A revenda de usados na PEC da reforma tributária
Eduardo Salusse
O texto da PEC da reforma tributária contemplou a possibilidade de a lei complementar conferir crédito presumido ao setor de revenda de bens móveis usados.
Diz o artigo 8º, parágrafo 7º, que “lei complementar poderá prever a concessão de crédito ao contribuinte que adquira bens móveis usados de pessoa física não contribuinte para revenda, desde que esta seja tributada e o crédito seja vinculado ao respectivo bem, vedado o ressarcimento”.
Este modelo de crédito presumido para a revenda de bens usados é aplicado em países como Austrália e Nova Zelândia. Outras opções para neutralizar a distorção concorrencial no setor poderiam ser levadas em conta, como a própria não incidência da CBS/IBS na revenda de usados que já percorreram toda a cadeia e nela foram integralmente tributados.
Ainda como alternativa, poderia ser eleito o critério de tributação da margem adicionada pelo revendedor do bem usado (diferença entre preço de compra e venda), como amplamente utilizado nos países europeus que adotam o IVA.
Sobre a revenda de usados, restará debater, se mantido este mecanismo de crédito presumido e por ocasião da edição da lei complementar, qual seria o montante adequado do crédito concedido, levando-se em conta estudos econômicos para fixar este parâmetro. Tal demonstração passaria pela identificação dos impactos do tratamento atual (redução de base de cálculo para fins de ICMS), apontamento da margem real do setor, o montante do ICMS embutido no bem usado adquirido para revenda e outros.
Há uma imprecisão adicional no texto a ser corrigida nos debates legislativos. Ela está na indicação da concessão de crédito nas aquisições de bens móveis usados de “pessoa física não contribuinte” para revenda.
Isso porque não são apenas pessoas físicas que podem revender bens usados para revendedores. Há pessoas jurídicas que adquirem bens para integrar o seu ativo imobilizado para uso próprio e isso é contabilizado nas contas contábeis de investimento ou ativo não circulante.
Ao que foi indicado, a aquisição de bens para ativo não circulante ou investimentos deve conferir crédito do novo imposto ao adquirente, mas não devem submetê-lo à tributação quando da sua venda futura.
E aqui entra a devida necessidade de correção, eis que a pessoa jurídica que revender bem usado do seu ativo, sem destaque da CBS/IBS, tampouco gerará crédito para os revendedores de bens móveis usados, incorrendo na mesma problemática atacada no texto apresentado.
Por fim, a insegurança que permeia o texto em vários pontos relaciona-se à faculdade outorgada à lei complementar para adotar as providências garantidoras dos princípios previstos no texto. Há justa desconfiança histórica da sociedade no legislador complementar, que é altamente vulnerável a interesses arrecadatórios e a pressão de grupos específicos. Neste caso, a previsão de que a lei complementar “poderá” e não “deverá” fazer algo, alimenta os opositores da reforma que temem ingressar em um caminho sem volta rumo ao desconhecido.
O momento é o de debate, avaliação exaustiva do texto, identificação e correção de imperfeições, certo de que o consentimento social depende, basicamente, da convicção de que não caminharemos para uma desgraça absoluta, mas para uma significativa evolução do nosso sistema tributário.
Eduardo Salusse
Sócio fundador do escritório responsável pela área de direito tributário. Responsável executivo de pesquisa no Núcleo de Estudos Fiscais da FGV DIREITO SP. Professor em direito tributário no IBET, APET, FGV Direito e outras instituições. Conselheiro Honorário e atual Presidente do MDA – Movimento de Defesa da Advocacia. Colunista no Jornal Valor Econômico (Fio da Meada).