CBS para uma reforma tributária ampla

Ernesto Lozardo e Melina Rocha Lukic

O governo federal apresentou recentemente a proposta de criação da CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços. A nova contribuição tem sofrido críticas, tanto técnicas quanto setoriais. É preciso que a discussão em torno da CBS seja separada em dois aspectos. Primeiro, uma análise da estratégia em termos políticos de começar a reforma pela criação de um IVA (Imposto sobre o Valor Adicionado) Federal, substituindo as contribuições PIS e Cofins. A segunda questão é saber se a estratégia foi bem executada tecnicamente por meio do Projeto de Lei nº 3.887/2020.

No que se refere à estratégia, tendo em vista as discussões políticas e federativas que motivaram a não aprovação de uma reforma tributária ampla nos últimos 30 anos, a iniciativa do governo de começar a reforma com a criação de um IVA Federal deve ser entendida com otimismo. Até porque o governo anunciou que vai continuar as negociações com Estados e Municípios dentro da PECs nº 45 e 110 para a criação de um IVA Nacional e que a CBS não inviabilizaria a tramitação das PECS, já que poderia posteriormente ser acoplada ao IVA nacional.

Haverá aumento de carga tributária para o setor de serviços, que não conseguirá repassar a totalidade do tributo

O ministro Paulo Guedes tem mencionado a possibilidade de adoção de um sistema de IVA Dual. Tal como propusemos no Ipea em 2017, o IVA Dual parte da premissa de que o processo de reforma deve ser modular e feito em níveis federativos diferentes. O processo se iniciaria com a criação de um IVA Federal – tal como proposto pela CBS – e de um IVA Estadual no nível dos Estados e municípios, abrangendo o ICMS e o ISS. Neste modelo, a PEC nº 45 poderia perfeitamente ser transformada em uma IVA Estadual, aproveitando assim o entusiasmo político do Congresso. Esta estratégia sai da lógica do “tudo ou nada” e promove mudanças consistentes com o contexto político e federativo do país. Em um terceiro momento, somente após a criação de um IVA Estadual no destino, seria possível ainda promover uma harmonização dos Estados que assim optassem ao IVA Federal.

Esta estratégia é a mais viável politicamente, tendo em vista as dificuldades para aprovação no curto prazo de um IVA nacional nos termos das PECs nº 45 e 110. Mesmo que seja possível a aprovação no longo prazo, a implementação ainda terá um tempo de transição longo – dez anos pela PEC nº 45 – no qual haverá a coexistência do novo imposto com os demais tributos existentes, de modo que os efeitos econômicos positivos ainda poderão levar tempo para aparecer.

Apesar do entusiasmo em torno das PECs no Congresso, a verdade é que elas enfrentam os mesmos entraves presentes nas tentativas das reformas anteriores. O próprio secretário Tostes afirmou que há muitos pontos que precisam de acordo com Estados e municípios e alguns deles são a nosso ver críticos. O primeiro é a condição colocada pelos Estados de criação de dois fundos a serem financiados pela União: fundo de equalização e fundo de compensação aos Estados exportadores. Ora, só este primeiro tema já é motivo para causar entraves nas discussões, ainda mais no contexto de crise fiscal em que a União pode chegar a uma dívida pública correspondente a 100% do PIB.

O segundo tema é a governança da ATN – Agência Tributária Nacional – entidade através da qual os entes federativos fariam a administração compartilhada do novo imposto. Qual será o peso da União, Estado e Municípios na ATN? Como serão divididos a representação e o poder de voto entre os entes para que não haja captura das decisões? Como garantir que coalizões de interesse não desvirtuem o modelo original do IBS? Parece ser claro que a União não vai querer entrar neste “balaio de gatos” junto com os demais entes sem ter garantia de manutenção de seus poderes na gestão do novo imposto.

Por fim, o terceiro ponto crítico é a divisão da alíquota do IBS entre os três entes federativos. A alíquota do CBS proposta em 12% já mostra que definitivamente não será possível que a alíquota total do IBS fique em 25%, tal como divulgado no âmbito das discussões da PEC nº 45.

Soma-se a tudo isso o contexto de crise econômica trazida pela covid-19. O histórico das tentativas demonstra que as crises e incertezas econômicas contribuíram fortemente para a não aprovação das reformas, tal como ocorreu na PEC nº 175/95, que foi influenciada pelas crises russas e asiáticas, e na PEC 233/08, do governo Lula, que igualmente foi influenciada pelo contexto da crise financeira de 2008.

Apesar da estratégia política acertada, do ponto de vista técnico, a redação do PL nº 3.887/2020 tem que ser certamente modificada para aplicar corretamente a técnica do valor adicionado a um tributo que deve incidir sobre a receita da pessoa jurídica e não sobre operações com bens e serviços. Isso para evitar contencioso judicial em torno de conceitos do modelo tradicional de IVA que têm outro sentido no contexto nacional ou que ainda não estão pacificados na doutrina e jurisprudência brasileiras.

Importante também ressaltar que logicamente haverá aumento de carga tributária para o setor de serviços, já que a mudança abrupta de alíquota não permitirá que os prestadores repassem a totalidade do tributo ao consumidor final. A alíquota igual entre os setores deve ser mantida, mas o ideal seria haver uma compensação, mesmo que temporária, através da redução do percentual de presunção de 32% aplicada no lucro presumido dos prestadores de serviços. Isto reduziria o impacto negativo inicial e possibilitaria uma transição menos radical para o setor.

Assim, ao contrário do que tem sido veiculado, não há espaço e ambiente político para uma reforma tributária ampla e não há ainda perspectiva de consenso entre União, Estados e Municípios. Por isso é que a CBS sozinha já é sim um avanço, mesmo que ajustes na redação do PL sejam necessários. O IVA Nacional ou o IVA Estadual, no modelo Dual, podem continuar sendo negociados. Em suma, é preferível termos uma nota musical bem inserida dentro de um contexto harmônico para podermos futuramente compor toda uma sinfonia bem orquestrada do que não termos música alguma. Fonte Valor Econômico.

Ernesto Lozardo e Melina Rocha Lukic

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