Crédito de ICMS na aquisição de combustível

Janssen Hiroshi Murayama, Camila Cristina Magrille Molle e Mariana Valença

Há diversas controvérsias envolvendo o setor de combustíveis e derivados de petróleo e as Fazendas Públicas Estaduais quanto à exigência do ICMS, e uma delas é a recorrente glosa de créditos do imposto tomados pelo contribuinte.

Como se sabe, a regra geral de incidência do ICMS nas operações interestaduais determina a divisão do valor do imposto entre o Estado de origem e o Estado de destino. Todavia, o artigo 155, parágrafo 2º, X, “b”, da Constituição Federal estabelece exceção a essa regra: a não incidência do ICMS sobre operações que destinem a outros Estados “petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados”.

Ao exigir o estorno do crédito das operações interestaduais, viola-se o princípio da não cumulatividade do ICMS
Nesses casos, em vez de o contribuinte recolher o tributo para os entes federativos de origem e de destino (regra geral), o imposto deverá ser recolhido exclusiva e integralmente, desde a sua produção até o seu consumo, ao Estado no qual a mercadoria é consumida – o que se denomina “princípio do destino”.

Tal princípio não denota uma imunidade tributária propriamente dita, na medida em que há a incidência do imposto de forma diferida, ou seja, o ICMS é integralmente devido apenas ao Estado em que as mercadorias forem efetivamente consumidas, conforme regra expressa dos artigos 2º, parágrafo 1º, III e 11, I, “g”, da Lei Complementar (LC) nº 87/96 (Lei Kandir).

Ocorre que a grande maioria dos Estados vem conferindo ao referido dispositivo interpretação equivocada, exigindo dos contribuintes o estorno do crédito por eles tomados na aquisição das mercadorias, em suposta obediência ao disposto no artigo 155, parágrafo 2º, II, “a” e “b” da Constituição, o qual determina que a isenção ou a não incidência do imposto não gera crédito para compensação com o montante devido nas operações subsequentes, bem como acarreta a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

De fato, o dispositivo em questão estabelece limitação ao princípio da não cumulatividade, vedando a apropriação de crédito de ICMS em casos de saídas subsequentes isentas ou abarcadas pela não incidência; contudo, em se tratando de petróleo e derivados, essa regra deve ser conjugada com a dos artigos que positivam o princípio da tributação no destino, do qual decorre a legitimidade do crédito escriturado na entrada das mercadorias.

Assim, a determinação do artigo 155, parágrafo 2º, II, alínea “b”, da Constituição não deveria ser aplicada nas operações interestaduais com petróleo, lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, não restando dúvidas acerca da possibilidade de os contribuintes se creditarem do ICMS na aquisição da mercadoria, utilizando-o nas posteriores operações de venda interestadual.

Interpretação diversa ensejaria (i) a incidência de ICMS no Estado diverso daquele onde foram consumidos os combustíveis; (ii) a violação ao princípio da não cumulatividade do ICMS, com a oneração indevida de toda a cadeia; e (iii) a diferenciação na tributação entre bens em razão da sua procedência ou destino, em inobservância ao artigo 152 da Constituição.

Inclusive, foi esse o entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao reconhecer devida a tributação em sua totalidade no Estado de destino, sendo, portanto, indevidos os recolhimentos do ICMS que tenham sido realizados aos Estados de origem ou intermediários (RE 198.088/SP e RE 358.956/RJ).

Desta forma, o correto é permitir que os contribuintes tenham direito ao crédito na aquisição, sem o posterior estorno, na medida em que é a única forma de “zerar” o que foi indevidamente pago ao Estado de origem, ficando todo o imposto com o Estado destinatário.

Ao exigir o estorno do crédito das operações interestaduais em questão, viola-se o princípio da não cumulatividade do ICMS, na medida em que, uma vez impedido de se creditar do ICMS, o alienante pagará o imposto sobre as etapas anteriores do ciclo (pois deverá estornar os créditos) e, por sua vez, o adquirente pagará novamente o imposto pela totalidade, vez que não possuirá qualquer crédito, tornando, assim, o ICMS cumulativo. Nesse raciocínio, o valor total arrecadado a título de ICMS se revelará superior ao valor do imposto efetivamente devido ao longo da cadeia deste produto.

Portanto, é indevido o estorno do crédito de ICMS incidente na aquisição de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, em operações que destinem as mercadorias a outras unidades da federação, tendo em vista que enseja a incidência de imposto no Estado diverso daquele onde foram consumidos os combustíveis, violando o “princípio do destino”, além de afrontar o princípio da não cumulatividade do ICMS, com a oneração indevida de toda a cadeia.

Janssen Hiroshi Murayama, Camila Cristina Magrille Molle e Mariana Valença são, respectivamente, sócio- fundador de Murayama & Affonso Ferreira Advogados, mestre em Direito Tributário pela UERJ; advogada pós-graduada em direito tributário pela Universidade Cândido Mendes, com extensão em contabilidade geral e tributária pela FGV; e advogada em Murayama & Affonso Ferreira Advogados, com LL.M. em Direito Tributário pela FGV

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações

Janssen Hiroshi Murayama, Camila Cristina Magrille Molle e Mariana Valença

Janssen Hiroshi Murayama, Camila Cristina Magrille Molle e Mariana Valença são, respectivamente, sócio- fundador de Murayama & Affonso Ferreira Advogados, mestre em Direito Tributário pela UERJ; advogada pós-graduada em direito tributário pela Universidade Cândido Mendes, com extensão em contabilidade geral e tributária pela FGV; e advogada em Murayama & Affonso Ferreira Advogados, com LL.M. em Direito Tributário pela FGV

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