A súmula de jurisprudência nº 409 do STJ e o novo CPC
Raphael Funchal Carneiro
Dispõe a súmula de jurisprudência nº 409 do Superior Tribunal de Justiça que: “em execução fiscal, a prescrição ocorrida antes da propositura da ação pode ser decretada de ofício (art. 219, § 5º, do CPC)”.
No Recurso Especial nº 1.100.156/RJ, precedente que fundamentou a súmula nº 409 do Superior Tribunal de Justiça, adotou-se o entendimento de que na ação de execução fiscal a prescrição ocorrida antes da propositura da ação pode ser decretada de ofício, com base no artigo 219, § 5º, do Código de Processo Civil (redação da Lei 11.051/04), independentemente da prévia ouvida da Fazenda Pública. Dispôs, ainda, que a norma do § 4º do artigo 40, da Lei nº 6.830/80, que exige essa providência prévia, somente se aplica às hipóteses de prescrição intercorrente nele indicadas.
A prescrição intercorrente é aquela que ocorre no transcurso do processo, em razão da paralisação deste por prazo superior ao exigido para o do exercício do direito de ação. A inércia tem que ser continuada e ininterrupta causada pela exeqüente ao não promover o regular andamento do processo.
Dispõe a súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nº 314 que: “em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente”.
Por outro lado, a prescrição do direito de propor a ação de execução fiscal não ocorre quando a demora na citação decorreu do mecanismo judiciário (artigo 240, § 3º do novo Código de Processo Civil). “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.” (súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nº 106).
Verifica-se que a inércia causadora da prescrição intercorrente ou da prescrição do exercício do direito de ação, tem que ser da parte exeqüente ao não promover as diligências necessárias para realizar a citação do executado, e conseqüentemente a interrupção do prazo prescricional da ação de execução fiscal, bem como ao não realizar as diligências necessárias para localizar bens penhoráveis do executado, para satisfação do seu crédito.
No AgRg no Recurso Especial nº 1002435/RS, outro precedente que serviu de diretriz para a súmula nº 409 do Superior Tribunal de Justiça, ficou decidido que a prescrição pode ser decretada de ofício pelo Juiz quando receber a petição inicial da ação de execução fiscal, sem a necessidade de proceder à ordenação para citação do executado, porquanto configurada causa de indeferimento liminar da peça inaugural, nos termos do art. 219, § 5º, do CPC de 73, bem como de ausência de condição específica para o exercício do direito da ação executiva fiscal, qual seja, a exigibilidade da obrigação materializada na Certidão da Dívida Ativa.
O § 5º, do artigo 219, do Código de Processo Civil de 73, trata da possibilidade de indeferimento da petição inicial mediante o reconhecimento da prescrição, julgando improcedente a demanda com resolução do mérito. Para tanto é necessário que o Juiz disponha de elementos suficientes para formar a sua convicção, sem a necessidade de produção de outras provas. Caso haja dúvida quanto a ocorrência ou não da prescrição, deverá o magistrado ouvir as partes.
O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) exige a manifestação da parte sobre a prescrição e a decadência antes do juiz pronunciá-la, conforme disposto no artigo 10 e no parágrafo único do artigo 487. Deste modo, o juiz pode conhecer de ofício da prescrição e da decadência, sem necessidade de requerimento das partes, entretanto deve ouvi-las antes de proferir sua decisão (art. 337, § 5º e art. 342, inc. II).
O artigo 332, § 1º, do novo Código de Processo Civil, excepciona a regra ao determinar a improcedência liminar do pedido, independentemente da citação do réu, quando verificada a ocorrência da prescrição ou da decadência. Neste caso, havendo a extinção do processo com resolução do mérito (artigo 487, inciso II, do novo CPC) o exeqüente será intimado da sentença e o executado ingressará no processo para apresentar suas contrarrazões ao recurso de apelação.
Não havendo análise de ofício pelo Juiz, acerca da prescrição e da decadência, quando do recebimento da petição inicial da ação de execução fiscal, cumpre ao executado alegá-la em exceção de pré-executividade, em embargos a execução (art. 16 da LEF e art. 917, I, do novo CPC), ou por meio de petição simples nos autos da ação de execução fiscal (art. 342, II, do novo CPC).
Quando a matéria relativa a prescrição for suscitada de ofício ou a requerimento, após a citação do executado, é necessária a intimação pessoal da Fazenda Pública para se manifestar acerca da questão, sob pena de nulidade da decisão proferida pelo Juiz sem observância do contraditório.
Como dito inicialmente, o § 5º, do artigo 219, do Código de Processo Civil de 73, foi o fundamento jurídico utilizado nos precedentes firmar o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, quanto a possibilidade de ser decretada de ofício a prescrição ocorrida antes da propositura da ação de execução fiscal, sem a necessidade de citação do executado.
Os fundamentos jurídicos dos precedentes que serviram de diretriz para a edição da súmula de jurisprudência têm caráter persuasivo e de observância obrigatória pelos Juízes e Tribunais, nos termos do artigo 927 do novo Código de Processo Civil.
Tal é a força atribuída aos precedentes que o artigo 489, § 1º, do novo Código de Processo Civil, considera como não fundamentada a decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Por outro lado, também se considera como insuficiente de fundamentação a decisão judicial que se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos, bem como se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida.
Isto quer dizer as decisões judiciais, na sua motivação, não devem apenas se reportar a artigos de lei ou a conceitos abstratos. Elas devem apresentar os elementos fáticos e jurídicos que o magistrado se utilizou para decidir. Na fundamentação das decisões judiciais o juiz deve identificar exatamente as questões que reputou como essenciais ao desfecho da demanda.
O artigo 926, do novo Código de Processo Civil, por sua vez dispõe que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, e que ao editar os enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
O que se consolidou no enunciado da súmula nº 409, foi a possibilidade de indeferimento liminar da petição inicial do executivo fiscal pelo magistrado ex officio, por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil de 73, conforme autorização contida no artigo 1º, da Lei nº 6.830/80. Que a exigência de manifestação prévia da Fazenda Pública, disposta no § 4º, do artigo 40, da lei de execução fiscal, não impede que as disposições contidas no Código de Processo Civil referentes a improcedência liminar do pedido, em razão da verificação da prescrição, sejam aplicadas a ação de execução fiscal, por conter o referido artigo 40 regra específica para o reconhecimento da prescrição intercorrente.
Caso o novo Código não contivesse norma com igual comando ao do § 5º, do artigo 219, do Código de Processo Civil de 73, seria necessária a revisão ou o até mesmo o cancelamento da súmula em decorrência da modificação legislativa.
Entretanto não foi o que aconteceu, pois o artigo 332, § 1º, do novo Código de Processo Civil, possui comando igual ao do § 5º, do artigo 219, do Código de Processo Civil de 73, ao tratar da improcedência liminar do pedido diante da ocorrência da prescrição, que tem aplicação subsidiária nas execuções fiscais por força do artigo 1º, da Lei nº 6.830/80.
Deste modo, o fato dos precedentes que serviram de diretriz para a formação da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nº 409, terem como fundamento normativo o § 5°, do artigo 219, do Código de Processo Civil de 73, não tem o condão de afastar a aplicação da referida súmula quando o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) entrar em vigor, tendo em conta que o artigo 332, § 1º, do novo Código, mantém a possibilidade de indeferimento liminar da petição inicial em razão da verificação da prescrição, independentemente da citação do executado.
Raphael Funchal Carneiro
Advogado Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera – Uniderp.