Cobrança de IPI em importação para revenda é inconstitucional
Alessandra Monti Badalotti
Por Alessandra Monti Badalotti
No mês de junho, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar na Ação Cautelar (AC) 4.129 para conferir efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário (RE) 946.648, em que uma empresa de Santa Catarina questiona a dupla incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) nas operações de importação para revenda. Isto porque, as mercadorias estariam sendo tributadas tanto na importação quanto na revenda, causando distorção entre produto nacional e o similar estrangeiro. Com o deferimento da cautelar, a cobrança do crédito tributário em disputa fica suspensa até o pronunciamento final do STF sobre o tema.
Diante disto, voltou também a discussão, no cenário jurídico e empresarial, sobre a questão da inconstitucionalidade da cobrança do IPI sobre as operações de saída de produtos importados realizadas pelos estabelecimentos comerciais, tendo como base a equiparação destes como estabelecimento industrial.
Isto porque esta equiparação é uma ficção jurídica que, com base no entendimento de diversos doutrinadores, encontra limites na Constituição Federal, pois o critério material da hipótese de incidência do IPI se encontra no “realizar operações com produtos industrializados”, como um resultado decorrente da industrialização. Assim, a mera saída de produto industrializado não é suficiente para a incidência do IPI, sendo necessário um processo de industrialização efetuado pelo estabelecimento que dê saída ao produto. Até porque a essência da materialidade da hipótese de incidência do IPI está na dinâmica de o produto sair do local onde foi industrializado. Além disso, a Constituição Federal determina que “aquele que realiza operações com o produto industrializado é o industrial”, ou seja, deve ser realizada por estabelecimento industrial.
Além disto, para melhor entendimento da questão, é importante diferenciar as hipóteses de incidência do IPI e de outro imposto estadual, o ICMS. Este tem como núcleo da hipótese de incidência a circulação de mercadorias revestida com o caráter mercantil. De forma que o IPI mira no gênero (produto, quando industrializado), ao passo que o ICMS, leva em conta a espécie (mercadoria).
A outra parte da distinção essencial entre as áreas de incidência do IPI e do ICMS está no fato de que, neste último, a obrigação de dar refere-se à mercadoria, um produto destinado a comércio, enquanto no primeiro a obrigação de dar tem por objeto um produto industrializado, por isso atinge somente a operação realizada pela indústria.
Ante ao exposto, define-se que o “realizar operações” contido no núcleo de hipótese do IPI ocorre com a transmissão de propriedade de um produto industrializado por parte do estabelecimento industrial, ao passo que o “realizar operações” que se refere ao ICMS trata de operações mercantis com mercadorias de qualquer natureza, industrializada ou não.
Nesse aspecto, pode configurar-se situação em que tanto o IPI quanto o ICMS incidam sobre uma mesma operação. É o caso de operações que envolvem produtos industrializados que, destinados a comércio, consistem também em mercadorias, perfazendo, simultaneamente, faixas de incidência tanto de um quanto de outro (IPI e ICMS).
Entretanto, ressalte-se que essa situação apenas pode ocorrer se permitida constitucionalmente, como no caso comercialização do produto industrializado por estabelecimento industrial, o que caracteriza o produto também como mercadoria, de modo que ambos os impostos podem incidir sobre a operação. No entanto, não é o que se verifica nas operações de comercialização de produto importado por comerciante. A saída do produto importado, quando o importador não é industrial, caracteriza mera operação de circulação de mercadorias.
Encontramos aí um limite constitucional à equiparação do comerciante a estabelecimento industrial, pois, ao estabelecer, através dessa ficção jurídica, a incidência do IPI sobre as operações internas com produtos de procedência estrangeira por comerciantes, pretende o legislador que o critério material da hipótese de incidência do imposto de competência da União abranja características que lhes são estranhas.
O legislador mais uma vez acaba incorrendo em equívoco, uma vez que, ao lançar mão da figura da equiparação, elege o critério material do ICMS para compor a hipótese de incidência do IPI, o que é flagrantemente inconstitucional. Em outras palavras, ao determinar que o estabelecimento comercial se equipara a industrial, determinando a incidência do IPI sobre as operações de saída referentes aos produtos importadas por aquele, acaba incorrendo em invasão de competência.
Considerando que tratar-se de um caso de invasão de competência, é possível concluir, ser o caso também de bitributação, uma vez que duas pessoas políticas distintas exigem o pagamento de imposto. Assim, a incidência do IPI sobre as operações com produtos de procedência estrangeira por comerciante, resultando em invasão de competência, conforme foi demonstrado, configura ofensa ao Princípio da Federação e o Princípio da Legalidade.
Diante disso, e considerando não ter ocorrido a efetiva industrialização do produto importado previamente à sua saída, o que se configura imprescindível para que ocorra a incidência do IPI, verificamos que o legislador pretende que o imposto recaia sobre a simples operação de circulação de mercadorias, o que compõe o critério material do ICMS, incorrendo em ofensa à uma série de princípios constitucionais e, portanto, em inconstitucionalidade.
Sendo assim, com base neste estudo, os empresários que realizam as operações ora narradas poderão avaliar, mediante a adoção de um planejamento tributário, se suas operações estão sendo corretamente tributadas. Caso contrário, deverão ajustá-las, adotando os meios legais, com o objetivo de diminuir a sua carga tributária.
Alessandra Monti Badalotti
Advogada e contadora. Integra o escritório Küster Machado.