Carf analisa compensação integral de prejuízos fiscais na incorporação

Alexandre Evaristo Pinto

Nesta semana, trataremos dos precedentes do Carf que versam sobre a possibilidade ou não de compensação integral dos prejuízos fiscais quando da extinção de pessoa jurídica por incorporação1.

O regime da compensação de prejuízos fiscais foi alterado drasticamente pela Medida Provisória 812/94, convertida na Lei n. 8.981/95. Assim, o artigo 422 da referida lei dispõe que o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas ou autorizadas pela legislação do Imposto de Renda, poderá ser reduzido em, no máximo, trinta por cento.

Tal limitação à compensação dos prejuízos fiscais é comumente conhecida como a trava dos 30%. Até então, vigia a possibilidade de compensação do saldo integral dos prejuízos fiscais acumulados em até quatro anos-calendário, subsequentes ao ano da apuração do prejuízo fiscal.

Em outras palavras, ao invés da compensação integral dos prejuízos fiscais com uma limitação temporal de quatro anos, hoje temos uma compensação limitada de acordo com a trava dos 30%, mas sem limitação temporal.

A trava dos 30% na compensação dos prejuízos fiscais foi confirmada pela Lei n. 9.065/95, que previu em seu artigo 153 que o prejuízo fiscal apurado a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensado, cumulativamente com os prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação do imposto de renda, observado o limite máximo, para a compensação, de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado.

No âmbito da doutrina, autores como Humberto Ávila4 e Roque Carrazza5 entendem que o conceito de renda está vinculado também ao conceito de despesa, de forma que o lucro auferido decorre de despesas anteriormente incorridas e espera-se que os prejuízos apurados venham a gerar lucros no futuro.

Como consequência de tal raciocínio, a compensação de prejuízos fiscais não seria um benefício fiscal, mas uma decorrência do próprio conceito de renda.

Nessa linha, a periodização da apuração do imposto de renda em períodos anuais é produto do uso da praticabilidade para fins de determinação de um critério temporal para o imposto de renda (na teoria somente seria possível dizer se uma entidade teve lucro em relação ao capital investido ao final de sua vida), no entanto, somente haveria renda quando houvesse acréscimo patrimonial em relação ao montante do capital investido, isto é, após a compensação dos prejuízos fiscais de exercícios anteriores.

O Supremo Tribunal Federal já enfrentou algumas vezes o tema da trava dos 30% na compensação dos prejuízos fiscais.

No Recurso Extraordinário de n. 591.340 (com repercussão geral), foi firmada a tese de que é constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL. Para tanto, entendeu-se que a técnica fiscal de compensação gradual de prejuízos, prevista nos 42 e 58 da Lei n. 8.981/95 e 15 e 16 da Lei n. 9.065/95 não ofende nenhum princípio constitucional tributário.

Nesse sentido, preponderou o entendimento do Ministro Alexandre de Moraes, designado para redigir o voto vencedor, para o qual a compensação de prejuízos fiscais é um benefício fiscal, que deve ser entendida como um mecanismo que auxilia o empreendedorismo e que inexiste um direito adquirido para a compensação dos prejuízos, de forma que a trava dos 30% é constitucional.

Ademais, o Ministro Alexandre de Moraes pontua que este posicionamento já vem sendo conferido pelos tribunais superiores em diversos casos, dentre os quais os Recursos Extraordinários de 344.944 e 582.252, assim como o Recurso Especial 195.346.

Destaque-se que o relator do processo, o Ministro Marco Aurélio, restou vencido, sendo que para ele a compensação de prejuízo fiscal não é uma benesse ou benefício fiscal, sendo decorrência do próprio conceito de renda. Como decorrência de tal raciocínio, entendeu ser inconstitucional limitar a certo percentual a consideração de exclusões previstas ou autorizadas pela legislação do imposto de renda, para efeito de cálculo do lucro líquido.

Até então, todas as considerações aqui tecidas se referem à constitucionalidade ou não da trava dos 30% na compensação dos prejuízos fiscais em uma situação em que se pressupõe a continuidade da entidade.

Todavia, há uma série de situações em que uma entidade é extinta, tais quais as operações de incorporação (no que tange à sociedade incorporada), fusão e cisão total. Em tais casos, os prejuízos fiscais da sociedade extinta não são transferíveis para a sociedade sucessora nos termos do artigo 33 do Decreto-Lei 2.341/876.

Dito de outra forma, não há forma de utilização dos prejuízos fiscais da sociedade extinta após a operação de incorporação, fusão ou cisão total.

A partir da impossibilidade do uso de tais prejuízos fiscais na sucessora, surge a tese pela qual deveria ser possível a compensação integral dos prejuízos fiscais da sociedade extinta em sua apuração final do imposto de renda pelo Lucro Real, ou seja, a compensação não estar limitada à trava dos 30%, visto que a compensação integral seria a única forma possível de garantir efetividade ao mecanismo de compensação de prejuízos fiscais.

Para os que entendem que a compensação de prejuízos fiscais não é um benefício fiscal, a compensação integral seria uma decorrência do próprio conceito de renda e impedir tal compensação implicaria tributação de algo que não é renda, pois o capital investido não foi totalmente recuperado e daí existirem prejuízos fiscais acumulados.

Por outro lado, para os que entendem que a compensação de prejuízos fiscais é um benefício fiscal, ainda assim é possível argumentar que a aplicação da trava dos 30% tolheria um direito que o contribuinte possui de compensar os prejuízos e dada a não continuidade da entidade, a compensação integral se torna a única maneira possível de operacionalizar aquele direito que a legislação tributária confere de compensar os prejuízos.

Tal subtema específico foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial 1.805.925/SP, no qual se entendeu por maioria de votos que a trava dos 30% seria validade na hipótese de extinção da pessoa jurídica.

O posicionamento majoritário foi no sentido de que a compensação de prejuízos fiscais possui natureza de benefícios fiscal, que deve ser interpretado de forma restritiva e literal nos termos do artigo 111 do Código Tributário Nacional.

Após abordarmos de forma resumida o cenário normativo, doutrinário e jurisprudencial sobre o tema, verificaremos os precedentes do CARF que tratam do assunto.

Em um primeiro momento, havia decisões favoráveis ao contribuinte, no sentido de não aplicação da trava dos 30% nos casos em que houve extinção da pessoa jurídica. Tais decisões se fundamentavam sobretudo no fato de que a trava dos 30% não tinha por finalidade impedir a compensação dos prejuízos fiscais, mas tão somente garantir uma maior previsibilidade na arrecadação do imposto de renda da pessoa jurídica. Em outras palavras, a referida trava somente trazia uma limitação temporal no aproveitamento dos prejuízos fiscais.

Nessa linha, foram assim julgados os Acórdãos 108-06.682 (20/09/01), CSRF/01-04.258 (02/12/02), 108-07.456 (02/07/03), 101-94.515 (17/03/04) e Acórdão CSRF/0105-100 (19/10/04).

Todavia, a partir da decisão do STF no Recurso Extraordinário 344.994 (de 25/03/09), que dispôs que a compensação de prejuízos fiscais é um benefício fiscal e que a limitação da trava dos 30% é constitucional (ressalte-se que no referido caso, não se discutiu a aplicação da trava na extinção de sociedade).

A partir de tal momento, as decisões do Carf são majoritariamente negativas ao contribuinte nos casos em que se discutiu a possibilidade de compensação integral de prejuízos fiscais quando da extinção da pessoa jurídica.

A título exemplificativo, podemos citar os Acórdãos 1402-001.683 (de 07/05/14), 1202-001.259 (de 25/03/15), 1202-001.257 (de 25/03/15), 1401-001.753 (de 24/02/17), 1401-001.754 (de 24/02/17), 1402-002.529 (de 18/05/17), 1402-003.200 (de 16/05/18), 9101-004.217 (de 05/06/19), 9101-004.230 (de 05/06/19), 1301-003.972 (de 13/06/19), 1201-003.327 (de 13/11/19), 9101-004.555 (de 03/12/19), 1301-004.842 (de 11/11/20), 1302-005.844 (de 19/10/21) e 1201-005.198 (de 27/10/21)

Tal cenário começa a mudar com a aplicação do artigo 19-E da Lei n. 10.522/02, acrescido pelo artigo 28 da Lei n. 13.988/20, pelo qual se resolve favoravelmente ao contribuinte em caso de empate no julgamento o processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário.

Assim, no Acórdão 9101-005.728 (de 01/09/21), foi dado provimento ao recurso do contribuinte após empate. No voto vencedor, de relatoria do conselheiro Caio Cesar Nader Quintella, fica claro o entendimento de que a trava dos 30% pressupõe a continuidade da pessoa jurídica, de forma que a sua aplicação em caso de extinção da sociedade implicaria supressão do pleno direito ao seu abatimento, uma vez que inexistirão períodos posteriores de apuração.

Também no Acórdão 9101-005.794 (de 05/10/21), foi dado provimento ao recurso do contribuinte após empate. No voto do relator, constou expressamente que a exposição de motivos da norma que instituiu a trava dos 30% demonstrava que tal mecanismo permitiria que o Estado arrecadasse um valor mínimo sobre a base de cálculo do IRPJ, de forma que o direito à compensação dos prejuízos é sempre existente e a norma trouxe apenas uma limitação temporal para que o contribuinte não utilizasse todo o seu saldo e não recolhesse nenhum montante. Todavia, todo este cenário partia do pressuposto de continuidade da entidade, algo que não irá ocorrer quando a pessoa jurídica é extinta e não há mais como ela utilizar o saldo de prejuízos fiscais a não ser que ela compense integralmente em sua última apuração.

Destaque-se a declaração de voto do conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto em sentido contrário, pontuando que a norma tributária traz previsões expressas em que é possível a compensação integral dos prejuízos fiscais, tais quais nos casos do BEFIEX e da atividade rural, de forma que diante da inexistência de uma previsão específica não seria possível fazer uma interpretação ampla que permitisse a compensação integral quando da extinção de sociedade.

Diante do exposto, nota-se que é um tema bastante controvertido na doutrina e na jurisprudência. Em que pese a existência de decisão do STJ em sentido contrário ao contribuinte, é possível observar decisões do CARF recentes favoráveis aos contribuintes em função da nova regra de empate prevista no artigo 19-E da Lei n. 10.522/02.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

1 No referido artigo estamos nos referindo à compensação de prejuízos fiscais, no entanto, o mesmo raciocínio é aplicável para a base negativa da CSLL.

2 Lei n. 8.981/95: Art. 42. A partir de 1º de janeiro de 1995, para efeito de determinar o lucro real, o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas ou autorizadas pela legislação do Imposto de Renda, poderá ser reduzido em, no máximo, trinta por cento.

3 Lei n. 9.065/95: Art. 15. O prejuízo fiscal apurado a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensado, cumulativamente com os prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação do imposto de renda, observado o limite máximo, para a compensação, de trinta por cento do referido lucro líquido ajustado.

4 ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais. São Paulo, Malheiros, 2011

5 CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda: (perfil constitucional e temas específicos). São Paulo, Malheiros, 2009

6 Decreto-Lei n. 2.341/87: “Art. 33. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida.

Fonte Conjur

Alexandre Evaristo Pinto

Conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP e professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e do mestrado profissional em Controladoria e Finanças da Fipecafi.

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