos termos da Lei Complementar, “permitir a apropriação de créditos não aproveitados por não contribuinte do imposto”.
Com isso, o crédito presumido, a fim de cumprir efetivamente a neutralidade e não cumulatividade, deve, forçosamente, refletir a tributação de IBS e CBS sofrida pelo produtor rural não contribuinte em suas aquisições no exercício da atividade, transferindo-a aos adquirentes quando do fornecimento de bens e serviços.
Este posicionamento gera relevantes consequências.
A uma. A a possibilidade de interpretação ampla e finalística, que não se restrinja à literalidade (artigo 111, do Código Tributário Nacional), muito menos de caráter restritivo.
A duas. É dever impositivo ao legislador complementar e respectiva regulamentação cumprir plenamente os propósitos descritos no texto constitucional quanto à concretização, por meio do crédito presumido, da neutralidade e não cumulatividade.
Regulamentação pela Lei Complementar nº 214/2025
Em tais condições, a regulamentação infraconstitucional possui a grande missão de manter a cadeia do agronegócio em harmonia com a neutralidade e não cumulatividade, o que se deu por meio do artigo 168 da Lei Complementar n. 214/2025, a qual analisaremos no artigo da próxima semana.
_________________________________
[1] -V. CALCINI, Fabio Pallaretti. Tributação no Agronegócio: algumas reflexões. Londrina: THOTH, IBDA, CONJUR, 2023. Cf ainda: aqui;
[2] – “art. 195, § 16. Aplica-se à contribuição prevista no inciso V do caput o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI e IX, e §§ 6º a 11 e 13.”
[3] Mesmo antes da Emenda Constitucional n. 132, já sustentamos que o crédito presumido aplicado ao setor, por exemplo, para PIS/COFINS, não é incentivo ou benesse, mas cumprimento das peculiaridades do setor e não cumulatividade: CALCINI, Fabio Pallaretti. PIS/Cofins, crédito presumido e MP 1.227/24: efeitos nefastos ao agro
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doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet, sócio tributarista Brasil Salomão e Matthes Advocacia.
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